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Esta edição do Sô Foca não tratou
apenas de um tema, como o destaque ao lixão, mas sim de um balaio de assuntos que afetam a vida dos mato-grossenses, comoo aumento da violência política durante as eleições de 2022; os efeitos da pandemia que ainda impactam estudantes e professores em relação à saúde
mental; os desafios da
preservação do Pantanal Mato-grossense, as ameaças que rondam as
onças-pintadas e a retomada da vida
plena extramuros dos reeducandos.

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Published by Jornal Sô Foca, 2023-07-25 10:26:57

Jornal Sô Foca 2023.1

Esta edição do Sô Foca não tratou
apenas de um tema, como o destaque ao lixão, mas sim de um balaio de assuntos que afetam a vida dos mato-grossenses, comoo aumento da violência política durante as eleições de 2022; os efeitos da pandemia que ainda impactam estudantes e professores em relação à saúde
mental; os desafios da
preservação do Pantanal Mato-grossense, as ameaças que rondam as
onças-pintadas e a retomada da vida
plena extramuros dos reeducandos.

SÔ FOCA JORNAL-LABORATÓRIO / JORNALISMO UFMT/ EDIÇÃO 2023/ DISTRIBUIÇÃO GRATUITA CATADORES SOFREM COM DESESTRUTURA E O MERCADO GANHA COM ‘LIXO’ Crise econômica pode ser cerne da violência política, diz especialista Professor explica que esse fenômeno já ocorreu em outros períodos, mas não com a dimensão que existe atualmente, revela a repórter Caroline Mesquita. Reeducandos reconstroem vida extramuros com trabalho e estudo Relegar essa população às ruas, sem reinserção, signifca deixá-las ao abismo e provocar ainda mais tragédias, conta a repórter Giovana Lucas. Pandemia ainda afeta saúde mental de estudantes e professores da UFMT Isso gera baixa autoestima e menor desempenho nas atividades na UFMT, relata a repórter Ana Moura. Ainda faltam galpões de armazenagem, equipamentos e políticas públicas que deem segurança aos trabalhadores, relatam as repórteres Letícia Pereira e Marina Camargo. Símbolo do Pantanal: as ameaças contra as onças-pintadas Três especialistas que vivem no Pantanal contam como têm lidado com os desafios da fauna e flora, mostram os repórteres Bruna Cardoso, Rogério Júnior e Thiago Novaes. Página 8 Página 9 Página 17 Página 3 Página 20 Nos acompanhe nas redes sociais


O lixo incomoda. O que mais perturba, contudo, é a destinação desses resíduos. Mas estando longe dos olhos da elite está tudo bem. Ledo engano. O problema continua existindo, mesmo quem se recusa a aceitar sua existência, o que serve apenas para prolongar essa demanda. É o que ocorre com o destino da coleta de lixo em Mato Grosso. Sem a devida adequação, os resíduos são acumulados em lixões a céu aberto, estando expostos a todo tipo de doenças, além de atrair animais silvestres e, sobretudo, um número considerável de pessoas vulneráveis que identificam no lixo uma fonte de renda e, para muitos, a única de subsistência. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), o estado tem 75% do lixo urbano com destino inadequado, o que coloca, evidentemente, a saúde da população em risco. Dentro deste ranking nacional, Mato Grosso aparece em 4º lugar com o pior índice. Quem dispara na frente é Alagoas, com 96,9%, Rondônia, com 96,4% e Roraima, com 89,8%. Esse assunto ainda ficou em banho- -maria por 12 anos até ser formulado um Plano Nacional de Resíduos Sólidos, no qual a reciclagem é um dos pontos essenciais para estruturar a política pública adequada ao problema. Entre os objetivos está a meta de, até 2024, cerca de 14% do lixo no país seja reciclado de maneira correta. Porém, a desigualdade da coleta seletiva ainda continua sendo um dos maiores entraves para avançar na resolução dessa demanda. Mas quem trabalha exaustivamente nos lixões e na seletividade desses resíduos são os catadores. Em Mato Grosso, eles se unem em associações e cooperativas para se manterem e conseguirem uma renda de subsistência para ter o mínimo de dignidade. Os catadores ainda contribuem para um processo de reciclagem ao selecionar os itens que podem render algum valor, segundo a lógica capitalista. Contudo, eles ainda trabalham à mercê do bel-prazer de alguns empresários. Esta edição do Sô Foca não tratou apenas de um tema, como o destaque ao lixão, mas sim de um balaio de assuntos que afetam a vida dos mato-grossenses, como o aumento da violência política durante as eleições de 2022; os efeitos da pandemia que ainda impactam estudantes e professores em O lixo que ninguém vê EXPEDIENTE Universidade Federal de Mato Grosso | Reitor: Evandro Silva | Diretora da Faculdade de Comunicação e Artes: Taís Palhares | Chefe de Departamento: Cláudia Moreira | Coordenador de Jornalismo: Thiago Cury | Professora responsável pelo jornal: Janaína Pedrotti | Professor colaborador: Nilton Carvalho | Editora Chefe: Janaína Pedrotti | Editor-Adjunto: Rogério Júnior | Editora de Diagramação: Bruna Cardoso | Editoras de Digital: Marina Cintra e Isadora Dias | Editoras de Política: Caroline Mesquita e Janaína Arruda | Editoras de Entrevista e Opinião: Ana Moura e Carolina Andreani | Editores de Cotidiano e Cultura: Enzo Trés e Giovana Lucas | Editor de Saúde: Giordano Tomaselli | Editora de Meio Ambiente: Juliana Cargnelutti | Editor de Esporte: Thiago Novaes | Monitores: Juliano Patrick e Yasmin Oliveira Repórteres: Millena Teixeira Barros, Rebeca Cruz, Caroline Mesquita, Janaína Arruda, Yasmim Lima, Geovanna Torquato, Ana Moura, Letícia Pereira, Marina Camargo, Giordano Tomaselli, Andrelina Braz, Juliana Cargnelutti, William Ramos, Rogério Júnior, Bruna Cardoso, Thiago Novaes, Enzo Trés, Giovana Lucas, André Prado, Carolina Andreani, Eduarda Oliveira e Victória Dalla. relação à saúde mental; os desafios da preservação do Pantanal Mato-grossense, as ameaças que rondam as onças-pintadas e a retomada da vida plena extramuros dos reeducandos. Além de outros assuntos com igual interesse público que fazem parte da sociedade atual. Boa leitura!


Símbolo do Pantanal: as ameaças contra as onças-pintadas Desmatamento, queimadas e comercialização de carnes da caça ilegal são as principais ameaças, apontam três especialistas Bruna Cardoso, Rogério Júnior e Thiago Novaes Os “gatinhos” de patas grandes, pelagem pintada e exímios nadadores no Pantanal Mato-grossense, em Porto Jofre, na divisa com os municípios de Poconé e Barão de Melgaço, vivem livremente na selva, mas infelizmente sob constante ameaça. Desde 2007, os fotógrafos, guias e barqueiros que já navegaram pelas águas pantaneiras contabilizam mais de 300 onças-pintadas na região. O Parque Encontro Estadual das Águas respira ecoturismo e, com isso, mantém a floresta de pé. Isso faz girar uma roda de preservação que se perpetua graças ao trabalho de guias responsáveis e turistas que buscam aprender mais a respeito da conscientização ambiental. Mas esse trabalho é posto em xeque pelo aumento do desmatamento e pela caça ilegal. Pelo terceiro ano seguido, a Amazônia perdeu mais de 8 mil km² de florestas, sendo maior do que a cidade de São Paulo, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O habitat natural das onças sofreu uma redução de 82%, de acordo com relatório baseado em mapas da ONG World Wide Fund for Nature (WWF). São áreas alagáveis, como o Pantanal, onde elas costumam viver em grande quantidade, mas que, por conta do desmatamento e das queimadas, o meio ambiente está sofrendo perdas significativas. Já a caça ilegal vem sendo denunciada por ONGs e ativistas ambientais, mostrando que há um tráfico internacional de corte de carne de onças para fins afrodisíacos. Contudo, a Polícia Federal, Ministério do Meio Ambiente e o Itamaraty sequer possuem qualquer base de dados para aferir a dimensão desse crime, o que resta apenas as denúncias pontuais das ONGs para descrever esse cenário. O Sô Foca ouviu três especialistas que vivem diretamente nesses locais e sabem, de perto, a real situação dos felinos no Pantanal e contam como têm lidado com os desafios de proteger a fauna e flora pantaneira. Para entender um pouco mais do universo desses felinos, confira as entrevistas a seguir. Ailton Lara, 41 anos, guia de turismo e gestor ambiental Como começou o monitoramento das onças? “Tudo começou quando eu trabalhava em um sítio do meu pai. Eu sempre fui próximo da natureza, porém, não era tão valorizada. Ao passar do tempo, consegui um emprego como motorista para trazer turistas e fui conquistando espaço, em 1999. Assim, me tornei guia de turismo e fui trabalhando em várias pousadas e agências, até que criei uma empresa, onde comprei um espaço em Porto Jofre, e fundei o Jaguar Camp. Lá dentro, começamos a trabalhar com turismo de observação de onças-pintadas. Desde 2007 a gente vem trabalhando com esse enfoque. Mas de 2009 pra cá focamos mais em onças. E os felinos foram se adaptando com os barcos e com a movimentação. Trabalhando com onça, a gente sentiu a necessidade de aperfeiçoar nossos conhecimentos, lendo artigos científicos sobre elas e montando nosso próprio acervo.” “A gente estuda o comportamento das onças, identificamos cada uma através do padrão de manchas e criamos um guia de identificação para, quando avistarmos uma onça, tiramos uma foto e comparamos com as que já têm. Selecionamos as 70 onças mais comuns. Todo esse conhecimento é compartilhado com crianças do Ensino Médio de Poconé. Tinham professores que trabalhavam há mais de 20 anos nesse assunto e nunca tinham visitado o Pantanal, e auxiliamos nessa visitação. Isso tem sido um sucesso, e complementa aquilo que aprendemos em sala. Todas as informações coletadas em campo eles estão usando sobre a fauna e flora no Pantanal, com apresentações e projetos deles, com mais propriedade. Só consegue preservar aquilo que você conhece.” “Eu fico bem contente com todo esse trabalho que conseguimos fazer, também foi graças a um casal de americanos que, há dois anos fizeram uma doação, conseguimos pagar um biólogo e uma van, alimentação e combustível, para trazer essas crianças. Se a gente replicar o conhecimento da natureza, isso vai crescendo progressivamente. A problemática ambiental está na educação, e isso não consegue ser resolvido em uma só geração. O turismo é a coluna vertebral do meu trabalho. Para mim, o turismo é a melhor ferramenta efetiva de conservação no Pantanal. Tem floresta preservada e animais para observar. Estou conseguindo contribuir dessa forma. Além de conservar a natureza e a floresta, ainda geramos renda para as pessoas, que ajudam nessa preservação. Uma vez que as pessoas entendem isso, entramos em harmonia, mas sem esse balanço, nada funciona”. Quais são as principais ameaças? “É o desmatamento, porque cria fragmentos e elas vão ficando cada vez mais isoladas, e o resultado disso faz elas cruzarem entre famílias, e os filhotes nascem com problemas genéticos. A fragmentação da floresta é o principal fator da diminuição de onças. A caça ilegal também. Existe um comércio ilegal rondando América do Sul, porque acreditam que as partes genitais, cabeças e orelhas, é afrodisíacos, mas cientificamente falando não tem nada a ver com potencial Foto: Gustavo Figueirôa ENTREVISTA E oPINIÃO


sexual. Isso é a mentalidade das pessoas. É uma biopirataria. A matança e o desmatamento são as principais ameaças, além das menores, como fazendeiros matando onças para proteger o gado”. Qual a perspectiva para os próximos anos? “Precisamos de leis mais específicas e do poder público, com políticas públicas responsáveis e educação ambiental nas escolas, para que essa geração já venha com uma mentalidade diferente. Precisamos, também, de tecnologia que favoreça o meio ambiente, e não contra ele. Assim como ela foi feita para a destruição, precisamos delas para a conservação, para que a gente consiga viver melhor. Se interferir muito na natureza, ela vem contra a gente. Um exemplo disso foi a pandemia de Covid-19, a própria natureza lança algo para dar uma equilibrada. Nós somos muito pequenos e ela é grandiosa e sábia. A natureza vai nos punir”. Gustavo Figueirôa, biólogo Na sua visão, qual a importância de preservar os habitats naturais? “É importante preservar os habitats naturais delas porque elas são predadores de topo de cadeia. Elas controlam outras populações, tudo que está abaixo delas. Então pra existir uma onça-pintada significa que o ambiente está muito conservado. Então elas são um indicador ambiental importantíssimo. Por isso que a gente precisa de um ambiente bem protegido para elas ocorrerem. Caso a gente perca esses habitats a gente vai deixar de ter, não só onça-pintada, mas vai diminuir cada vez mais a área de ocorrência dela como de outras espécies também e aí começa o desequilíbrio. Outras espécies começam a se reproduzir mais porque não tem mais a onça caçando. É tudo um efeito dominó”. E os principais perigos às onças? “O maior fator que contribui para a extinção da onça-pintada é a perda de habitat em primeiro lugar e o segundo lugar é o conflito com o homem. As onças comem gado e esse é um comportamento associado aos humanos. A ocupação humana. Antes não existia gado aqui, quando o ser humano começou a ocupar as terras aqui da América e começou a criar gado, inseriu-se um novo bicho para dieta da onça. Então as onças predam gados, existe esse conflito, mas geralmente morre-se muito mais gado por erro de manejo do que pela onça em si. Muita coisa colocada na conta da onça. Então é um problema de coexistência que precisa ser resolvido, mas que tem maneiras de se fazer para diminuir ao máximo essas predações, não é matando que se resolve”. Há um levantamento oficial sobre o número de felinos? “Não existe ninguém que contabilize onça de lugar nenhum. São cientistas que pesquisam onças em certos biomas e estimam a quantidade. No Pantanal tem algumas estimativas, algumas diferentes. Na Mata Atlântica tem uma estimativa mais certeira e eles estimam que na Mata Atlântica toda, no bioma todo, eles são menos de duzentos e cinquenta. No Pantanal a situação delas é bem melhor. Mas enfim, não tem nenhum órgão do Governo fazendo isso, são instituições privadas que pesquisam”. Qual é a situação atual no Pantanal? “As onças são consideradas vulneráveis na categoria de ameaça de extinção aqui do Brasil. Mas depende dos biomas, elas têm status diferentes. No Pantanal, por exemplo, é uma das populações mais concentradas. Pantanal e Amazônia, a gente pode dizer que elas estão em números maiores do que nos outros biomas, mas por exemplo na Mata Atlântica e na Caatinga elas são criticamente ameaçadas de extinção. Então quase extintas. Já existem menos de duzentos e cinquenta indivíduos em cada um desses biomas. Mata Atlântica, e Caatinga. E nos pampas elas já foram extintas por exemplo, então em outros biomas elas estão numa situação bem mais crítica, mas no geral elas são consideradas como vulnerável no país todo”. O ecoturismo pode contribuir de alguma forma? “O ecoturismo quando ele é feito da maneira correta, ele só traz benefícios, a observação de onças gerou uma renda gigantesca pras pessoas dependendo da onça viva naquela região. Então é super positivo. Sem dúvida. Mas é claro que tudo tem que ser feito da maneira correta. Não dá para sair fazendo isso tudo quanto é jeito. Ainda há coisas para melhorar, mas o ecoturismo enfim é um dos grandes pilares da conservação”. Gustavo Gaspari, biólogo e guia turístico Há uma quantidade exata de quantas onças no Pantanal? “No pantanal inteiro existem algumas estimativas de pesquisadores para estimar a quantidade populacional das onças, mas na região do Porto Jofre, ali onde trabalho, tem uma ONG que se chama Jaguar ID Project que é uma ONG de umas americanas e elas trabalham com consciência cidadã com visitantes e turistas lá da região do parque estadual dos encontros das águas para contabilizar o número de animais. As pessoas compartilham fotos com eles, eles fazem essa identificação para contabilizar o número de onças da região. Mas ali é só um recorte do Pantanal”. Na sua opinião, o que é mais prejudicial às onças? “Os fatores mais prejudiciais para as onças, primeiro, é a perda do habitat que as lavouras, as cidades vão avançando e as queimadas. Esses são os principais casos, mas dentro do desmatamento também entra a plantação de soja na pecuária. O outro ponto seria a caça, mas a caça, eu acredito que não seja o maior problema, mas acho que de todos os problemas o pior é o desmatamento mesmo, por ser uma redução na área de vida do animal, fazendo com que elas cheguem perto das cidades, das pessoas e consequentemente elas são caçadas”. A SOS Pantanal tem como apoiadora da causa a digital influencer Rafa Kaliman, e também madrinha das brigadas pantaneiras, que esteve no Pantanal no mês de outubro para observar e acompanhar a vida das onças. Nessa visita identificaram uma nova onça fêmea na região que foi batizada de Kaliman em homenagem à artista. O papel do SOS Pantanal é defender o bioma e divulgar a cultura e a vida pantaneira Foto: Gustavo Figueirôa ENTREVISTA E oPINIÃO


