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Maria Helena Diniz - Compêndio de Introdução à Ciência do Direito - 20º Edição - Ano 2009

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Published by scheneidergabriela1, 2020-12-07 13:38:06

Maria Helena Diniz - Compêndio de Introdução à Ciência do Direito - 20º Edição - Ano 2009

Maria Helena Diniz - Compêndio de Introdução à Ciência do Direito - 20º Edição - Ano 2009

saraivajur.com.br

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ISBN 978-85-02-07650-1

340.12
D585c
20.ed.

INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DO DIREITO,
À FILOSOFIA DO DIREITO,

A SOCIOLOGIA JURÍDICA EÀ LÓGICA JURÍDICA
NORMA JURÍDICA E APLICAÇÃO DO DIREITO.







J Ü la /w fflè le n a /Q ) ü u &

Titular de Direito Civil da PUCSP. Professora de Filosofia do Direito,
de Teoria Geral do Direito e de Direito Civil Comparado e

Coordenadora da Subárea de Direito Civil Comparado nos Cursos de
Pós-Graduação em Direito da PUCSP.

A CI ÊNCI A DO D I RE I TO

INT R O D UÇ ÃO À TEORIA GERAL DO DIREITO,
À FILOSOFIA DO DIREITO,

À SOCIOLOGIA JURÍDICA EÀ LÓGICA JURÍDICA.
NO R MA JU R Í D I C A E APLICAÇÃO DO DIREITO.

20a edição
revista e atualizada

2009

E d ito ra
| P S a ra iv a

ISBN 9 7 8 -8 5 -0 2 -0 7 6 5 0 -1

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M a n a JHelena D im z. 20. ed. rev. e atu a l. - São P aulo :

S araiva, 2Ó09! , . ; - -

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Fone: PABX ( 1 1 ) 3 6 1 3 - 3 0 0 0 - São Poulo 9.610198 e punido pelo artigo 184 do C ódigo Penal.

A o Prof. Dr. G offredo d a S ilva Telles Jr.,
meu mestre de ontem , de hoje
e de sempre.



índice

Prefácio.................................................................................................... XV

Capítulo I
Natureza Epistemológica da Introdução

à Ciência do Direito

1. Introdução à ciência do direito e seu caráter propedêutico ou enci­ 3
clopédico ............................................................................................ 5

2. Introdução à ciência do direito eepistemologia ju ríd ic a ...............

Capítulo II 13
Ciência Jurídica
17
1. Noção preliminar de conhecimento e correlação entre sujeito cog- 17
noscente e objeto cognoscível........................................................ 22
22
2. Conhecimento cie n tífico ........... ........................................................ 27

A. Caracteres e conceito.................................................................. 35
B. Fundamentação filosófica............................................................
C. Classificação das ciências........................................................... 35
36
3. Caráter problemático do tema “ciência jurídica” ............................ 50

4. Concepções epistemológico-jurídicas relativas à cientificidade do 50
conhecimento ju ríd ic o ....................................................................... 57
57
A. Problema da cientificidade do saber jurídico como questão 58
epistemológico-jurídica................................................................ 59

B. Jusnaturalismo..............................................................................
C. Empirismo exegético.....................................................................

c.1. Concepções legalistas ou mecânicas da interpretação e
da aplicação do direito...................................................... .

c.2. Críticas contra o exegetismo..............................................
c.2.1. Considerações preliminares....................................
C.2.2. Utilitarismo de Jeremy Bentham..............................
c.2.3. Teleologismo de Rudolf von lhering........................