Duas visões, uma guerra O Sô Foca conversou com dois mato-grossenses com laços familiares na Ucrânia e na Rússia para entender quais impactos a batalha tem causado na vida deles Olya Chuhui - Ucraniana vivendo em Cuiabá O conflito se tornou um jogo de xadrez, um campo de batalha, ou seja, as pessoas estão no meio do fogo. Minha família toda está lá, minha mãe, pai, irmã, avô e tia. Inclusive a casa dos meus pais também foi destruída pelos bombardeios. Eles tinham a necessidade de mudar para outra cidade e, por algum tempo, estavam seguros. Agora, a questão é: para onde ir? Sair dessa cidade e ir para onde? Sair do esconderijo e depois? No começo da guerra tinha um apoio para as pessoas que estão fugindo e, agora, não tem mais. E o que tem é bem pouco. A gente tem acompanhado a situação mais pelos canais do Telegram por causa da propaganda política dos dois lados. Não somente da Ucrânia, mas da Rússia também. Antes a gente acompanhava mais pelas fontes oficiais, mas agora ficamos olhando para os canais do Telegram. Acredito que, infelizmente, não vai acabar logo. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, poderia ter terminado a guerra muito tempo atrás. Nem era para ter começado, na verdade. Mas vejo que ele está sendo manipulado pelo governo dos EUA e da Inglaterra, nem ele faz o que quer. Eles mandam, e Zelenski obedece. A guerra só está piorando. O meu estado onde nasci foi anexado. Então, se eu voltar para a Ucrânia, para a minha terra, minha casa não é mais ucraniana, já é russa. O plebiscito que teve para anexar essas terras foi fraudulento. Os ucranianos não concordam com essa anexação. Eu estou bem triste com toda a situação. Às vezes eu quero colocar alguma ilusão em mim de que isso irá acabar logo. Acredito que a última coisa que não vai morrer é a esperança que tenho no coração de que isso acabe bem e que o máximo de pessoas irão continuar vivas. Eu torço pelo retorno da paz. Larion Ovchinnikov - Líder da comunidade russa de Primavera do Leste A Ucrânia e a Rússia são amigas, mas por causa da interferência de outros países, a Rússia teve que fazer uma limpeza. Na verdade, nunca e jamais os russos estão matando ucranianos, mas eles estão limpando aqueles que estão atrapalhando, inclusive os americanos, que estão se metendo no meio do conflito. O que estão fazendo é procurando uma forma de se proteger, porque os russos e os americanos nunca se entenderam. Não há guerra entre Rússia e Ucrânia. Agora, tem guerra porque o povo de fora está se metendo. A gente lamenta muito e não precisava chegar a isso. A comunidade lamenta. O que um cidadão, seja qual for, seja ameaçado, tem que reagir. Isso não vai acabar tão fácil e as pessoas são as que mais sofrem. Está tendo mais gente indo daqui para lá, na Rússia, para mexer com agricultura. As autoridades russas estão pedindo para que o comércio continue funcionando. A minha cunhada mora na Rússia e está, atualmente, somente trabalhando na lavoura. Lá na propriedade deles, já passaram mais de 200 tanques de guerra. Os militares falaram para eles não se envolverem, e sim que devem trabalhar e continuar produzindo alimentos para o país e seguir a vida. A Rússia inteira está em ação e mobilizada. Nenhum dos meus parentes foram convocados para o conflito, só foram orientados pelos militares a continuarem trabalhando no campo. Os russos se sentem normais e seguros, a questão é não se meter. Nós lamentamos as mortes que aconteceram e não precisava chegar a esse ponto. Um conflito dentro da família, são irmãos. Os ucranianos querem essa anexação. Na verdade, todos são Rússia. Espero que não aconteçam mais mortes. Qual é o comportamento dos felinos? “O comportamento da onça é de um predador de topo de cadeia, tem um andar confiante, que geralmente está solitário, mas nós já registramos famílias interagindo, filhotes de mães diferentes interagindo e brincando. Os machos se encontram sozinhos, trabalhamos na beira dos rios, o Rio São Lourenço e o Rio Três irmãos, passeamos mais de barcos e vemos eles na beira do rio ou atravessando. As fêmeas geralmente com filhotes, elas cuidam dos filhotes de 1 ano a 2 anos, é comum ver as fêmeas buscando comidas ou em deslocamento”. Qual melhor jeito para ajudar na preservação? Para preservar a onça, assim como todos os outros animais, é importante repensarmos no nosso consumo na maneira em que vivemos e tentar reduzir os impactos no meio ambiente. Dividimos o mundo com os animais e devemos pensar neles também. A onça desempenha um papel de regular a quantidade das presas, por exemplo as onças consomem mais jacaré e capivaras, então elas controlam a quantidade de jacarés fazendo com os peixes consigam se manter instável, é importante preservar a onça para mantermos as outras espécies. Para finalizar, pode contar como começou sua carreira para chegar até aqui? “Comecei minha carreira como guia, pois sou biólogo e sempre trabalhei com mamíferos em consultoria ambiental. Em 2021 fui para chapada fazer umas filmagens voluntárias de um treinamento de brigada de incêndio a ong SOS pantanal, e o proprietário da pousada Jaguar Camp, o Ailton, convidou os voluntários para passar um dia na pousada, fui fiz o curso de guia, inicialmente comecei a contabilizar as onças e depois virei guia da pousada”. Foto: Larion Ovchinnikov ENTREVISTA E oPINIÃO


Lei que libera porte de arma para caçadores esportivos pode ser inconstitucional Ministério Público propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a lei foi temporariamente suspensa Janaína Arruda Uma polêmica lei que permite a posse de armas de fogo por atiradores desportivos, sob pretexto de risco da atividade foi sancionada pelo governador Mauro Mendes e publicada na edição extra do Diário Oficial de Mato Grosso, em 27 de julho de 2022. A justificativa do projeto seria que os atiradores desportivos não têm meios de defesa, no caso de serem atacados. O projeto foi muito criticado por outros parlamentares enquanto tramitava na Assembleia Legislativa, mas ainda sim, acabou sendo aprovada e sancionada. Porém o imbróglio continuou quando o Ministério Público (MPMT) propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). O Procurador-Geral de Justiça, José Antônio Borges, foi o propositor da ação que requereu a concessão de liminar para a suspensão dos efeitos da lei. Conforme documento, a liberação do porte de arma seria de competência da União e não do Legislativo estadual. Outro ponto citado pelo MP, seria a dificuldade na fiscalização, que é feita, atualmente, pela Polícia Federal. De autoria dos deputados Ulysses Moraes, Xuxu Dal Molin e Gilberto Cattani, a Lei n° 11.840 de 2022, reconhece, no âmbito estadual, como arriscada a atividade de integrantes das entidades de desporto, cujas atividades esportivas demandam o uso de armas de fogo.Segundo o deputado Delegado Claudinei, que foi relator do projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), as armas de fogo usadas para as atividades esportivas seriam muito visadas por criminosos. “Muitos bandidos têm conhecimento sobre os atiradores e por isso a importância deles terem o porte de armas, para que possam se defender caso sofram alguma abordagem”, defende. Além disso, caçadores esportivos já possuem automaticamente a autorização para porte de arma, pois há presunção automática do ‘risco da atividade’ dos praticantes das atividades, bastando o requerente apresentar prova de cadastro em entidade de desporto e o registro da arma. No entanto, o porte, ou seja, a liberação para circulação com a arma de fogo fora do ambiente residencial ou profissional, ou dentro dos critérios previstos, é proibido no Brasil conforme Estatuto do Desarmamento, Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Conforme decreto nº. 9.846 de 2019, que serve de base para o estatuto, é garantido apenas para a ‘defesa de seu acervo no trajeto entre o local de guarda autorizado e o da prática do abate’, mediante apresentação de Certificado de Registro de Arma de Fogo, da Guia de Tráfego e do Certificado de Regularidade emitido pelo órgão ambiental. Ou seja, não poderiam transitar livremente em posse de armas fora desse contexto de trânsito, como prevê a lei estadual. Por essa razão, os deputados Ulysses Moraes, Xuxu Dal Molin e Gilberto Cattani propuseram a nova legislação no âmbito estadual, a pretexto de inseguranças jurídicas, ‘aliada a ideologias que pregam o completo banimento das armas de fogo, que acabam por criminalizar a prática do esporte’, e a lei teria por objetivo dirimir uma suposta perseguição criminal em razão de divergências na interpretação da já existente lei federal, por autoridades administrativas e judiciárias. Por força do disposto no §1°, do artigo 25, da Constituição Federal de 1988, que diz que “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”. Ou seja, como a Constituição não fala de porte ou posse de armas, os Estados poderiam, em tese, com base no disposto criar sua própria legislação, sendo essa uma das justificativas na proposição da lei. Para o caçador esportivo Luís, que possui o Certificado de Registro (CR) – o documento que comprova que possui autorização para a atividade de Atirador Desportivo - há sete anos, não fez uso da lei porque, de acordo com ele, viola a Constituição, que diz que o porte é proibido em todo território nacional. Logo, a pessoa que que fizer uso dessa lei estadual para portar arma pode incorrer em crime de porte ilegal. “Eu, embora tenha o CR, de caçador e atirador esportivo, não pratico a caça. Primeiro porque não temos javali aqui nessa região, e segundo porque não tenho área diretamente atingida pelo impacto ambiental que o javali causa. Eles são uma espécie nociva que foi trazida pra cá que não é habitat natural, logo não tem predador, por isso cresce rápido, e acaba com tudo... Não pratico a caça, mas apoio a caça desse animal nessas zonas”, afirma. De acordo com ele, que é atirador esportivo e treina três vezes por semana, todas as vezes que precisa ir treinar ou praticar, deve estar munido da guia de tráfego ou guia de trânsito e ter toda documentação para trafegar com a arma de casa ao estande. “Acredito que o porte deva ser concedido aos atiradores, porém o procedimento adotado para conceder o porte precisa ser melhor. Não sou a favor do porte livre a todos de maneira incondicioal, mas sou contra a proibição irrestrita dele”, declara. Lei semelhante foi sancionada em Rondônia (RO), pelo governador Marcos Rocha, tendo sido apresentada pelo deputado Ismael Crispin, tornando-se a Lei n.º 5.297 de 12 de janeiro de 2021.n Nela é reconhecido o risco da atividade de atirador desportivo a necessidade do porte de armas de fogo ao integrante de entidades de desporto legalmente constituídas. No entanto, o Estatuto do Desarmamento, que é uma lei federal, é claro quanto aos critérios para o porte, e uma lei federal se impõe em detrimento de legislações estaduais. Com esse entendimento o Tribunal de Justiça (TJMT), o acórdão foi publicado em 30 de agosto. “Ao assim proceder, a Lei Estadual nº 11.840 de 25 de julho de 2022, do Estado de Mato Grosso, sob o ângulo formal, incorre em patente inconstitucionalidade, por usurpação da competência legislativa da União para dispor sobre direito penal e material bélico (armamentos)” diz trecho do documento. Além da ADI contra a lei estadual, o MPMT também ingressou com outras 32 ações questionando a constitucionalidade de leis municipais que tratam do mesmo tema, ou seja, com base na presunção do risco da atividade de atirador desportivo. E no mês de setembro o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a invalidação de leis dos estados do Acre e do Amazonas, que como a de Mato Grosso, autorizavam o porte de armas de fogo a atiradores. Foto: Agência Senado


A fome no coração do agro As políticas de distribuição de renda em Mato Grosso não são suficientes para a população que mais precisa - os que passam fome Millena Teixeira Barros e Rebeca Cruz Foto: Millena Teixeira Barros Avenida Fernando Corrêa, rotatória embaixo de viaduto próximo a um dos shoppings da cidade. Tráfego lento e sol quente. Ao longo da fila de carros adesivados em apoio ao candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), um homem com uma placa de papelão pendurada no pescoço, com os dizeres “3 por 10”, tenta vender panos de prato empilhados em suas mãos. Essa é apenas uma das inúmeras cenas de pessoas lutando contra fome e por uma renda mínima, que podem ser observadas pelas ruas da capital mato-grossense. A fome não é tão invisível quanto se pensa. Mais de 63% da população do estado vive com algum grau de insegurança alimentar, quando o acesso ao alimento não ocorre de forma regular, de acordo com a pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan). Este é um cenário que tem se mostrado cada dia mais explícito e ganhou destaque nacional depois de dezenas de pessoas pernoitarem na fila de um açougue no bairro CPA II para receber ossinhos da carne, sendo a parte do animal que é descartada e não recomendada para consumo. No estado com forte presença do agronegócio, como produção de soja e outras commodities, a fome cresce acima da média registrada no Brasil. Segundo o relatório, Mato Grosso tem níveis de insegurança alimentar grave acima da média nacional, ou seja, a população passa fome. Entre os 33,1 milhões de brasileiros que não têm o que comer, 631,2 mil residem no estado. Muitos deles fogem do estereótipo de morador de rua. “Já parou para pensar em quantas pessoas estão em casa de alvenaria, bem arrumadas, e que as famílias estão endividadas, desempregadas e estão passando por insegurança alimentar? Essas pessoas estão nos visitando. Elas não têm o cheiro próprio da rua, estão bem arrumados mas estão passando por dificuldades” diz Juliano Batista Santos, criador do projeto Café Solidário, que oferece café da manhã para quem tem fome na Praça da República, em Cuiabá. A iniciativa surgiu em 2017 e distribui leite, suco, achocolatado, café e pão com mortadela aos sábados de manhã, duas vezes ao mês. O projeto é mantido por doações de alimentos e produtos de higiene, além de contribuições financeiras de todo o Brasil. Juliano relata que ao longo dos anos conheceu pessoas de muitos lugares do mundo. “Ali [a praça da República] é um berço de tantas pessoas. Várias que têm formação superior, dominam mais de uma língua. Os imigrantes geralmente chamo pelo nome do país [de origem]. Peru, Chile, Senegal, Haiti, Venezuela, Portugal, Espanha, Itália e outros imigrantes. Perceba que eu falei o nome de países desenvolvidos. Essa é uma realidade. Nós tínhamos um grego, chamava ele de pardal. Ele veio pro Brasil para mexer com garimpo” afirma. Durante o período crítico da pandemia houve um aumento de participantes, chegando a atender mais de 300 pessoas. O perfil dos atendidos pelo projeto inclui mães solo, aposentados, mochileiros e desempregados. Entre os assistidos em 2020, encontra-se o estudante Luiz Carlos Toledo. Aos 60 anos, ingressou no curso de Engenharia Civil na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e deixou tudo para vir à capital, entretanto não conseguiu realizar a matrícula a tempo. Surpreendido e desamparado por conta da pandemia, chegou a morar na rua por quatro meses até que conheceu Juliano que o ajudou a regularizar a situação para receber o auxílio da universidade. “Antes de ser beneficiado, tive um estágio na coordenação da Engenharia Civil e antes desses benefícios, o pessoal [os amigos, conhecidos] que me ajudava com roupas e alimentação, mas eu passei dificuldade”, assegura Luiz. O auxílio da Universidade foi o único recebido por ele. Um Estado que fechou os olhos para a realidade Em ano eleitoral, apesar do cenário atingir mais da metade do estado, o problema foi ignorado pela maior parte dos candidatos ao governo estadual. No plano de gestão de Márcia Pinheiro, uma das candidatas, por exemplo, a palavra “fome” foi citada apenas uma vez com o compromisso de que será combatida, sem se aprofundar nessa questão. Já nos planos dos candidatos Pastor Marcos Ritela (PTB) não houve menção sobre o tema. Moisés Franz (PSOL) garante no documento que alimentação saudável em quantidades suficientes é um objetivo do governo, sem especificar políticas públicas para chegar neste objetivo. Já no plano do governador reeleito, Mauro Mendes (União Brasil) apenas relembra os feitos do mandato atual, sem traçar planos para o futuro. O governador deixou para a esposa, a primeira-dama Virgínia Mendes, o protagonismo de ações sociais. Cumprindo o papel estereotipado destinado às mulheres na política, coube à ela ser responsável pelo trabalho ligado ao cuidado e assistência. Ela foi o rosto do programa social SER Família, projeto similar ao Auxílio Brasil, no qual famílias em vulnerabilidade socioeconômica recebem mensalmente o valor de R$200 para ajudar nas despesas domésticas. O plano de governo de Mauro Mendes dá a entender que o programa foi um sucesso e que manterá políticas nesse sentido. Nenhum dos nossos entrevistados afirmaram ter recebido ou conhecido alguém que recebeu esse auxílio. Juntando os dois benefícios, a renda de uma família pode chegar até R$ 800. Este valor é ligeiramente maior que uma cesta básica que custa R$ 755 segundo dados do Instituto de Pesquisa e Análise da Fecomércio Mato Grosso. Nesse cenário, outras despesas essenciais como aluguel, transporte, luz, água e energia não cabem no orçamento doméstico. Além das políticas de transferência de renda, de janeiro a maio de 2022, o governo estadual afirma ter distribuído mais de 65 mil marmitas para a população economicamente vulnerável de Cuiabá. O Prato Popular, o único restaurante popular da capital, oferece refeições por um preço simbólico de R$1 e funciona de segunda à sexta, das 11h às 13h. No entanto, não há comida para todos. É preciso chegar cedo para garantir o lugar na fila. Quando a aposentadoria é insuficiente para comer “A resposta que nós tivemos foi sempre: a gente compra o que dá, a gente prioriza o básico, o arroz, o feijão, a batata, a farinha e a mistura que for mais barata”, assegura Jaqueline Massad, nutricionista que investiga o consumo alimentar dos idosos que foram atendidos no Hospital Metropolitano em Várzea Grande, região metropolitana da capital.


A pesquisa conduzida por Jaqueline descobriu que cerca de 40% desses idosos estão em insegurança alimentar em algum nível e, mesmo assim, não são elegíveis para auxílios do governo, pois são aposentados. Sabendo que essa população é mais vulnerável a doenças, a maior parte do dinheiro que recebem é destinado para a compra de remédios, e na hora do supermercado opta-se por opções mais baratas. “Eu jamais diria que as políticas de transferência de renda não colaboraram. O problema é que nessas políticas não há pré-requisito de utilização desse dinheiro, então muitas vezes o dinheiro é usado para o que é urgente no momento. Se a gente for pensar em famílias com idosos, [a urgência] é a compra de medicamento para manter-se vivo” enfatiza Massad. Para suprir as necessidades alimentares, os idosos disseram contar com doações de cestas básicas de amigos, familiares ou projetos sociais. Em contrapartida aos jovens, eles recorrem ao plantio de alimentos em casa para a própria subsistência. A criação de auxílios ajuda, mas não resolve a situação, é preciso ir além. “Se vocês perguntarem o que que uma pessoa precisa sair da rua? É óbvio: ela precisa de casa. Mas não basta a casa. É necessário a segurança positiva em que essa pessoa não vá para rua, não é só dar uma casa, é criar condições para que a pessoa tenha um lar”, responde Juliano. Crise econômica pode ser ponto crucial no surgimento da violência política atual no Brasil, diz especialista A crise econômica pode ser o principal motivo do surgimento da polarização política atual no Brasil. Segundo o doutor em ciências políticas da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), Raimundos França, esse processo de formação da divisão ideológica da sociedade começou há aproximadamente oito anos. O professor explica que esse fenômeno já ocorreu em outros períodos, mas não com a dimensão que existe atualmente. “Basicamente, essa polarização entre a direita e a esquerda começa a surgir de forma mais evidente nas eleições de 2014 na disputa entre Dilma Rousseff e Aécio Neves. Ali você tem claramente uma disputa mais ideológica”, disse. A direita conservadora começa a surgir a partir da crise econômica de 2014. Naquela época o país via na mídia um dos maiores escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato. A operação foi um dos pontos cruciais para o início da crise, ocasionando uma série de manifestações pelo país, como o protesto contra o aumento das passagens de ônibus. De acordo com França, a estratégia da direita foi assimilar a ideologia com os costumes, conceitos relacionados à família e uma discussão em torno do nacionalismo. “Ao longo de 2018 e 2022, esse debate ideológico especialmente entre direita e esquerda ficou mais evidente pelo governo Bolsonaro ao longo do processo, alimentando a sua base mais radical, em termos de legislação”, explicou. Devido a essa polarização, ideais de violência e intolerância aumentaram, com vários casos repercutindo em todo o Brasil. Em Mato Grosso, não foi diferente. Em Colniza, a 1.160 km da capital Cuiabá, um apoiador do candidato Jair Bolsonaro (PL) matou o colega após uma discussão política. A vítima apoiava o presidente eleito no 2° turno, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A morte ocorreu no dia 9 de setembro, mais de um mês antes das eleições deste ano. Rafael Silva de Oliveira, de 24 anos, esfaqueou Benedito Cardoso dos Santos, de 42 anos, e em depoimento à Polícia Civil confessou o crime. Essa onda de violência retrata extremismos que vieram à tona durante esses anos. “A continuidade dessa agenda mais extremista, especialmente no campo da extrema direita com características em alguns contextos de fascismo, tendências nazistas, ela pode com certeza continuar a ganhar bastante fôlego. Mas isso vai depender muito do poder que as instituições, como o judiciário, vão ter no sentido de coibir isso. Agir com muito mais rigor nesses episódios”, disse. Em Goiânia, um policial militar atirou em um homem depois de discussão política dentro de uma igreja da Congregação Cristã no Brasil, no dia 31 de agosto deste ano. Segundo familiares da vítima, Davi Augusto de Souza questionou o fato de a igreja distribuir um texto para os fiéis não votarem em candidatos que atuam pela “desconstrução das famílias”. Após discussão, o PM Vitor da Silva Lopes o atingiu com um tiro na perna. O policial alegou que foi atacado por Davi e seus familiares e teria atirado na perna do homem para se defender. A tensão política durante o período entre o 1° turno realizado no dia 2 de outubro e no dia 30 do mesmo mês foi relatado em vários veículos de comunicação, como a rivalidade entre vizinhos de um mesmo condomínio no Recife, em Pernambuco. Nas janelas dos apartamentos, bandeiras em apoio aos dois candidatos estavam estendidas, ilustrando essa polarização. Protestos pelo Brasil Após o segundo turno das eleições, no dia 30 de outubro, o país vive uma onda de manifestações antidemocráticas e contra o presidente eleito Lula. No mesmo dia das eleições, após a confirmação do resultado das urnas, pró-bolsonaristas começaram a bloquear rodovias federais de todo o país, impedindo as pessoas de circularem. Com os bloqueios, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, ordenou que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) desbloqueasse as rodovias. Após a determinação, o diretor-geral da PRF Silvinei Vasques foi afastado do cargo para ser investigado por improbidade administrativa. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a postura do diretor-geral pode ter contribuído com os atos antidemocráticos. Nas rodovias, os manifestantes queimaram pneus e jogaram areia pela pista, impedindo a passagem de caminhões e veículos de passeio. Foto: Reprodução Professor explica que esse fenômeno já ocorreu em outros períodos, mas não com a dimensão que existe atualmente Caroline Mesquita


COTIDIANO E CULTURA Reeducandos reconstroem vida extramuros com trabalho e estudo A inclusão de reeducandos no quadro de funcionários de uma empresa pode ser benéfica para empregado e empregador, podendo reduzir até 50% dos gastos com mão de obra O sistema prisional de Mato Grosso, de acordo com dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT), contava, no primeiro semestre de 2022, com 11.069 reeducandos, número quase equivalente ao de habitantes de pequenos municípios de Mato Grosso, como Juscimeira. A ressocialização dessa parcela da população, ao contrário do que muitos imaginam, é possível e acontece por meio do estudo e do trabalho, que são ofertados aos reeducandos do Sistema Penitenciário, com o auxílio da Fundação Nova Chance (FUNAC). Reinserir socialmente essas pessoas não é um ato de caridade, mas, sim, de sobrevivência para uma sociedade harmônica; deixar essa população nas ruas, sem reinserção, significa deixá-las ao abismo e provocar ainda mais tragédias. Uma Fundação pública é uma entidade sem fins lucrativos, constituída para um fim específico de interesse público, e a FUNAC é uma instituição do Governo do Estado de Mato Grosso, criada em 2007, que tem como missão a reinserção social de pessoas que estão em privação de liberdade e os egressos do Sistema Penitenciário. A Diretora Executiva da instituição, Beatriz Dziobat, explica que existe todo um processo para que o reeducando seja selecionado à uma vaga de emprego. “A equipe psicossocial faz a seleção e aqueles recuperandos que apresentam alguma necessidade de saúde ou impedimento são encaminhados para tratamento, para somente após os encaminharmos ao empregador”. Emprego Atualmente, a FUNAC mantém cerca de 1.500 egressos em vagas de trabalho e mais de 200 são assistidos no Escritório Social da Fundação para diversos serviços de cidadania e saúde. Elderson Gonçalves de Carvalho França é um desses reeducandos, com uma história de destaque. A história dele com o crime começou na adolescência, como uma forma de conseguir dinheiro facilmente, furtando radioamador de caminhões e, ao longo do tempo, aquela realidade se tornou a sua principal maneira de viver. Em 2010, Elderson foi preso e condenado a 22 anos de reclusão. A família inteira do Elderson o abandonou e, em uma visita da avó paterna, recebeu um aviso. Ele precisava se reerguer e mudar completamente a forma que vivia. A partir de então, procurou a igreja do presídio e lá foi orientado a retomar os estudos. Posteriormente, conseguiu concluir o ensino médio e, ao prestar a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), conseguiu uma vaga em uma universidade, mas ainda não poderia cursar, pois ainda não estava em regime semiaberto. Por já ter terminado o ensino médio, passou a se dedicar a cursos especializantes. Fez curso para pedreiro, pintor, encanador e eletricista, em seguida, conseguiu um trabalho fora dos muros da prisão em uma fábrica de placas. Foi nesse emprego que conheceu a ex-mulher e constituiu uma família. Inclusive, todo o enxoval da filha foi montado com o dinheiro que ele ganhava na fábrica. Um tempo depois, foi encaminhado para trabalhar na Secretaria de Estado de Educação (Seduc-MT) e, em seguida, para a Arena Pantanal, onde está há 7 anos. Com o cumprimento de parte da pena, Elderson conseguiu a liberdade provisória e conquistou uma bolsa de estudos para cursar Logística no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), curso que concluirá agora em 2022. Outra conquista foi ter prestado novamente o ENEM e ter sido aprovado para o curso de Serviços Sociais na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o qual está apenas aguardando começar. Graças aos estudos e ao trabalho, conseguiu se afastar das más companhias e mudar de vida. Tanto instituições governamentais quanto instituições privadas podem fazer a contratação de mão de obra de reeducandos. Os benefícios são muitos, uma vez que o trabalho do reeducando no regime fechado e semiaberto não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), então, o empresário fica isento de encargos como férias, 13º salário e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Dependendo do piso salarial, a redução nos custos da mão de obra pode chegar a 50% e a remuneração mínima a ser paga corresponde a um salário mínimo. Para Beatriz, “além da vantagem econômica para o empregador, tem a contribuição com a responsabilidade social, que sabemos que as empresas buscam essa interação”. Ensino Em 2022, um total de 2.624 egressos estão trabalhando e 3.390 estão matriculados em alguma instituição de ensino. O Elderson deixa um recado para aqueles que acreditam que a vida no crime não tem volta. “A vida é feita de escolhas […] muitas vezes escolhemos caminhos mais difíceis e mais perigosos, mas tudo na vida tem um jeito, para tudo na vida tem um recomeço”. Reinserir, socialmente, essas pessoas não é um ato de caridade, mas, sim, de sobrevivência para uma sociedade harmônica; deixar essa população nas ruas, sem reinserção, significa deixá- -las ao abismo e provocar ainda mais tragédias. Giovana Lucas Foto: Tribunal de Justiça de Mato Grosso Foto: Tribunal de Justiça de Mato Grosso