X Compêndio de introdução à ciência do direito

c.2.4. Experiência prática de Oliver Wendell Holmes...... 61
c.2.5. Livre investigação científica de François Geny..... 62
c.2.6. Ofensiva sociologista de Eugen Ehrlich................. 66
c.2.7. Escola do direito livre............................................... 67
c.2.8. Jurisprudência de interesses................................... 68
c.2.9. Jurisprudência sociológica norte-americana......... 69
c.2.10. Lógica experimental de John Dewey.................... 73
c.2.11. Teoria interpretativa de Joaquín Dualde.............. 74
c.2.12. Realismo jurídico norte-americano e escandinavo 75
c.2.13. Teoria de Herbert L. A. H art........................... ....... 88
c.2.14. Teoria geral da interpretação de Emilio Betti....... 91
c.2.15. Concepção raciovitalista do direito....................... 92

D. Historicismo casuístico................................................................. 97
E. Positivismo sociológico e positivismo jurídico.......................... 102
F. Racionalismo dogmático ou normativismo jurídico de Hans
116
Kelsen............................................................................................. 131
G. Culturalismo jurídico.................................................................... 131
133
g.1. Concepção culturalista do direito........................................ 134
g.2. Teoria de Emil L a s k .............................................................. 141
g.3. Egologismo existencial de Carlos Cossio.........................
g.4. Tridimensionalismo jurídico de Miguel Reale.................... 165

5. Ciência do direito e lin gu ag em ........................................................ 165
169
A. Moderna teoria da linguagem..................................................... 169
B. Semiótica e ciência do direito..................................................... 170
170
b.1. Relações entre ciência jurídica e linguagem.................... 172
b.2. Direito, ciência do direito e linguagem............................... 182
183
b.2.1. Linguagem legal........................................................ 187
b.2.2. Dimensão pragmática da norma jurídica...............
b.2.3. Linguagem do jurista................................................ 195
b.2.4. Discurso da ciência jurídica sob o ângulo pragmático
b.2.5. Metalinguagem e os textos da ciência do direito... 195
199
6. Funções da ciência ju ríd ic a .............................................................. 204
205
A. Ciência do direito e decidibilidade..............................................
B. Função sistemática da ciência jurídica..................................... 212
C. Função hermenêutica da ciência do direito ..............................
D. Função decisória da ciência jurídica.......................................... 217

7. Ciência do direito e ideologia............................................................ 217
218
8. Ciência jurídica e ciências afins.......................................................

A. Ciência jurídica como ciência social..........................................
B. Ciência do direito............................................................ .............

índice XI

C. Teoria geral do direito................................................................... 220
D. Lógica jurídica e juscibernética................................................... 220
E. Ciência comparada do direito.................................................... 225
F. Psicologia forense.......................................................................... 226
G. Sociologia jurídica.......................................... .............................. 227
H. História do direito.......................................................................... 230
I. Política jurídica............................................................................... 231

9. Concepção ontológicada ciência do d ire ito .................................... 234

Capítulo III
Conceitos Jurídicos Fundamentais

1. Direito p o s itiv o .................................................................................... 241

Â. Noção de direito............................................................................ 241
B. Direito objetivo e direito subjetivo............................................... 246
C. Direito público e direito privado................................................... 251
251
c.1. Fundamentos dessa divisão............................................... 256
0.2. Divisão geral do direito positivo.......................................... 258
c.3. Ramos do direito público..................................................... 258
258
c.3.1. Direito público interno................................................ 261
c.3.1.1. Direito constitucional.................................. 261
c.3.1.2. Direito administrativo.................................. 262
c.3.1.3. Direito tributário e financeiro..................... 263
c.3.1.4. Direito processual........................................ 264
c.3.1.5. Direito penal................................................. 264
c.3.1.6. Direito previdenciário.................................. 264
266
c.3.2. Direito público externo.............................................. 267
c.3.2.1. Direito internacional público...................... 267
c.3.2.2. Direito internacional privado...................... 273
275
c.4. Ramos do direito privado..................................................... 276
c.4.1. Direito civil..................................................................
c.4.2. Direito comercial ou empresarial............................. 283
c.4.3. Direito do trabalho.....................................................
c.4.4. Direito do consumidor.............................................. 283
286
2. Fontes ju ríd ic a s .................................................................................. 288
288
Â. Noção e classificação das fontes do direito..............................
B. Fontes materiais ....................................................................... 288
C. Fontes formais estatais................................................................

c.1. Legislação como fonte do direito........................................
c.1.1. Importância da legislação como fonte jurídica
fo rm a l..........................................................................