COTIDIANO E CULTURA Mãos da resistência: a produção de artesanato na comunidade São Gonçalo Beira Rio Idosas são responsáveis por manter ativa a produção de artesanato no estado, dando continuidade à tradição de séculos André Prado A produção de artesanatos, considerada uma arte milenar, teve seus primeiros vestígios brasileiros na Ilha de Marajó, localizada no Pará. No local, os indígenas realizavam a produção dos vasos e outras peças com muita sofisticação e a abundância de materiais disponíveis foi o principal fator para estimular o desenvolvimento desse mercado no Brasil. O barro é uma das matérias primas mais facilmente encontradas e moldá-lo com as mãos é uma técnica presente em muitas culturas ao redor do mundo, além das diversas possibilidades de peças a serem produzidas de acordo com o estilo do artesão. Tradicional em Mato Grosso, a arte ceramista está presente principalmente dentro de comunidades ribeirinhas e é fonte de renda de muitas famílias. Exigindo muita dedicação, continua sendo um trabalho pesado, desde a coleta do barro até a queima no forno para a conclusão da peça. Dona Alice Almeida, de 76 anos, é ceramista desde os dez, quando começou a produção das peças, junto a sua mãe e irmã, Jora, na comunidade São Gonçalo Beira Rio, em Cuiabá. Ela cresceu sem a presença do pai e mora na região desde que nasceu, tendo presenciado todo processo de desenvolvimento da região. “De deserto a ponto turístico, antigamente aqui não havia nem luz, muito menos água encanada. Nós éramos totalmente dependentes do Rio Cuiabá e isso no tempo de chuva era um problema, pois a água se tornava suja e só era possível utilizá-la após filtragem. E ver atualmente turistas de todas as regiões do mundo por aqui é muito maravilhoso”, contou Alice. Pela necessidade de ajudar em casa, iniciou produzindo pequenas peças, nascendo ali a paixão pela arte que a fez continuar produzindo até hoje. Na época, o único lugar onde era possível retirar a matéria prima para produção das peças ficava a 3 km da comunidade, na região de Barranqueira, a qual era acessada com o uso de canoa. “Fazia chuva ou sol, estávamos lá e ali começava o processo de produção”, disse Jora. A realidade era diferente entre tempos chuvosos e de seca, o barro precisava passar pelo processo de secagem sempre que chegava molhado, antes de ir para a parte de quebra. Separando o barro fino que fica de molho até o momento de amassá-lo, somente após todo esse processo que se dá início a modelagem de fato de peça. “Daí vem secagem, raspagem, passava o tauá (líquido), lisava essas peças que após secarem iam para o forno. Na época, para realizar a pintura, nós utilizamos tinta óleo, que, atualmente, se aproxima dessa tinta de parede. Como pode ver, é um processo longo, que, na maioria das vezes, não é de conhecimento de todos”, afirmou Alice. Nesse período, a comunidade São Gonçalo Beira Rio ainda não possuía o movimento dos dias atuais, por isso toda a produção, que na maioria das vezes percorria madrugada a dentro, tendo duas finalidades: ser levada para a região do Porto e ser vendida ou ser revendida rio abaixo por Chico Paulo e Odorico, mascateiros que percorriam as comunidades ribeirinhas semanalmente com as peças. Antiga Escola Estadual Senador Azevedo, a partir do dia 15 de novembro de 1984 passou a ser Casa do Artesão e ali eram vendidos os artesanatos produzidos na comunidade São Gonçalo Beira Rio, porém, o fechamento da mesma motivou muitos dos artesãos a desistirem do ofício pela falta de demanda que ocorreu durante o período, restando apenas cinco famílias na produção. “Durante todo esse período, houve necessidade da nossa saída da comunidade para realizar a venda das peças. Foi quando, em uma visita do governador, decidimos que havia a necessidade de uma Casa do Artesão na comunidade, possibilitando que não houvesse mais a necessidade de realizar essa logística para continuar vendendo. A proposta inicial era a construção de um espaço no centro de Cuiabá, pois já havia mais de 200 anos que realizamos esse trajeto e tinha chegado o momento de permanecermos aqui. Aproveitamos até hoje de uma escola desativada e ali produzimos e vendemos os nossos artigos”, explicou Alice, atual presidente da Associação Arte Viva. Atualmente, a associação conta apenas com seis ceramistas que se revezam para cuidar da lojinha, local em que as peças são vendidas e produzidas. O desenvolvimento da comunidade e a presença diária de turistas contribuíram muito para que essa fonte de renda se estabilizasse, sendo possível manter o sustento das artesãs. “Mato Grosso sempre foi um incentivador da produção de artesanato, realizando a promoção de encontros, feirinhas e oficinas que permitissem, além da troca de experiências entre os artesãos, a comercialização de seus produtos”, afirmou o secretário de Cultura, Esporte e Lazer do estado, Jefferson Carvalho Neves. A Secretaria de Estado de Cultura e Lazer (Secel-MT) tem apoiado o segmento por meio de editais, convênios, parcerias e emendas parlamentares. Além do programa “Mato Grosso Criativo” que visa incentivar e fortalecer os empreendedores, são realizadas atividades de capacitação no Ponto Cultural Quintal de Domingas que fica na comunidade ribeirinha. Apesar dos programas ofertados pelo estado, quem continua firme na produção da arte ceramista na comunidade é a velha guarda. Dona Alice diz que a profissão não desperta interesse dos jovens da comunidade. Dentre suas filhas, apenas uma se interessou pela arte, mas logo se formou em outra área e não deu continuidade ao ofício. Foto: André Prado Foto: André Prado


COTIDIANO E CULTURA “Tem que existir amor, como disse. Desde o primeiro processo de ir no barraco até essa peça ser queimada para levar na loja é cansativo. Os jovens de hoje em dia têm a oportunidade de serviços mais leves, com o salário garantido, diferente daqui que depende da venda das peças para se obter o retorno”, salientou Alice. Ter consciência desse processo é o que permite entender que as gerações são diferentes e as oportunidades dos dias atuais são outras. “Por isso, existe total liberdade para que nossos filhos escolham o que eles querem para o futuro deles”, complementou Jora. Aos 75 anos, Alice se mantém ativa na produção por amor ao que faz, apesar de ter iniciado na profissão por necessidade. “Apesar de toda a limitação, poder contemplar cada peça finalizada é minha maior alegria, por isso pretendo trabalhar até o momento em que Deus permitir”, confessou. Jora, de 78 anos, acredita que falta valorização, não bastando que os clientes cheguem na lojinha e achem caro. Há necessidade de se entender o processo como um todo. “O que se vê finalizado deve ser reflexo de todo trabalho realizado durante alguns meses”, finalizou. Apesar da idade avançada, as mãos continuarão resistindo e a memória continuará sendo fonte de sabedoria e troca de experiências. Antes da pandemia do Covid-19, era comum receber estudantes e pesquisadores até mesmo de outros países que estavam realizando estudos sobre a produção. Alguns acompanharam a produção desde a etapa inicial até a chegada na prateleira da lojinha, outros as convidaram para palestrar em suas universidades. “Hoje, com menos frequência, mas já estive na UFMT diversas vezes falando sobre tudo isso, além da oportunidade de visitar universidades de outros estados com o mesmo objetivo”, disse Alice. Enquanto houver pessoas pesquisando e indo em busca desse conhecimento, haverá esperança às produtoras. O artesanato, de alguma forma, mantém viva a cultura da comunidade, podendo se tornar a porta para que novas pessoas venham se interessar pelo ofício. Sucesso das tatuagens provoca sociedade a discutir sobre beleza, preconceito e arrependimento Admiração pelos traços artísticos têm origem ancestral, mas a impulsividade dos dias atuais em relação às tatuagens pode gerar aborrecimento e gastos com remoção Carolina Andreani A discussão sobre tatuagem deixa de ser tabu na sociedade. Outros temas acabam entrando em pauta, como o arrependimento dos desenhos marcados na pele. Na série Tattoo Fail, de 2021, alguns artistas consertam tatuagens mal feitas com trabalhos surpreendentes. Atualmente, é comum andar pelas ruas, shoppings, no trabalho e encontrar pessoas com ao menos uma arte registrada na pele. As preocupações em torno da temática não deixam de existir. Também é comum encontrar pessoas que escondem os desenhos, por conta do trabalho ou pressão da família, com variados motivos. O Instituto QualiBest fez uma pesquisa em 2018 para saber como as pessoas enxergam a tatuagem que, por muitos séculos, foi irreversível. Foram entrevistadas 1874 pessoas em todo o Brasil, com mais de 18 anos, das classes A, B e C. Delas, apenas 27% possuem tatuagem. Outro apontamento interessante da pesquisa é que mais da metade dos tatuados têm no braço (54%) – principalmente os homens (68%). Isso mostra que as pessoas estão se sentindo mais livres e menos preocupadas em esconder algum desenho. “Acredito que existem ambientes mais despojados e que os empregadores estão em um processo de compreender que a tatuagem não é uma “sujeira” ou que define a índole de uma pessoa”, afirma Cida Carvalho Soares, que tem 18 tatuagens. Cida tem 26 anos e fez sua primeira tatuagem aos 18 anos. Ela é mestre em geografia e o primeiro “rabisco’’ foi uma frase de um livro que a marcou muito. O caso dela é comum entre os amantes das expressões corporais. “Depois da primeira experiência, achei interessante essa possibilidade de, mesmo no ‘silêncio’, dar voz a alguns processos internos”, ressalta. Mesmo não havendo alguém próximo que tenha algo ilustrado no corpo, as pessoas acham bonito e se deixam influenciar. A pesquisa do QualiBest apontou que 39% dos entrevistados, entre tatuados e não tatuados, acreditam que tatuagens deixam as pessoas mais bonitas. “Além de achar esteticamente interessante, em alguns momentos serviu como uma maneira de expressar o fim de alguns ciclos, comemorar amizades, homenagear pessoas ou ressaltar gostos pessoais. A tatuagem é uma maneira de me reafirmar perante ao mundo”, afirma Cida. Na pesquisa, 62% daqueles que já possuem a arte corporal fariam outros desenhos, segundo os dados colhidos pelo QualiBest. Cida se encaixou perfeitamente nos dados. “Foi o que aconteceu comigo. Gostei do resultado, de como me senti reafirmando uma característica minha no meu corpo e sempre que algo me marca muito, acabo tatuando”, explica. A origem dessa arte remonta aos tempos das pinturas rupestres e corporais. Há quem diga que marcar a pele é “coisa de jovem rebelde”, mas a cultura e história provam o contrário. Observando relatos e inúmeros retratos, é possível afirmar que a arte está presente em várias culturas ao longo dos séculos. Foto: Carolina Andreani


COTIDIANO E CULTURA É o caso dos povos indígenas. Dentre eles, está o povo Karajá, autodenominado Inã. Essa comunidade habita os estados de Goiás, Mato Grosso, Pará e Tocantins e costuma se pintar com dois círculos na face utilizando a técnica de pintura corporal. Já os indígenas da etnia Nambikwara, acreditam que estar pintado significa agradar aos espíritos benevolentes e uma proteção para afugentar entidades maléficas. Anna Maria Ribeiro da Costa é mestre, doutora e professora de história. Ela também é pesquisadora de questões relativas à história e cultura dos povos indígenas. A estudiosa já morou em uma aldeia de Mato Grosso, cercada pela majestosa floresta amazônica e, hoje, passa adiante todos os conhecimentos que estudou e vivenciou com os indígenas. Anna explica que, para eles, a ornamentação corporal está ligada ao desejo de estar belo. “Para os povos indígenas, pintar a pele significa estar vestido. Um corpo nu de uma pessoa indígena, seja homem, seja mulher, seja criança é aquele que está desprovido de pinturas e adornos”, informa. Nos relatos da invasão européia do Brasil, muitos cronistas e viajantes narravam seus olhares ao chegarem aqui. Nas descrições, falam sobre manifestações gráficas dos povos que aqui habitavam, com traços atuando como a identidade dos povos, tipo RG ou CPF. Podemos afirmar que é mais que isso, já que as crenças atingiam essas expressões. Os atributos são passados de geração em geração pelas narrativas míticas. Essas características, ao longo do tempo, também receberam outras interferências. “De lá para cá, os povos indígenas vêm ressignificando suas expressões artísticas, recebendo influências de outras culturas, de outras culturas indígenas [...] A cultura, sabemos, não é estática. Está em constante movimento, mudanças vividas pelas pessoas em comunidade”, enfatiza Anna Maria. A historiadora ainda traz referência de outros estudiosos e fala sobre as explicações da antropóloga Luz Vidal. Luz disserta sobre o povo Kayapó e explica que eles acreditam que a pintura corporal é própria do ser humano e que uma mulher-estrela se transformou em ser humano graças à ação da ornamentação corporal. Fazendo essa ponte entre a história evolutiva e a sociedade atual, podemos traçar o mesmo: a busca pelo belo, por significados e por expressões de identidades. Cida Carvalho também concorda com a historiadora. A jovem fala sobre a aceitação hoje em dia e como é mais comum encontrar pessoas ao redor com tatuagens. “Independente do motivo, entendo que ter tatuagem é uma questão estética e as pessoas estão se sentindo mais à vontade para expressar isso”, cita a jovem. O engajamento dos profissionais que utilizam a arte para se sustentar tem aumentado. É comum que a barra do explorar no Instagram esteja repleta de tatuadores divulgando seus trabalhoss. “Gosto de observar o uso dos traços, das cores e os estilos. Tanto que acompanho algumas tatuadoras e tatuadores”, confirma Cida. Arrependimento O medo do arrependimento é um impeditivo para aderir à prática da tatuagem, pesquisa do Instituto QualiBest mostrou que a maioria dos entrevistados sem tatuagem acredita que poderia se lamentar no futuro (54%). Ainda, uma boa parte deles (19%) também concorda que a arte corporal fica mais bonita em pessoas mais jovens, evidenciando que ao envelhecer uma tatuagem pode ficar “passada”. Por outro lado, a taxa de arrependimento de quem possui tatuagem é de apenas 19%. Rafael Braz é empresário no meio alimentício. Ele tem 30 anos e fez a primeira tatuagem ainda novo, mas teve o cuidado de esperar o momento certo para fazer os desenhos que queria. O medo de se arrepender não o impediu de fazer, mas o arrependimento veio quando um tatuador fez um desenho de um triângulo torto no braço dele. Ao verificar o resultado, Rafael não deixou o tatuador finalizar o desenho, pois ficou com medo de ficar ainda pior. Ele ainda tentou fazer outra tatuagem para consertar o triângulo, mas o erro ainda ficava visível. Diante de todo o desprazer, Rafael optou por outra alternativa que surgiu ao longo dos anos: a remoção. Esse processo é feito com laser para que a tatuagem seja “apagada” da pele exposta à tatuagem. São 7 sessões realizadas na tatuagem, ele já fez 3. O processo de remoção é ainda mais lento, pois cada sessão acontece de 3 em 3 meses. O procedimento de remoção dói muito mais do que fazer a tatuagem. O empresário cita o fato do processo ser lento e acaba afetando até a autoestima da pessoa “Eu acho bonita a estética, o problema hoje em dia está mais no meu corpo mesmo. Pode ser por conta que o processo de apagar deixa as tatuagens muito feias e acaba despertando isso no meu corpo”, relembra ele ao dizer que não faria novos desenhos. Ao ser indagado sobre o arrependimento, o jovem ainda afirma “se eu pudesse voltar no tempo, não teria nenhuma tatuagem”. Para que o arrependimento não surja, é importante que, ao escolher fazer alguma tatuagem, a pessoa pesquise bem antes de marcar a pele. Heverson Figueiredo de Brito, que trabalha com tatuagens, conheceu a arte através de um amigo que também estava começando a tatuar na época. O artista sempre gostou de desenhar e se sentia encantado por desenhos que via nos álbuns e gibis. Ao ver que havia pegado gosto pela profissão, embarcou mais ainda na jornada. Hoje em dia ele tem um estúdio de tatuagem e se intitula “Branco Tattoo’’. O artista, além de realizar novos rabiscos, cobre tatuagens. Ele reforça que os clientes que chegam até o estúdio com a vontade de fazer uma cobertura fazem isso por uma frustração pela arte antiga. Ele ainda lembra que das pessoas que o procuram, 30% buscam transmitir algum significado com o desenho, mas, quando essa busca não dá certo, Heverson também tem a solução. Ao ser indagado sobre o que seria mais difícil, se fazer um novo desenho ou cobrir um já existente, o tatuador dispara “cobrir uma já existente, com certeza! Pelo fato de que nem tudo que o cliente escolhe para uma possível cobertura é o ideal para o trabalho!” Trabalhando com arte há anos, ele ainda cita os famosos memes na internet, por exemplo o caso de pessoas que decidem tatuar nomes de companheiros afetivos. Ao dar a dica para que o arrependimento não venha, ele enfatiza: “Não se deixe levar pelo momento ao ver um desenho legal e já querer fazê-lo. Mas quando um cliente decide fazer nome ou algo para o parceiro(a), não tem muito o que fazer, só executar e torcer para o relacionamento dar certo!”, brinca o tatuador. Foto: Carolina Andreani