XII Compêndio de introdução à ciência do direito

c.1.2. Lei como resultado da atividade legislativa........... 289
c.1.3. Processo legislativo como fonte legal..................... 294
c.2. Produção jurisprudencial..................................................... 296
c.2.1. Conceito de jurisprudência...................................... 296
c.2.2. Influência da jurisprudência comofonte do direito 300
c.2.3. Poder normativo do ju iz ............................................ 309

D. Fontes formais não estatais........................................................ 312
d. 1. Prática consuetudínária.................................................... 312
d.1.1. Costume como fonte jurídica subsidiária.............. 312
d.1.2. Natureza jurídica do costum e................................. 313
d.1.3. Conceito e elementos do costume......................... 316
d.1.4. Espécies de costume............................................... 319
d.2. Atividade científico-jurídica................................................. 323
d.2.1. Origem da doutrina.................................................. 323
d.2.2. Conceito de doutrina jurídica.................................. 324
d.2.3. Doutrina como fonte de direito................................ 325
d.2.4. Influência da doutrina na legislação e na decisão
judicial......................................................................... 328
d.3. Poder negociai....................................................................... 334
d.4. Poder normativo dos grupos sociais.................................. 336

3. Norma ju ríd ic a .................................................................................... 341
341
A. Gênese da norma jurídica............................................................ 351
B. Realidade ôntica da norma jurídica............................................ 355
C. Conceito essencial da norma de direito.................................... 355
360
c.1. Problema da determinação do conceito danorma jurídica 362
c.2. Conceito como objeto ideal.................................................
c.3. Elementos essenciais da norma jurídica.... t.................... 362

c.3.1. Imperatividade como essência genérica da norma 378
de direito.................................................................... 386
387
c.3.2. Autorizamento como essência específica da norma 390
ju r íd ic a ........................................................................ 398
398
c.4. Conceito de norma jurídica................................................. 398
398
D. Distinção entre norma moral e jurídica.....................................
E. Classificação das normas jurídicas......................... .................. 400
F. Validade da norma jurídica.......................................................... 407

f.1. Aspectos essenciais da validade.........................................
f.2. Validade formal ou vigência.................................................

f.2.1. Conceito e requisitos da vigência da norm a..........
f.2.2. Âmbito temporal, espacial, material e pessoal de

validade.................................. ..................................'..
f.3. Validade fática ou eficácia....................................................

índice XIII

f.4. Validade ética ou fundamento axiológico........................... 408
f .4.1. Justiça como fundamento da norma jurídica.......... 408
f.4.2. Conceito e modalidades de justiça.......................... 411

4. Aplicação do d ire ito ........................................................................... 422

Â. Problemática da aplicação jurídica............................................ 422
B. Interpretação das normas e subsunção.................................... 430
430
b.1. Conceito, funções e caráter necessário da interpretação
b.2. Questão da vontade da lei ou do legislador como critério 433
438
hermenêutico......................................................................... 443
b.3. Técnicas interpretativas.......................................................
b.4. Efeitos do ato interpretativo................................................ 445
445
C. Integração e o problema das lacunas no direito....................... 446
c.1. Localização sistemática do problema das lacunas jurídicas 446
c.2. Questão da existência das lacunas................................... 447
c.2.1. Considerações gerais............................................... 452
c.2.2. Lacuna como problema inerente ao sistema jurídico 457
c.2.3. Lacuna como problema de jurisdição..................... 460
c.2.4. Aporia das lacunas.................................................... 460
c.3. Constatação e preenchimento das lacunas...................... 461
c.3.1. Identificação da lacuna............................................. 461
c.3.2. Meios supletivos das lacunas.................................. 470
c.3.2.1. Analogia....................................................... 471
c.3.2.2. Costume....................................................... 478
c.3.2.3. Princípios gerais de direito........................
c.3.2.4. Eqüidade...................................................... 484
484
D. Correção do direito e antinomia jurídica ................................... 485
d.1. Noção de antinomia jurídica............................................... 487
d.2. Classificação das antinomias.............................................
d.3. Critérios para solução das antinomias............................... 490
d.4. Antinomias de segundo grau e os metacritérios para sua 491
resolução ............................................................................... 493
d.5. Incompletude dos meios de solução das antinomias jurídicas 498
501
E. Tópica como forma de argumentação do aplicador do direito
F. Papel da ideologia na aplicação jurídica.................................... 515
Q. Limites do ato de decisão judicial..............................................
515
5. Relação ju ríd ica .................................................................................. 517
517
Â. Conceito e elementos.................................................................. 520
B. Sujeito de direito.........................................................................

b.1. Personalidade.................... ...................................................
b.2. Pessoa natural.......................................................................

XIV Compêndio de introdução à ciência do direito

b.3. Pessoa jurídica..................................................................... 525
C. Objeto imediato e mediato.......................................................... 533
D. Fato jurídico.................................................................................. 538
E. Proteção jurídica........................................................................... 540

B ib lio g ra fia ............................................................................................... 551

Prefácio

Neste livro não pesquisamos o direito, mas a própria ciência que se ocupa
dos fenômenos jurídicos, ou seja, a ciência jurídica, porque a introdução à
ciência do direito pretende dar aos que se iniciam no estudo do direito não só
uma visão panorâmica e sintética das principais fundamentações doutrinárias
da ciência jurídica, sem repudiar qualquer delas, mas também delimitar os con­
ceitos básicos da elaboração científica do direito.

Procuramos oferecer, de modo simples e objetivo, a base informativa ne­
cessária aos estudantes do direito, para que eles, compreendendo como se cons­
titui e se caracteriza o conhecim ento do jurista, possam iniciar uma viagem nos
domínios da ciência jurídica e adotar uma atitude analítica e crítica diante das
questões de direito.

E mister deixar bem claro que este ensaio está longe de ser um tratado
completo da ciência jurídica, pois não tem a pretensão de esgotar todas as ques­
tões relativas ao conhecimento jurídico-científico. Trata-se de uma obra com
cunho didático, por isso colocamos ao final de cada ponto um quadro sinótico,
para proporcionar uma visão global da matéria ministrada. As referências bi­
bliográficas auxiliarão os estudiosos na busca de leituras complementares mais
profundas e ricas em investigações científico-jurídicas.

Ante o grande número de concepções epistemológico-jurídicas que pre­
tendem explicar a ciência do direito, cada qual sob um prisma diverso, conclu­
ímos que não se deve aceitar rótulo doutrinário que a circunscreva dentro de
certo sectarismo, uma vez que o jurista contemporâneo tem necessidade de
acolher todas as contribuições teóricas, para nelas identificar as diretrizes co­
muns e essenciais, mediante um trabalho de reflexão e comparação, pois todas
as concepções surgidas na história da ciência jurídica, por mais hostis que se­
jam, trazem sua parcela para o patrimônio geral do conhecimento científico-
jurídico.

Evitamos o monopólio de uma teoria, visto que os problemas epistemológicos
não mais se resolvem por uma especulação abstrata ou por um mergulho no pensa­
mento puro, por ser impossível compreender, em todo o seu alcance científico-
filosófico, a ciência do direito sem o recurso a todas as noções fundamentais conti­

XVI Compêndio de introdução à ciência do direito

das nas teorias clássicas e modernas. Todavia, reconhecendo que há pontos discutí­
veis e opiniões prováveis, confessamos que certas posições tomadas pelo nosso
espírito advieram de princípios filosóficos assentados como base, por nos parece­
rem mais expressivos para configurarem a ciência do direito e os conceitos jurí­
dicos fundamentais.