COTIDIANO E CULTURA Vitória Basaia transforma casa em museu do chão ao teto Em Mato Grosso desde 1981, as obras dela não são estéticas, mas sim frutos de diversos questionamentos sobre a vida Eduarda Oliveira e Victória Dalla Costa Pedaços de jornais formam telas para pintura, minerais viram tintas e casas tornam-se o lar de museus. “Essa é uma casa, o único museu aqui sou eu”. Vitória Basaia, nascida na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, no dia 15 de setembro de 1956, vê seu pai como exemplo. As lembranças dela são da época de quando ainda era criança, lembrando de um homem multifacetado, sério e disciplinado como a profissão de militar lhe exigia, mas também acolhedor, com as portas de sua casa abertas para que estivesse sempre cheia e que, como artista, mostrava suas habilidades como cantor de ópera e dançarino quando estava de folga. Arteira desde criança, Vitória cresceu sendo o terror para sua mãe. De fato, a arte sempre esteve com ela, que criava seus próprios brinquedos e adorava contar histórias. Ingressou no mercado de trabalho como jornalista. Com o tempo, entretanto, suas palavras deixaram de viver somente no papel. Elas se transformaram, reciclaram e renasceram com muita mais liberdade em várias outras formas de arte. Em Mato Grosso desde 1981, reside em Várzea Grande, região metropolitana de capital, as obras produzidas por Basaia são frutos da sua experiência em ser mulher neste mundo. “A minha arte é muito intuitiva. Para mim, arte é uma questão de vivência, não só sobrevivência”, disse ela. Intimamente ligada à maternidade, a artista plástica diz que apenas nasceu com a chegada de seus filhos, momento no qual tentou ensiná-los a serem criativos, mas acabou notando a sua própria criatividade. Ao ver seus filhos brincarem de destruir e reconstruir brinquedos, de transformar bonecas em pequenos “fransksteins”, a perna de uma aqui, a cabeça de outra lá, Basaia lembrou de sua própria infância. Desde então, enxerga possibilidades de fazer arte com qualquer coisa que tenha em mãos, desde papéis de jornais até a terra do quintal. “Eu pinto igual criança, me sujo de terra e me divirto. Faço meu trabalho brincando”. Com o passar do tempo, a casa de Basaia ganhou pinturas e ornamentos criados pela artista. Uma casa que poderia ser como qualquer outra, hoje é considerada um museu, apesar de Basaia pontuar que, para ela, “essa é uma casa, o único museu aqui sou eu”. Não é a estética, mas sim o questionamento Arte nas paredes, no chão, no teto, em cima da mesa e do sofá. Cores, formas, texturas, luz e escuridão. O mais importante: uma mensagem. A arte de Basaia sempre tem uma mensagem que se ressignifica, principalmente a depender de quem a recebe. A artista não elabora com antecedência e raciocínio, apenas a deixa fecundar em si, a gera e traz ao mundo com suas mãos. Ela transforma seu ateliê em um útero e se torna a parideira. Para Basaia, a sua arte é fruto da vivência e é importante que ela não se prenda a pensamentos de agradar outras pessoas enquanto produz, pois o que importa é transmitir seus sentimentos sem interferência externa. “Eu não me importo se estou fazendo algo bonito ou feio. Minha obra tem cunho de questionamento, não de estética”, afirmou Vitória. Justamente por isso, nem todas as obras que Vitória cria são apreciadas pela própria artista quando finalizadas, ela disse: “Produzo muita coisa, muita coisa é merda, mas eu guardo, porque às vezes dá para reciclar”. E essa é a graça de Basaia e de sua arte, que são feitas como um fluxo de pensamento sem interrupções. Sem a intenção de produzir para vender, Vitória Basaia foi criando seu público de compradores com o passar do tempo, com a ajuda de amigos que fizeram propaganda dela. “Antigamente eu vendia muito para os professores universitários [de Mato Grosso] que eram colecionadores. Hoje eles não conseguem mais comprar, porque o professor não ganha mais para isso”, contou. Atualmente, seu público é de colecionadores de fora de Mato Grosso e do resto do Brasil. De acordo com ela, se não fosse por eles, ela não ganharia o suficiente para poder viver de arte. A humanidade enquanto valor artístico Assim como o pai de Basaia transmitiu para ela sua maneira de viver a arte, ela não faria diferente com os próprios filhos. Com o seu jeito único de transmitir a criatividade para seus descendentes, eles acabaram se tornando artistas também, mesmo que não por profissão ou dedicação exclusiva. Vitória vê como arte a habilidade que um de seus netos tem com exatas, o incentiva na pesquisa científica e o considera um gênio – e por que não artista? No fim, todos na família são, no mínimo, arteiros. Foto: Júlio César Carvalho Foto: Victória Dalla Costa


COTIDIANO E CULTURA Amar e acolher: a vida de uma mãe com filho autista Diagnóstico médico é etapa essencial para a aceitação familiar e acolhimento das terapias, mas, no Brasil, crianças autistas não recebem a assistência necessária Enzo Tres “O dia que ele nasceu foi o dia mais feliz da minha vida. Não tem um dia que eu não queira reviver aquele momento”. Essa frase foi dita por Raiany Ferrari, mãe de José Caetano, o Zezé. Ele é uma daquelas crianças que, com toda sua sensibilidade e disposição, desbrava o mundo com uma coragem diferente da maioria. Acontece que as suas percepções sensoriais reagem de uma forma bastante distinta. A ciência passou a chamar essa condição de autismo, enquanto as mães dessas crianças a denominaram como uma oportunidade de aprender. Raiany traduz as batidas de seu coração: “O autismo mostra que cada indivíduo tem seu ritmo e suas particularidades. A sociedade olha as pessoas como uma coisa só e acha que elas têm que funcionar dentro de um prazo estimado. Vivendo o autismo de perto, vejo que não é bem assim. Que precisamos respeitar essa individualidade. Não tem nada errado em ser diferente dos demais”. Zezé tem um ano e dez meses. Chegou inesperadamente, durante a pandemia da Covid-19 e, em tão pouco tempo de vida, forçou a consciência de sua mãe a iniciar uma introspecção para encontrar dentro de si paciência, persistência e acolhimento ao diagnóstico autista. “A aceitação é dolorosa. Sofri pelo futuro dele, pelas expectativas da irmã pequena em relação a se relacionar com ele, sofri pela minha vida. São diversos sofrimentos diferentes e normais. Para mim, foi muito importante ter vivido isso”, relembra com emoção. Os autistas, entretanto, não envolvem apenas os familiares próximos. Autismo é uma questão social que avalia o quão acolhedora, respeitosa e compreensiva as comunidades são. “Eu fui invalidada por todas as pessoas ao meu redor. Ouvi coisas horríveis, como ‘você quer que ele seja doente’, mas a maior questão de todas são terceiros que acham que têm o direito de me ensinarem sobre meu filho com achismos e desinformação”, conta Raiany em tom de frustração. Aceitar o diagnóstico pode ser difícil nos primeiros momentos, mas a ausência dele é ainda mais complicada, pois prejudica o entendimento da situação e faz com que as pessoas relacionadas opinem com desinformação. “Ter o diagnóstico foi como marcar gol na copa do mundo, pois finalmente fui ouvida e mais do que isso: ele finalmente receberia o apoio que precisava”, relembra. Algumas memórias ganhas ao longo da jornada de descoberta e compreensão do autismo são ásperas, mas esse desconforto ganha ainda mais força por causa do descaso. Raiany buscou auxílio médico para o Zezé em Manaus, pois em Cuiabá, a cidade em que moram, não disponibiliza terapias adequadas. A mãe expressa sua frustração: “O tratamento é muito burocrático. Existem filas, prazos e carência. Essas coisas nos levam a crer que as necessidades de uma criança que possui autismo não importam para o sistema. A única coisa importante são valores”. No Brasil, o autismo ainda é assunto pouco discutido. Há raros estudos e pesquisas acerca do assunto. Um dos levantamentos capazes de ajudar o brasileiro a compreender o transtorno foi realizado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), que estima que, entre um grupo de 110 pessoas, pelo menos uma delas é autista. A estimativa resulta em cerca de dois milhões de autistas presentes em território brasileiro. “Antes do diagnóstico eu tinha planos de trabalho e tempo de qualidade. Inicialmente, me frustrei. Parecia uma sentença para os meus planos, mas, com o tempo, entendi que talvez fosse mais como um adiamento. As coisas com ele necessitam mais tempo e paciência, mas acontecem dentro de toda a particularidade e de uma maneira diferente da que eu esperava”, diz Raiany sobre as especificidades de seu caçula. O desenvolvimento da socialização de uma criança autista é atípico. Seus processos não acontecem no mesmo período e com a mesma ordem de crianças sem o transtorno. Durante a amamentação, os bebês podem evitar a todo o custo o contato visual com a mãe. Risadas “para o vento” ou “para as paredes” podem não ser incomuns. O recebimento do toque físico pode soar ameaçador para eles. Achar que os sinais do espectro autista aparecem apenas quando os pequenos vão pela primeira vez à escola é ilusório. Muitas vezes, os pais estranham certos comportamentos enquanto eles estão nas primeiras fases da infância, conhecendo os familiares e desbravando os cômodos do lar. O processo de interação com os irmãos, por exemplo, pode ser algo bastante delicado e inconstante. Não necessariamente, as dificuldades falam sobre quanto amor é sentido, mas, sim, sobre o tamanho do desafio que expressá-lo pode ser. No caso de Zezé, sua irmãzinha Madalena é parceira fundamental. Ela ajuda os pais na análise do comportamento do garoto e, ao mesmo tempo, garante que o mundo para ele seja mais doce e acolhedor. “Até os seis meses dele, eles eram inseparáveis. Foi quando ele começou a ganhar autonomia e se afastar dela e de todos nós. Foi doloroso ver ela sofrer porque o amava e ele repelia a presença dela. Isso se estendeu e se intensificou até o diagnóstico, que veio com um ano e cinco Foto: Arquivo pessoal


COTIDIANO E CULTURA meses. A partir dali, colocamos de lado todas as nossas expectativas e partimos do princípio. Com muita paciência e perseverança, hoje eles são inseparáveis. Fazem questão um do outro e ela é sem dúvidas uma chave de acesso a ele. Ela faz em horas o que nós levaríamos dias para conseguir com ele”, diz Raiany, reconhecendo a indispensável ajuda da Madalena. É muito comum que, no primeiro momento, a família passe pelo estágio de negação ou revolta sobre o diagnóstico, mas, com o tempo, o acolhimento da condição tende a aumentar. Falar sobre autismo é muito delicado, assim como falar sobre tantas outras condições, pois os familiares podem ficar assustados inicialmente. Com o tempo, os familiares de Zezé foram estudando sobre autismo, compreendendo as manifestações dos sinais. O acolhimento foi gradualmente crescendo e chegou ao ponto de a família se unir para custear o tratamento dele em Manaus. Cada autista reage diferentemente às terapias. Cada um tem seu mundo particular. Nossa existência é amparada pelos limites da consciência, que dita a forma com a qual nos relacionamos com o mundo, entretanto, a mente povoada pelo autismo é difícil de compreender para a maioria. Por isso, os tratamentos têm eficácias diferentes para cada indivíduo portador do espectro. É como se a frase “cada caso é um caso” abandonasse o clichê e ganhasse a praticidade. “O prognóstico dele é ótimo. Ele evolui muito todos os dias. É nítida a diferença. O coração da mãe ainda sofre com os enfrentamentos dele nas terapias, porque existem dias maravilhosos e dias não tão bons. Eu também estou aprendendo mais sobre ele e sei que ele precisa disso tudo para ter qualidade de vida hoje e no futuro”, conta Raiany reconhecendo, ao mesmo tempo, as dificuldades, os progressos e as esperanças. O trajeto aparenta ter altos e baixos constantes, mas sempre com progressos revigorantes. Raiany Ferrari afirma que continua sendo a mesma “Nany”, como é carinhosamente apelidada, antes e depois do nascimento de Zezé, porém mais cheia de atenção, paciência, sensibilidade e, acima de tudo, força. Nas palavras dela, ter um filho autista é “curioso, mas um curioso bom, pois proporciona aquela sensação de, muitas vezes, descobrir alguma coisa nova”. Nesse mar de aprendizados sobre o ser humano, o autismo traz peculiaridades desafiadoras que expõem a alta resistência do amor. Autismo não é apenas sobre amor, embora esse sentimento seja essencial. Autismo é também sobre o quão disposta a sociedade está para ensinar, perseverar e se sensibilizar. Em síntese, apenas coletivamente a comunidade será benéfica para todos, independentemente das diferenças entre estilos de vida. Segundo Raiany, os pais de autistas têm uma missão nobre. “É lutar pela integração deles na sociedade sem tentar fazer com que eles se encaixem no que se espera de crianças típicas. Zelar pelo respeito às diferenças e apoiá-los, para que cresçam seguros dentro das suas diferenças”, conclui. Foto: Arquivo pessoal Arte: Gabriela Fidelis