Maria Helena Diniz

CAPÍTULO I

Natureza epistemológica da
introdução à ciência do direito



1. INTRODUÇÃO A CIÊNCIA DO DIREITO E SEU
CARÁTER PROPEDÊUTICO OU ENCICLOPÉDICO

A introdução à ciência do direito é uma matéria, ou um sistema de co­
nhecimentos, que tem por escopo fornecer uma noção global ou panorâmica
da ciência que trata do fenômeno jurídico, propiciando uma compreensão de
conceitos jurídicos comuns a todas as disciplinas do currículo do curso de
direito e introduzindo o estudante e o jurista na terminologia técnico-jurídica.
É, por isso, uma enciclopédia, por conter, além dos conhecimentos filosóficos,
os conhecimentos de ordem científica — sem, contudo, resumir os diversos
ramos ou especializações do direito — e por abranger, não só os aspectos
jurídicos, mas também os sociológicos e históricos.

Trata-se de uma disciplina essencialmente preparatória ou propedêutica
ao ensino dos vários ramos jurídicos, devido às noções básicas e gerais que
visa transmitir, constituindo uma ponte entre o curso médio e o superior. Po­
der-se-ia trazer à colação, para justificar essa matéria no curso de direito, as
sábias palavras de Victor Cousin, ao pleitear, em 1814, a sua criação, em França,
transcritas por Lucien Brun: “Quando os jovens estudantes se apresentam em
nossas escolas, a jurisprudência é para eles um país novo do qual ignoram
completamente o mapa e a língua. Dedicam-se de início ao estudo do direito
civil e ao do direito romano, sem bem conhecer o lugar dessa parte do direito
no conjunto da ciência jurídica, e chega o momento em que, ou se desgostam
da aridez desse estudo especial, ou contraem o hábito dos detalhes e a antipa­
tia pelas vistas gerais. Um tal método de ensino é bem pouco favorável a
estudos amplos e profundos. Desde muito tempo os bons espíritos reclamam
um curso preliminar que tenha por objeto orientar de algum modo os jovens
estudantes no labirinto da jurisprudência; que dê uma vista geral de todas as
partes da ciência jurídica, assinale o objeto distinto e especial de cada uma
delas e, ao mesmo tempo, sua recíproca dependência e o laço íntimo que as
une; um curso que estabeleça o método^geral a seguir no estudo do direito,
com as modificações particulares que cada ramo reclama; um curso, enfim,
que faça conhecer as obras importantes que marcaram o progresso da ciência.

4 Compêndio de introdução à ciência do direito

Um tal curso reabilitaria a ciência do direito para a juventude, pelo caráter de
unidade que lhe imprimiria, e exerceria uma influência feliz sobre o trabalho
dos alunos e seu desenvolvimento intelectual e moral”.

A introdução à ciência do direito não consiste apenas no conjunto de
noções propedêuticas necessárias para que o estudante possa embrenhar-se,
com proveito, na selva emaranhada dos estudos jurídicos, nem no instrumento
que há de guiar o principiante no áspero caminho que começa a transitar, por
ser também o saber que expõe as linhas fundamentais da ciência jurídica.

Comparada a um mapa que guia o viajante recém-chegado pela imensidão
do continente jurídico, a introdução à ciência do direito responde, obviamen­
te, à necessidade de uma disciplina com caráter enciclopédico ou geral no
curso jurídico.

Tal matéria já foi rotulada como: introdução ao direito, introdução às
ciências jurídicas, enciclopédia jurídica, introdução geral ao direito, introdu­
ção enciclopédica ao direito, introdução ao direito e às ciências sociais, intro­
dução às ciências jurídicas e sociais, prolegômenos do direito, teoria geral do
direito etc. No Brasil, essa disciplina tornou-se obrigatória nos cursos jurídi­
cos pelo Decreto n. 19.852/31, com a denominação introdução à ciência do
direito. Com a aprovação da R esolução n. 3, de 25 de fevereiro de 1972, pelo
Conselho Federal de Educação, a tradicional denominação introdução à ciên­
cia do direito, que era oficial desde 1931, foi substituída por introdução ao
estudo do direito, incluída entre as matérias básicas como pré-requisito de
todas as disciplinas profissionais. Atualm ente, pela Portaria n. 1.886/94, art.
62,1, do M inistério da Educação e do Desporto, tal disciplina recebe a designa­
ção de Introdução ao Direito. Contudo, preferim os a designação introdução à.
ciência do direito, pelo seu rigor técnico, inquestionável^1.