Há 8 anos, Mato Grosso não cumpre metas de vacinação infantil e crianças ficam expostas a riscos Em sete anos, o estado registrou queda de 14% na taxa de imunização contra a poliomielite Geovanna A. Torquato Embora tenha sido erradicada há 28 anos, a volta da poliomielite se torna uma possibilidade devido ao movimento de desconfiança sobre as vacinas por parte da população, que ganhou mais adeptos com a pandemia da Covid-19. O Programa Nacional de Imunização (PNI) determina que 95% das crianças menores de cinco anos sejam vacinadas contra a doença a fim de garantir a segurança da faixa etária. Porém, desde 2015, o Brasil apresenta queda constante nesta vacinação. Em 2022, até o fechamento desta edição, 7,5 milhões de doses foram aplicadas, o que representa apenas 65,62% de imunização. Dessa forma, Mato Grosso registrou queda de 14 pontos percentuais na taxa de imunização nos últimos sete anos. Neste ano, durante o período da campanha de vacinação, apenas 65,29% das mais de 227 mil crianças do estado foram vacinadas. Embora represente mais da metade, o estado ainda está distante do mínimo de 95% estipulado para manter a população segura da volta do poliovírus, evitando que o vírus causador da doença circule. Ainda com as iniciativas das prefeituras de ampliação de funcionamento dos postos de saúde e promoção de “Dia D”, a aplicação de doses por dia no estado apresenta pouca variação. As campanhas de vacinação, que começaram em agosto de 2022, tinham duração prevista de apenas um mês. Entretanto, devido à baixa adesão, sua conclusão foi adiada do início de setembro para o dia 30 do mesmo mês e, ainda assim, Mato Grosso não cumpriu a expectativa de imunização. Também chamada de paralisia infantil ou pólio, a poliomielite é uma infecção nas vias aéreas, muitas vezes assintomáticas, mas que causa sequelas irreversíveis, principalmente causando atrofia ou flacidez nos músculos das pernas, prejudicando a locomoção. Além disso, há também a possibilidade de desenvolvimento de meningite. Segundo a patologista e pediatra Natasha Slhessarenko, a volta da pólio é iminente caso os pais não vacinem seus filhos. “Se os pais não vacinarem seus filhos, a poliomielite pode voltar. Mais do que um compromisso individual, uma necessidade de cuidar do indivíduo, as vacinas têm importância no cuidado coletivo, de garantir que toda uma população esteja livre das doenças”, detalha a pediatra. O medo da volta da pólio também atinge Geise Barros, mãe de quatro filhos, sendo que o mais novo já recebeu as doses de reforço. Advogada, Geise assume ter pavor de que um de seus filhos venha a contrair a doença. “Eu tenho uma amiga muito próxima que o pai, na época, achava que a vacinação era besteira, que era para matar a população, e não vacinou ela. Hoje essa minha amiga é deficiente por falta da vacina, porque ela teve e isso mudou totalmente a vida dela, por ignorância mesmo”, explica. Esperançosa, a mãe revela que espera que a adesão à vacinação aumente, visto que mantém o compromisso com os filhos e aguarda que os outros pais façam o mesmo. Já Pâmella Coneza, advogada da área da saúde, avalia que a falta de iniciativa dos pais acontece por desleixo. Mãe de uma menina de seis anos e um menino de quatro, ambos já possuem imunização completa. “Pelo o que eu vejo, diante da simplicidade das pessoas, é muita gente falando que vai levar depois, que vai ver depois e vai atrasando”, disse. No Brasil, o calendário vacinal prevê três doses injetáveis até o sexto mês de vida e, até os 5 anos, o reforço pode ser feito também pela via oral. Segundo a médica pediatra Paula Gattass, a vacina não deve ser motivo de preocupação para os responsáveis. “A vacina, em via oral, não tem efeitos colaterais, é uma vacina segura. É importante que o calendário vacinal esteja em dia, independente de campanhas e mediante disponibilidade dos postos”, afirma. Conforme disponibilizado pelo Ministério da Saúde através da plataforma DataSus, das dez maiores cidades de Mato Grosso, somente o município de Sorriso, a 397 km de Cuiabá, apresenta percentual de vacinação acima dos 95%. Já a imunização em Lucas do Rio Verde, Sinop, Primavera do Leste e Barra do Garças vai de 88% a 65%, enquanto os piores números são de Cuiabá e Cáceres, ambas na casa dos 30% de crianças vacinadas. É importante ressaltar que a baixa cobertura vacinal não é coerente com o desenvolvimento de Mato Grosso, de acordo com o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Desenvolvimento Humano - medida para avaliar o desenvolvimento e qualidade de vida das regiões - do estado é o 11º do Brasil, somando 0,725 pontos. Além de Sorriso, as cidades de Lucas do Rio Verde, Sinop, Primavera do Leste e Tangará da Serra também apresentam alto IDH com média de 0,750, maior que o total de MT. Entretanto, nenhuma delas atingiu a cobertura de 95% do público- -alvo, fato que permite observar que o desenvolvimento humano e mobilização para a vacinação não estão necessariamente ligados. O movimento antivacina, apoiado pela desinformação, opera como principal fator da queda da cobertura vacinal. Na visão de Thiago Cury, jornalista e especialista em desinformação, esse artifício agrega ainda mais importância à volta das propagandas das campanhas de vacinação, incluindo o mascote “Zé Gotinha”, figura que representa as doses de reforço da vacina da pólio. “Na medida em que a desinformação impregna na população, principalmente nos pais, algumas dúvidas, não apenas sobre a eficiência, mas em relação aos efeitos que a vacina pode causar a adesão passa a ser mais baixa, gerando um problema muito grave que é o retorno dessas doenças que já haviam sido erradicadas”, comenta Thiago. Para Natasha, o melhor artifício para incentivar a ida dos pais aos postos de saúde para vacinarem seus filhos ainda é o esclarecimento, durante as consultas médicas, pelo próprio profissional de saúde. “Então, durante a consulta de puericultura, a gente precisa dedicar o tempo para olhar cartão de vacinação e sensibilizar os pais, ou acompanhantes daquela Foto: Luiz Alves


criança, da importância e da necessidade da vacina. Justificar, mostrar que tem muita mentira, tem muita fake news, mas são pais que querem o melhor pros seus filhos e que faltam ali educação, falta ter o posto aberto no horário que ele sai do trabalho, na hora do almoço pra ele poder levar pra tomar vacina”, explica. Além da poliomielite, doenças como sarampo e rubéola apresentam baixa vacinação e também podem vir à tona depois de anos sem casos registrados. A vacina contra a poliomielite, em todas as suas doses, é distribuída gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, em todos os postos de saúde do país, bem como outros 47 imunizantes, sendo que 20 deles são destinados a crianças, disponíveis durante todo o ano. Pandemia ainda afeta saúde mental de estudantes e professores da UFMT A ansiedade e depressão tiveram um aumento de 25% no mundo desde a pandemia, segundo a OMS Ana Moura Mesmo no período anterior à pandemia da Covid-19, a saúde mental dos estudantes já era algo alarmante, porém se tornou ainda mais crítica durante o isolamento social. Segundo os dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%. Esses dados apontam para um aumento dos problemas de saúde mental não só dos alunos brasileiros como do mundo todo. Com a pandemia e os protocolos de distanciamento social, as dificuldades emocionais aumentaram ainda mais. Isolados dentro de suas casas, esse grupo precisou se adaptar a uma nova rotina de ensino superior a distância que mudou grande parte de seus dias. A estudante de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Maria Fernanda Matos, desde muito nova desconfiou que poderia ter algum transtorno psicológico mas, que nunca tinha buscado algum tratamento para comprovar um diagnóstico. “Eu sempre tive muito contato com a Internet, então, obviamente você acaba encontrando outras pessoas que também sofrem de algum transtorno. Foi a partir de uns 13/14 anos que eu comecei a desconfiar que tinha depressão”, explica a estudante. A diminuição drástica do convívio social atrelada à crise sanitária foram outros fatores que ainda prejudicam a saúde mental dos estudantes. “Eu fui buscar tratamento em 2020 no meio da pandemia, onde as coisas ficaram piores e minha família decidiu tomar uma iniciativa de procurar tratamento pra mim, desde então eu faço tratamento psiquiátrico regularmente”, afirma Maria Fernanda. Tratar como comum às experiências vividas por quem sofre com doenças mentais é uma forma de banalização desses transtornos. Um dos principais jeitos é a atribuição de diagnóstico a si mesmo e a outros. A estudante conta que fala abertamente sobre os tratamentos que faz e que não esconde isso de ninguém. “Sempre que tenho a oportunidade, eu falo sobre isso, e nem sempre as pessoas reagem de maneira positiva. Várias pessoas da minha família já falaram coisas do tipo ‘depressão tão nova? você não faz nada’, ou começam a me tratar como se eu fosse uma pessoa perturbada ou algo parecido”, diz. Muitos fatores são capazes de serem causadores de doenças mentais (gatilho). No contexto acadêmico, durante o período na universidade é comum as pessoas deixarem de cuidar da saúde mental. A vontade de se formar na carreira dos sonhos é tanta, que as pessoas acabam anulando o autocuidado e dando prioridade somente à vida profissional e ao crescimento acadêmico. Ao colocar essas questões como prioridade, é possível que o desempenho universitário seja afetado tendo em consideração que ao esquecer de dar prioridade para a sua saúde física, você provavelmente não está fazendo algo positivo para o seu desenvolvimento, seja profissional, pessoal ou acadêmico, pois aqueles que enfrentam quadros graves de transtornos psíquicos, como ansiedade e depressão, não conseguem dar andamento na vida estudantil. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), antes da pandemia, o Brasil já era o país mais ansioso do mundo e, também, apresentava a maior incidência de depressão da América Latina, impactando cerca de 12 milhões de pessoas. Estes transtornos são capazes de afetar a capacidade de foco, disciplina e motivação nas aulas, podendo ainda, ter repercussões mais graves. Ellen Santana, coordenadora administrativa e responsável técnica do Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), explicou que alguns processos se intensificaram da pandemia para cá, especialmente os relacionados à ansiedade, depressão e lutos e que o público ainda é predominado por mulheres mesmo que o número de homens tenha aumentado, comparado com outros períodos. “Essas queixas se aprofundaram com a pandemia para todos os públicos”, explica. O levantamento coordenado pela Universidade de Calgary, do Canadá, compilou informações de 29 estudos que abordaram os desígnios mentais de 80.000 pequenos participantes de diversas partes do mundo. O percentual de jovens ansiosos saltou de 11,6% antes da pandemia para 25,2% agora e os depressivos eram 12,9% nos tempos pré-Covid e 20,5% atualmente. Esse número é o resultado de um estudo feito a partir de 1.375 artigos internacionais que analisaram a rotina de alunos de algumas universidades, compartilhado pelo UOL. Como comparação, o percentual do cidadão brasileiro gira em torno de 30%. Os problemas ligados à saúde mental, podem acarretar situações e decisões mais prejudiciais à vida dos alunos. Em situações mais graves, podem comprometer a própria vida do estudante. O índice de pensamento suicida entre universitários aumentou em mais de duas vezes entre 2014 e 2018, segundo relatório da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Sendo assim, o cuidado com a saúde mental dos estudantes é uma emergência não apenas para aprimorar seu rendimento acadêmico, mas para preservar a qualidade de vida e a própria existência dos alunos. Foto: Rogério Júnior


É importante destacar que todos esses fatores afetam o processo de ensino e aprendizagem, além de sobrecarregar professores. Para o professor e coordenador do curso de Jornalismo da UFMT, Thiago Cury Luiz, existe uma sobrecarga além da que os professores são obrigados a assumir. “Se formos colocar tudo no nosso planejamento individual de atividades, a carga horária supera as 40 horas semanais de trabalho, gerando problemas de ordem psicológica no sentido de que tem muitas atribuições a fazer em pouco tempo. Nós temos compromissos que precisam ser cumpridos em um curto período de tempo e isso gera um desgaste emocional muito grande”, afirma o coordenador. Serviço de psicologia gratuito para a comunidade O departamento de Psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) oferece atendimento psicológico de graça para a comunidade. Os atendimentos tiveram que ser suspensos devido a pandemia, mas voltaram em maio deste ano. A ação é voltada para atendimentos gratuitos de urgência psicológica à comunidade interna e externa da universidade. Além disso, ele funciona como laboratório de pesquisa, estágio curricular e pesquisa para os estudantes de psicologia. A coordenadora e professora do SPA, Paola Biasoli, explicou que a necessidade de criar um espaço físico para atender e exercer as práticas psicológicas, surgem quando o curso é implementado. Ela conta também que é feito uma leitura da condição de compreensão da vida e do cotidiano da pessoa que está sendo atendida. O trabalho funciona por livre demanda. “A gente abre a inscrição, a pessoa preenche uma ficha e coloca o motivo dela procurar o nosso serviço, com suas próprias palavras. Acontece com frequência bastante alta uma autodenominação psicopatológica mas, nós chamamos isso de auto relato. Depois disso, ela é chamada para uma entrevista de triagem que é conduzida ou pelo psicólogo ou pelos estagiários e ela busca informações sobre a vida da pessoa”, explica Paola. Atualmente existem pesquisas que analisam as fichas de inscrição, como a de triagem e as que trazem a categoria de sintomas psicopatológicos é muito representativa. A pessoa que se queixa de algo, quando ela está sendo entrevistada e retoma esse sintoma, leva o profissional a entender que é um vocabulário usado, na maior parte das vezes, de forma inadequada. O problema desses “diagnósticos” é que na maioria das vezes, o indivíduo em sofrimento não consegue acessar informações sobre si mesmo, deixando com que outros digam o que acham necessário sobre sua vida pessoal. “Existem testes na internet que são totalmente desvinculados com o que nós realizamos nos atendimentos. As pessoas buscam inúmeras outras orientações. Você tem uma busca por uso de medicação e automedicação… Não são um nem dois pacientes que estiveram comigo que tomaram remédio que alguém falou que seria bom”, afirma a coordenadora. O SPA também oferece um plantão psicológico específico na abordagem de Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). “Hoje o nosso curso conta com três professores com essa especialização então ele funcionou e funciona durante a pandemia de uma maneira mais fácil de ser organizada por conta da estrutura já ser feita e ficar mais fácil de fazer a gestão”, diz Paola. Atualmente o plantão funciona na segunda-feira, terça-feira, quarta-feira e sexta-feira por ordem de chegada. “O objetivo dele é chegar e se sentir acolhido e ouvido, podendo voltar entre três a quatro vezes”, finaliza. Estudantes que enfrentam questões de saúde mental também diminuem o seu bem-estar, podendo apresentar baixa autoestima, menor desempenho nas atividades, falta de foco e concentração, diminuição de determinação em questões importantes, alterações de humor e dificuldades na organização de tarefas que antes, se apresentavam comuns. Yasmim Di Berti R. Lima Epidemia de cigarros eletrônicos acende alerta em Cuiabá Esse malefício continua circulando entre os jovens mesmo após a decisão da Anvisa em proibir o produto devido aos riscos à saúde Em festas, bares, baladas e até nos pátios das universidades: onde tem jovem, tem cigarro eletrônico. A febre dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) tem se tornado cada vez mais intensa e preocupa autoridades de saúde no Brasil. Criados em 2003 e tendo sua comercialização, importação e propaganda proibidos desde 2009, o cigarro eletrônico - também conhecido como pod, vaper, e-cigarro, entre outros - é um dispositivo mecânico-eletrônico alimentado por bateria que exala um aerossol contendo nicotina e outras substâncias, como glicerina e flavorizantes. “Eu comecei fumando narguilé, mas vi o pod como uma opção melhor. Por ser menor e mais prático, consigo levar para todos os lugares”, declara Gabriel Piazzeta, de 20 anos. Fumante há 3 anos, o jovem destaca que a ausência do sabor forte presente no cigarro tradicional e a possibilidade de recarregar o dispositivo, são outros fatores que contribuem na escolha do consumo de DEFs. Os DEFs surgiram e se popularizaram com a premissa de possuírem uma menor nocividade em relação aos cigarros tradicionais por serem livres de tabaco, além da promessa de auxiliar no controle do vício à nicotina. Entretanto, poucos estudos foram feitos no mundo a respeito dos benefícios dos cigarros eletrônicos e, segundo o que é dito pela Agência Nacional de Segurança Sanitária Foto: André Prado


(Anvisa) na resolução publicada em 2009 e ratificada em julho de 2022, nenhuma dessas pesquisas são conclusivas o suficiente. Para Isabela Mackert, de 22 anos, o cigarro eletrônico substituiu o cigarro tradicional. “Foi conveniente começar a fumar pod, desde que ele surgiu, não fumei mais cigarro e hoje, de forma geral, fumo menos”, conta. Sobre isso, o pneumologista Clóvis Botelho, pesquisador e autor em tabagismo, afirma: “Hoje já temos pesquisas evidenciando que o cigarro eletrônico não funciona na cura do vício, além disso, as pessoas que usam esse tipo de produto com a intenção de parar de fumar acabam dando continuidade a sua dependência através dele. Com essa ideia de ser menos nocivo, as pessoas, principalmente os jovens, foram estimuladas a iniciar o tabagismo de uma forma dita como mais saudável”. Sancionadas em 1996, as leis antifumo - que proíbem o uso de cigarros em ambientes fechados, além de proibir propagandas e exigir que as embalagens dos produtos contenham alertas sanitários - foram responsáveis por, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), reduzir de 34,8% em 1989 para 12,6% em 2019 o número percentual de adultos fumantes. Porém, graças a sua popularização nos últimos anos, quando os jovens, majoritariamente, passaram a utilizar o produto, os cigarros eletrônicos acenderam um alerta para as autoridades brasileiras e passaram a ameaçar os bons resultados obtidos pelo país no controle do tabagismo. Com um preço menor que o cigarro comum, os diferentes sabores disponíveis no mercado, a ausência do cheiro forte característico da combustão do tabaco e um design atrativo, o cigarro eletrônico traz de volta a glamourização do cigarro existente no século passado quando era comum ver grandes estrelas hollywoodianas fumando e atrelando o ato ao luxo e elegância. “O cigarro eletrônico não deixa cheiro nas roupas e no ambiente, além de que o próprio cheiro que ele libera é agradável, assim como o sabor. Essa, pra mim, é uma das principais vantagens dele em relação ao cigarro tradicional.”, afirma Mackert. Outro fator que tem facilitado o uso dos DEFs, é o entendimento de que não é proibido fazer o seu uso em ambientes fechados, assim como a lei antifumo prevê em relação ao tabaco, já que a lei, em princípio, versa sobre produtos que produzem fumaça e não vapor, como é o caso dos cigarros eletrônicos. Entretanto, a lei é clara na proibição do uso de todo e qualquer produto fumígeno, derivado ou não de tabaco, em ambientes coletivos. A multa, em caso de descumprimento da lei, recai sobre o dono do estabelecimento comercial, e varia entre R$ 2.000 e R$ 1,5 milhão, até a suspensão da licença de funcionamento. No ano de 2019, foram detectados no Brasil os primeiros casos de injúria pulmonar relacionada ao cigarro eletrônico, doença popularmente conhecida como EVALI, da sigla em inglês E-cigarette, or Vaping, product use–Associated Lung Injury. “A EVALI é uma agressão aguda ao pulmão, que pode levar desde a necessidade de transplante do órgão até a morte”, esclarece Clóvis. O pneumologista ainda destaca que essa nova forma de consumir nicotina é mais agressiva que a forma convencional, pois além da nicotina, estão presentes no cigarro eletrônico aldeídos tóxicos que são ingeridos pelo usuário. Ainda sobre danos à saúde, a dentista Maria Paula Galter esclarece que, por conterem nicotina, os DEFs são tão prejudiciais à saúde bucal quanto os cigarros tradicionais: “As toxinas presentes no cigarro, seja ele eletrônico ou não, geram doenças periodontais como sangramentos, perdas de dentes, retração gengival. Além disso, o calor a que a boca é submetida no momento do uso dos cigarros, faz com que as células sofram mutações, facilitando o caminho para o câncer bucal”. Mesmo com as evidências sobre os prejuízos causados à saúde e a proibição da venda, os cigarros eletrônicos continuam sendo vendidos. “Agora a comunicação com o fornecedor ficou mais complicada e o comércio é mais velado, mas ainda sim é bem fácil comprar.”, conta Mackert. Apesar de não ser mais comum encontrar posts de divulgação dos DEFs nas redes sociais de tabacarias, entrando em contato com o estabelecimento pelo WhatsApp e demonstrando interesse na compra de um pod, a mensagem prontamente foi respondida com os tipos de produtos disponíveis e o preço. “Depois da decisão da Anvisa de seguir com a proibição e o aumento da fiscalização em torno das vendas, o preço dos produtos aumentaram”, afirma Gabriel Piazzeta. Os dois jovens entrevistados que fazem uso de cigarro eletrônico defendem a liberação no Brasil com a justifica de que, assim, seria possível controlar os produtos químicos presentes na composição, além de ser possível promover campanhas anti tabagismo, como é feito por exemplo nos rótulos dos cigarros tradicionais: “Acredito que a regulamentação ajudaria a manter um controle maior do tabagismo, já que muitas pessoas assim como eu recorrem ao pod para deixar o cigarro convencional. Além de que a proibição não impede a venda e o uso que continuam acontecendo, mas sem uma fiscalização adequada.”, declara Isabela. O vício em nicotina é um problema enfrentado há muito tempo pelo mundo todo. Para a dentista Maria Paula: “A nicotina é prejudicial seja qual for a forma como é ingerida. Mesmo com alternativas que prometem reduzir danos, o ideal sempre será não fumar”. A substância causa dependência e torna-se difícil abandonar o hábito, nesse momento surgem alternativas como o cigarro eletrônico que, ainda assim, não é capaz de solucionar o problema por completo. Foto: André Prado O projeto de extensão do Departamento de Comunicação oferece um curso de manejo e operação de softwares de criação e edição de imagem, som e conteúdos audiovisuais. Arte: David Ferreira


Catadores sofrem com desestrutura e cobram melhorias Faltam equipamentos, galpão para armazenamento dos materiais, conscientização da população e investimento em coleta seletiva Letícia Pereira e Marina Camargo A gestão correta de resíduos reflete no aumento de indicadores socioeconômicos, como Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), contribui para o crescimento do PIB e rendimento médio da população. Estas informações foram apresentadas em reunião do Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso (CODEM) e fazem parte do diagnóstico da gestão de resíduos sólidos da região metropolitana, documento com mais de 500 páginas ao qual a reportagem teve acesso e deve ser divulgado no site da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Sinfra). A região metropolitana do Vale do Rio Cuiabá compreende os municípios de Acorizal, Chapada dos Guimarães, Cuiabá, Nossa Senhora do Livramento, Santo Antônio de Leverger e Várzea Grande. Segundo o relatório, a região não realiza a destinação e disposição adequada de todos os resíduos gerados, sendo a maior parte dispostos em lixões ou direcionados a aterros controlados. Somente os municípios de Cuiabá, Várzea Grande e Chapada dos Guimarães têm o serviço de coleta e transporte realizado por empresas contratadas. Acorizal, Nossa Senhora do Livramento e Santo Antônio de Leverger, por se tratarem de municípios de menor porte, realizam a gestão direta, com mão de obra e equipamentos próprios. As cooperativas e associações de catadores acabam se tornando responsáveis por uma parcela significativa desses resíduos, desempenhando uma atividade extremamente relevante em aspectos econômicos e sociais. Porém, de acordo com o diagnóstico, não existe uma padronização entre as cooperativas do ponto de vista do processo produtivo, cada uma faz a sua própria gestão. O apoio público em relação às cooperativas também é diverso. “É preciso apoiar melhor as cooperativas e tentar padronizar os processos, tanto da coleta seletiva como o tratamento e valorização dos recicláveis”, enfatizou Frederico de Vasconcelos, integrante do Consórcio Integração e responsável pela realização do diagnóstico. Segundo ele, a estruturação das cooperativas é necessária para que o setor da reciclagem tenha condições de contribuir ainda mais para a economia regional. “Antes, o que era chamado de lixo, hoje é material de valor econômico”, explica. A realidade dos catadores Várzea Grande, região metropolitana da capital, possui quatro cooperativas que estão passando por um processo de reorganização estrutural após o embargo e fechamento do lixão em fevereiro de 2022. Ainda faltam galpões de armazenagem, equipamentos e políticas públicas que deem segurança aos trabalhadores. Cleide Jesus Basílio é uma dos 95 colaboradores da Associação de Catadores de Material Reciclável e Reutilizável Mato Grosso Sustentável (ASMATS). Mais conhecida como Dona Nena, ela trabalha com reciclagem há 27 anos. Os primeiros 25 anos foram no lixão de Várzea Grande e os dois últimos na cooperativa. Desde a desativação do lixão por determinação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), os catadores vêm tendo dificuldades de se manter. “Está sendo difícil para nós, porque ali era nosso ganha pão e hoje não temos mais”, relata. Os catadores recebem mensalmente uma cesta básica da prefeitura, mas isso não tem sido suficiente. A falta de um galpão de armazenagem e transporte é uma das principais dificuldades que têm enfrentado, e a falta de apoio do poder público tem contribuído para que os colaboradores se dispersem. “O mais importante para nós agora é o barracão, o transporte e o material, porque se tiver isso o pessoal se ajunta de novo”, conta Dona Nena, preocupada. Ela destaca que a associação possui um terreno e que o mais importante para eles, atualmente, é ter esse galpão. “Eu gostaria que alguém tivesse compaixão da gente e nos ajudasse a construir esse barracão, assim vamos conseguir nos reunir e todo mundo trabalhar”, explica. Dona Nena se indigna ao contar que empresários vêm recolhendo grande parte do material que eles lutam para conseguir, pois sobrevivem disso, e acabam vendendo em centros de reciclagem, mesmo local que os catadores vendem. “Às vezes tem hora que eu chego com dez quilos de material e o empresário chega com uma caminhonete cheia. Falta o poder público dar mais uma atenção ao catador, porque a maioria do material está sendo coletado pelos próprios empresários, eles estão pegando, vendendo e o catador tá ficando de escanteio”. Ela explica que apesar disso, tem alguns empresários, donos de hotéis e restaurantes que os auxiliam, “eles nos recepcionam, somos acolhidos e nos tratam com respeito nos ajudando com materiais”. A renda média mensal dos catadores é em torno de R$ 2.500 ou R$ 2 mil, mas com a falta de material é preciso “ralar muito” para conseguir um salário mínimo, segundo ela. “Pra gente tirar um salário a gente tem que ralar muito. Eu sou aposentada, mas o dinheiro da aposentadoria é quase só o medicamento que eu uso. Então, como nós vamos sobreviver se não temos o material?”, questiona. Segundo pesquisa do Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS) de 2020, apenas nos municípios Foto: Jana Pessôa/Setasc-MT Foto: Letícia Pereira