1. Luiz Fernando Coelho, Teoria cia ciência do direito, São Paulo, Saraiva, 1974, p. 1; Francis­
co Uchoa de Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa. Introdução ao estudo do direito, São Paulo,
Saraiva, 1982, p. 36-8; Paulo Nader, Introdução ao estudo do direito, Rio de Janeiro, Forense, 2004;
J. M. Leoni Lopes de Oliveira, Introdução ao direito. Ed. Lumen Juris, 2004; A. M achado Pauperio,
Introdução ao estudo do direito, Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 13, 15 e 16; Daniel Coelho de
Souza, Introdução à ciência do direito, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 1983, p. V, IX e X; A. L. Machado
Neto, Teoria da ciência jurídica, São Paulo, Saraiva, 1975, p. 2 e 9; Compêndio de introdução ci
ciência do direito, 5. ed., São Paulo, Saraiva, 1984, p. 3; Djacir M enezes, Introdução à ciência do
direito, 4. ed., Rio de Janeiro, 1964, p. 283; Abelardo Torré, Introducción al derecho, 6. ed., Abeledo-
Perrot, Buenos Aires, p. 84 e s.; Arturo Orgaz, Lecciünes de introducción al derecho y a las ciências
sociales, Córdoba, 1945, p. 8; Rui Ribeiro de Magalhães, introdução ao estudo do direito, São Paulo,
Juarez de Oliveira, 2003; Luiz Carlos Branco, Manual de introdução ao direito, Millennium, 2003.
Sílvio de Salvo Venosa, Introdução ao estudo do direito, São Paulo, Atlas, 2004. No texto de Lucien
Brun o termo Jurisprudência está Sendo empregado com o sinônimo de ciência jurídica.

2. INTRODUÇÃO A CIÊNCIA DO DIREITO E
EPISTEMOLOGIA JURÍDICA

A introdução à ciência do direito2não é uma ciência, mas uma enciclopé­
dia, visto que contém conhecimentos científicos (jurídicos, sociológicos e, às
vezes, históricos), filosóficos, introdutórios ao estudo da ciência jurídica.

A introdução à ciência do direito não possui um prisma próprio para con­
templar o direito, fazendo as vezes de filosofia jurídica, quando procura expor os
conceitos universais do direito, que constituem os pressupostos necessários de