de Cuiabá e Chapada dos Guimarães, a parcela recolhida e recuperada desses recicláveis é tímida. Ou seja, de 3,69% de quantidade recolhida (exceto matéria orgânica) apenas 2,61% é recuperado, ainda falta muito para avançar neste ponto, visto que os resíduos recicláveis têm um impacto socioeconômico e ambiental muito grande. Políticas públicas Atendendo a pedidos da ASMATS, o Comitê Gestor de Ações Afirmativas, formado pela Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Ordem dos Advogados do Brasil, destinará, em novembro de 2022, R$100 mil reais para garantir a compra de 20 triciclos, facilitando a questão do transporte próprio para a coleta diretamente nas empresas e residências em Várzea Grande,“agora com esses triciclos o catador vai conseguir ir em bairros diferentes fazer a coleta, sem depender apenas de um caminhão”, comemora Dona Nena. A reportagem entrou em contato com o secretário de Serviços Públicos e Mobilidade Urbana de Várzea Grande, Breno Gomes, que diz ter um acordo junto ao Ministério Público para fornecer estrutura adequada aos catadores e implantar a coleta seletiva na cidade. “Comprometemos-nos a construir dois barracões para as quatro associações que atuam em Várzea Grande; fornecer os equipamentos de proteção individual; faremos a doação de maquinários a exemplo de prensa, sacolas para coleta seletiva, bem como o fornecimento de quatro caminhões aos catadores”. Cleide Jesus Basílio relata já ter sofrido discriminação e preconceito, mas que sabe da importância de seu trabalho como catadora.“Hoje em dia sabemos nos valorizar mais, porque sabemos a nossa importância. A gente se preocupa, orienta, não joga isso aqui no lixo assim, não queima as coisas, não joga coisa dentro do córrego etc.”. Dona Nena admite ser uma luta constante e cansativa, mas que representa uma grande recompensa as vitórias que conseguem para contribuir com uma cidade mais sustentável e colaborativa com os catadores. Os ecopontos foram criados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) em 2002, com o objetivo de fazer o descarte de material reciclável. O uso correto dele facilita a coleta seletiva para as associações e cooperativas de catadores, além de contribuir na arrecadação de verba para ONGs e instituições filantrópicas que auxiliam a população mato-grossense, como o projeto ‘Ecoponto Lixo Zero’ que coleta papel e papelão, produtos eletrônicos, metais, óleo de cozinha e está localizado na Avenida Governador Dante Martins de Oliveira, no Bairro Jardim Itália, em Cuiabá. Confira o mapa com mais ecopontos na região metropolitana no QR CODE abaixo e contribua. Falta de árvores pode tornar Cuiabá inabitável nos próximos anos Ações da população e do poder público, agora, tentam agir contra o tempo e reverter consequências ambientais que podem afetar a capital Andrelina Braz e Giordano Tomaselli A cidade de Cuiabá já foi conhecida como “cidade verde” por ter ruas e avenidas com uma boa quantidade de cobertura vegetal, além dos arborizados quintais das residências, cheios de árvores frutíferas típicas da região. Porém, a cidade perdeu boa parte dessa natureza nos últimos anos e, em especial na última década, o que faz com que os cuiabanos tenham que lidar com a escassez de arborização abaixo dos 12m² por habitante, estando abaixo do que é o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Centro de Vida (ICV), só nas últimas 3 décadas, Cuiabá perdeu cerca de 17% da sua arborização. O período mais crítico foi o que antecedeu a Copa do Mundo de 2014, evento em que a capital mato-grossense foi uma das sedes. Com as obras de mobilidade para o evento, pesquisadores estimam que a capital e a cidade vizinha, Várzea Grande, tenham perdido ao todo cerca de 3 mil árvores. Inúmeros pontos da cidade perderam a vegetação que contribuia para o conforto térmico da capital mato-grossense, um dos exemplos é a Avenida Historiador Rubens de Mendonça, local que perdeu boa parte de sua arborização para dar lugar ao que seriam os trilhos do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), porém o projeto nunca saiu do papel. Durante o planejamento das obras, existia a promessa de replantio, mas 10 anos após o início da retirada das árvores, Cuiabá ainda convive com a devastação oriunda das obras de infra estruturas inacabadas. Hoje, depois de anos sem a presença de árvores, o canteiro central voltou a ter alguns pontos verdes.


A presença de árvores nos perímetros urbanos é de extrema importância para o microclima e a sensação térmica, regulando a temperatura e reduzindo a sensação de calor ao fazer com que menos raios solares incidam sobre o asfalto e o concreto, como explica a professora do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Jaçanan Milani. “É importante pela qualidade de vida mesmo. Temos benefícios como controle do microclima local, conforto térmico, diversidade de espécies e presença da fauna, além do benefício social, do bem estar que as árvores proporcionam”, explica. Para garantir o conforto da população é necessário realizar o planejamento urbano no que se refere à arborização. Para a professora Jaçanan, esse planejamento é necessário para avaliar pontos sem vegetação na cidade, avaliar as espécies existentes e avaliar e traçar as estratégias para a arborização da cidade. Para ela, a arborização leva em consideração para além de questões ambientais, questões de saúde psicológica, conforto térmico, e questões econômicas. “Eu arrisco dizer que melhoraríamos até 60% da nossa qualidade de vida se tivéssemos uma cidade bem arborizada”, completa Milani. Cuiabá é uma cidade conhecida pelo forte calor que faz o ano todo. De acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a capital mato-grossense tem uma temperatura máxima de 33,4°C e 21,8°C de temperatura mínima, em média. Além disso, a cidade tem forte incidência solar, com mais de 2.200 horas de sol por ano, com maior tempo de luz solar nos meses de julho e agosto e com menos tempo de dezembro a fevereiro, meses com tempo maior de céu encoberto. E esse calor é vivenciado pelos próprios habitantes que buscam áreas preservadas no perímetro urbano para lidar com o calor cuiabano. É o caso do Parque Mãe Bonifácia, o mais arborizado da cidade e situado na região central. Foi lá que encontramos o Daniel Leão, que se mudou há alguns anos para Cuiabá e que vê nos parques uma alternativa para fugir do clima quente e seco, típico da capital. “A gente sabe que a preservação ambiental melhora muito a questão do clima, esse parque ameniza o calor porque é bem seco aqui em Cuiabá. A cidade até tem bastante parque, mas não é o suficiente”, destaca Daniel. Até mesmo turistas que passam pela capital de Mato Grosso buscam por ambientes arborizados na cidade para fugir do calor, como é o caso do rondoniense Leonardo Pinheiro, que estava no Parque Mãe Bonifácia. Ele acredita que somente a presença de áreas verdes, como parques nas cidades, não é o suficiente para amenizar o calor. “Além das iniciativas de parques, acho que o que deveria ser feito, mas está fora do nosso alcance, é cessar o desmatamento. Senão vai chegar a um ponto que não conseguiremos nem sair ao ar livre”, diz ele. Com essa situação, iniciativas públicas e populares surgiram para diminuir o problema ambiental na capital de Mato Grosso. Como método de aumentar o plantio e reflorestar áreas da cidade, mobilizações populares podem ser vistas nas várias regiões de Cuiabá, um exemplo dessas intervenções é o Projeto Cuiabá Mais Verde, iniciativa voluntária idealizada por Silvia Mara de Arruda. Com o objetivo de engajar a população a plantar mais árvores na cidade, a primeira ação do projeto aconteceu no dia 21 de setembro de 2020, dia da árvore, onde foram plantadas cinquenta mudas nos canteiros da Rodovia Emanuel Pinheiro. Para Silvia, o projeto foi em frente por causa da adesão da população para se voluntariar. “Tivemos apoio da população em geral, de amigos e sobretudo dos que se identificaram com a causa, principalmente os que tinham essa indignação [com a perda de arborização] e nunca tinham feito nada”, diz ela. Para a cuiabana o Cuiabá Mais Verde ainda enfrenta algumas dificuldades. “A falta de legislação, por isso a importância que seja feito o Plano Diretor de Arborização e a conscientização da população, desde os mais novos aos mais antigos”, enumera. “Como uma boa cuiabana sempre gostei de ver a cidade arborizada, e a gente viu que de uns anos pra cá perdemos muito dessa beleza da cidade”, conta Silvia. Outra iniciativa que surgiu foi o Projeto Verde Novo, idealizado pela equipe do Juizado Volante Ambiental de Cuiabá (JUVAM), do Poder Judiciário de Mato Grosso, com o objetivo de realizar plantio e manutenção de árvores na capital, mobilizando a população. Segundo Rosiani Carnaíba, engenheira florestal que faz parte da equipe, antes da escolha dos locais de plantio, primeiramente se visita o local pretendido para arborizar e encaminha-se para a prefeitura de Cuiabá para dar o parecer e ser autorizado o plantio no local. Rosiani comenta que a maioria da população das regiões beneficiadas apoia as ações. “A maioria apoia, pois logo identificam os benefícios que a arborização urbana traz para o local, como: diminuem os efeitos das ilhas de calor, oferecem sombra, evitam a erosão, absorvem a água da chuva , estocam carbono, filtram o ar, diminuem a poluição sonora, aumenta a biodiversidade, embelezam, diminuem o nível de stress das pessoas, entre outros”, conta ela. “Porém, algumas pessoas, uma minoria, não são a favor, pois acham que as folhas trazem ‘sujeira’ e se limitam a plantar por esse motivo”, finaliza. A Prefeitura de Cuiabá, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano Sustentável (SMADESS), lançou o Plano Diretor Municipal de Arborização. Segundo a Secretaria, o Plano vai mapear as reais condições fitossanitárias das áreas verdes, ruas e principais avenidas da Capital. O projeto-piloto já plantou 50 mudas no bairro Dom Aquino em abril e diversas mudas de ipê na avenida Miguel Sutil em outubro de 2022, realizando esses plantios de forma contínua com a meta de efetivar mais de mil mudas nos locais referidos, englobando ações do projeto-piloto. A Prefeitura ainda sofreu críticas de pesquisadores locais por ter fechado parceria com um instituto do Rio de Janeiro para os estudos para o plano. A SMADESS esclareceu à reportagem que o contrato emergencial firmado com a Uni versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), segue determinação legal que atende o Ministério Público do Estado (MP/MT) e envolve apenas as etapas iniciais. A SMADESS frisou que a UFMT será inserida no plano de manejo, contemplando os demais pontos da cidade. Foto: Skyscrapercity Foto: Giordano Tomaselli A Avenida Historiador Rubens de Mendonça (conhecida como Avenida do CPA) antes das obras da Copa e atualmente Foto: Giordano Tomaselli


Flag Football: uma alternativa ao futebol americano Além de causar menos lesões aos atletas, o flag é mais barato que o full pads em todos os aspectos Enquanto não estavam ocupados tentando sobreviver ou derrotar o inimigo, os soldados americanos na Segunda Guerra Mundial buscavam maneiras de saciar a vontade de praticar seu esporte nacional. A prática do futebol americano, mesmo que recreativo, era inviável devido ao alto risco de causar lesões que poderiam abater os soldados, e assim, a criatividade possibilitou que uma variante fosse criada. O flag football é um esporte mais acessível e menos agressivo que o futebol americano, e apesar de pouco conhecido, sua trajetória no Brasil é crescente desde meados do ano 2000. Eric Araujo, também conhecido como Zeus, tem 22 anos e pratica flag desde que entrou na faculdade, aos 17. “Eles começaram a jogar flag porque sempre tem alguém que olha assim e fala: tem uma galera com uma bola de futebol americano, seria legal se a gente tivesse um time. De repente, você vai pesquisando e aí descobre que existe o campeonato paulista, e dele você descobre que tem o campeonato nacional, e vê que a seleção brasileira no ano passado estava disputando o mundial em Israel”. Atualmente, Zeus é o ‘blitzer’ da equipe de flag do Vasco Almirantes, uma das posições de defesa do time. O que permite que grupos de amigos como o dele se juntem e consigam se tornar um time são as condições de formação facilitadas que o flag tem em relação ao futebol americano. “Em todos os conceitos do flag, ele é mais barato”, considera Zeus. O primeiro aspecto é o da quantidade de jogadores que formam uma equipe, que para o flag é de 5 até, no máximo, 15, e para o ‘full pads’, termo utilizado para se referir ao futebol americano, é de até 53. Questões financeiras também separam significativamente os dois esportes, dado que a necessidade de equipamentos de proteção para o full pads é muito maior. Todo o aparato para apenas um jogador costuma custar mais de dois mil reais, enquanto para praticar flag é necessário apenas a bandeira, que inclusive, dá nome ao jogo. Essa diferença existe por conta da relação que cada esporte tem com o contato. Matheus Henrique Cunha, ex jogador de futebol americano pelo Cuiabá Arsenal, conta que costumavam dizer até que o que praticavam não era um esporte de contato, mas de colisão. “No futebol americano, a intenção é o contato: para você parar a jogada, você tem que derrubar o amiguinho. Então, o contato é parte do esporte e é incentivado”, aponta Zeus. Já no flag, segundo as regras, o contato deve ser evitado. Segundo o médico do exercício e do esporte, Renan Amaral, o futebol americano é um esporte competitivo de impacto contínuo e, por isso, suas lesões são muito mais sérias. “Ano passado ou ano retrasado, teve um atleta que perdeu o movimento das pernas de maneira temporária. Não sei se ele conseguiu voltar a competir, mas ficou cerca de um ano em reabilitação. Isso tudo foi por conta de um trauma, de um contato direto com outro atleta”, compartilha o profissional. O risco imediato é de afastamento, mas a longo prazo existe também risco de vida. No filme ‘Um homem entre gigantes’, é possível acompanhar a história real da descoberta da doença chamada encefalopatia traumática crônica, que acomete atletas de futebol americano e acaba levando à morte. Uma das razões de sua ocorrência é o trauma craniano repetitivo, as diversas lesões na cabeça causam a degeneração progressiva de células cerebrais. “São pessoas com 50, 40 anos, adultos jovens que foram a óbito por conta da prática do futebol americano. Depois desse estudo, houve um protocolo de condução que foi levado muito mais a sério no esporte”, segundo Renan. Além disso, um último aspecto que torna o flag mais acessível é o fato de o campo ser menor. A diferença entre eles é de, mais ou menos, 50x28 jardas, o que corresponde aproximadamente a 45x25 metros. Quanto ao futuro em ambos os esportes, Matheus Henrique Cunha é incisivo ao dizer que é quase impossível alcançar a mais alta competição de futebol americano, o Super Bowl, pelo menos para atletas não americanos. Apenas dois brasileiros nascidos e criados aqui chegaram à NFL (National Football League). E, diga-se de passagem, existem ligas além dela mas nenhuma com a mesma qualidade, impacto e estrutura. Algo muito importante: nenhuma movimenta tanto dinheiro. O auge da competição de flag era o evento internacional chamado The World Games, em que competem esportes não olímpicos. Porém, desde que modalidades adicionais passaram a fazer parte das Olimpíadas, em 2020, o sonho dos atletas se expandiu. “O sonho de todo mundo é que o flag se torne um esporte olímpico por meio das cotas do país sede. Em 2028, pelas olimpíadas serem em Los Angeles e o futebol americano ser o esporte mais popular deles, a gente acredita que o flag tenha uma grande possibilidade de ser olímpico”, conta Zeus. Para participar dessa história que ainda está sendo construída, interessados e interessadas serão recebidos por uma comunidade acolhedora que tem como objetivo o crescimento do esporte, muito além da rivalidade. “Hoje qualquer um joga flag, qualquer um pode criar seu time. As pessoas têm se empenhado, especialmente aquelas que querem ver o flag crescer, demonstrar mais formas, e ensinar melhor, e disponibilizar conteúdo. As coisas vão sempre acontecendo para permitir que o esporte expanda”, afirma. Ainda segundo Zeus, até a rivalidade com o futebol americano diminuiu. “Antigamente, o flag era visto como porta de entrada para o full pads. Hoje em dia, as coisas estão mudando bastante. Têm vindo muita gente que jogava full pads e agora está vindo para o flag porque têm visto essas oportunidades com melhores olhos”, finaliza. Juliana Cargnelutti ESPORTE Foto: Redes sociais


(ANTIGO ZOOLÓGICO DA UFMT) PRECISA DA SUA AJUDA! O antigo Zoológico da UFMT abriga hoje cerca de 300 animais silvestres e estão sem recursos devido ao corte do Governo Federal. Nós da Fundação Uniselva também estamos arrecadando qualquer doação em dinheiro para comprar alimentos para eles. CEMPAS DA UFMT ANOTE OS DADOS BANCÁRIOS CONTA CORRENTE 822817 AGÊNCIA 86878 BANCO DO BRASIL 24


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