2. Numerosas são as obras sobre tal disciplina, dentre elas destacam-se as de: Paulo Dourado de
Gusmão, Introdução à ciência do direito, Rio de Janeiro, Forense, 1959; A. L. Machado Neto, Compêndio,
cit.; J. Flóscolo da Nóbrega, introdução cio direito, 3. ed., Rio de Janeiro, Konfino, 1965; Luiz Fernando
Coelho, Teoria, cit.; Francisco Uchoa de Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Introdução, cit., p. 26 e
27; A. Machado Pauperio, Introdução, cit.; Daniel Coelho de Souza, Introdução, cit.; André Franco Montoro,
Introdução ci ciência do direito, 3. ed., São Paulo, Livr. Martins Ed., 1972, v. 1 e 2; François Rigaux,
Intmdiiction à la science du droit, Bruxelles, Ed. Vie Ouvrière, 1974; Wilson de Souza Campos Batalha,
Introdução ao direito, São Paulo, Revista dos Tribunais, i 967; Djacir Menezes, Introdução, cit.; A. B.
Alves da Silva, Introdução à ciência do direito, São Paulo, Ed. Salesianas, 1940; Julien Bonnecase,
Introduction à 1'étude du droit, Paris, Sirey, 1931; Carlos Mouchet e Ricardo Zoixaquín Becu, Introducción
ed derecho, 7. ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1970; Legaz y Lacambra, Introducción a la ciência del
derecho, Barcelona, Bosch, 1943; Alessandro Groppali, Avviamento alio studio del diritto, Milano, Giuffrè,
1951; Eduardo Garcia Máynez, Introducción a! estúdio del derecho, México, Porrúa, 1972; Gaston May,
Introduction à Ia science du droit, Paris, Ed. M. Giard, 1932; J. Haesaeit, Théorie générale du droit, Emile
Bruylant, Bmxelles, 1948; Aftalión, Garcia Olano e J. Vilanova, Introducción al derecho, 5. ed., Buenos
Aires. El Ateneo, 1956, 2 v.; Miguel Reale, Lições preliminares de direito. São Paulo. Saraiva, 1976;
Hermes Lima, Introdução à ciência do direito. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1970; Vicente Ráo, O direito
e a vida dos direitos, São Paulo, Max Limonad, 1952; Benjamin de Oliveira Filho, Introdução à ciência do
direito, Tip, Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1954; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao estudo do
direito, São Paulo, Atlas, 1988; Wilson José Gonçalves, Lições de introdução ao estudo do clireito, Campo
Grande, UCDB, 2000, v. 1 e 2; José Fábio Rodrigues Maciel, Teoria geral do direito, São Paulo, Saraiva.
2004; Jean-Louis Bergel, Teoria gerai cio direito, São Paulo, Martins Fontes, s/d; Jacy de Souza Mendonça,
Introdução ao estudo do direito, São Paulo, Saraiva, 2002; Luiz Carlos Branco, Manual de introdução ao
direito, São Paulo, Millennium, 2003; Dimitri Dimoulís, Manual de introdução ao estudo do direito, São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2003; Goffredo Telles Jr., Iniciação na ciência do direito, São Paulo, Saraiva,
2001, e Estudos, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2005; Luís A. Warat, Introdução geral do direito, Porto
Alegre, Fabris, 1997, v. I, II e III; Luiz Fernando Coelho, Aulas de introdução ao direito, Barueri, Manole,
2004; Sílvio de Salvo Venosa, Introdução ao estudo do direito, São Paulo, Atlas, 2004; Ricardo R. Gama,
Curso de Introdução ao Direito, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2006.

6 Compêndio de introdução à ciência do direito

quaisquer fenômenos jurídicos; de dogmática jurídica, quando discute normas
vigentes em certo tempo e lugar e aborda os problemas da aplicação jurídica; de
sociologia jurídica, quando analisa os fatos sociais que exercem influência na
seara jurídica, por intervirem na gênese e desenvolvimento do direito; de história
jurídica, quando contempla o direito em sua dimensão temporal, considerando-
o como um dado histórico-evolutivo que se desenrola através dos tempos. Falta-
lhe, portanto, unidade de objeto, ou seja, um campo autônomo e próprio de pes­
quisa. Não é uma ciência, por não ter objeto próprio, mas, apesar disso, é uma
disciplina epistemológica, como nos ensina A. L. Machado Neto, porque:

a) Responde às seguintes questões: O que é a ciência do direito? Qual o
seu objeto específico? Qual o seu método? A que tipo de ciência pertence?
Como se constitui e caracteriza o conhecimento do jurista?

Essas interrogações existem, surgem a cada momento na vida do cientis­
ta do direito, pois concernem a um dos problemas jusfilosóficos fundamentais,
tornando necessário procurar-lhes, senão uma resposta definitiva, pelo menos
um esclarecimento à altura de sua importância para o mundo jurídico.

Compete à filosofia do direito solucionar o problema do conhecimento
jurídico, na sua parte especial designada epistemologia jurídica, que, no senti­
do estrito, tem a incumbência de estudar os pressupostos, os caracteres do
objeto, o método do saber científico e de verificar suas relações e princípios.
Nesse sentido a epistemologia jurídica é a teoria da ciência jurídica, tendo
por objetivo investigar a estrutura da ciência, ou seja, visa o estudo dos proble­
mas do objeto e método da ciência do direito, sua posição no quadro das ciên­
cias e suas relações com as ciências afins. A epistemologia é considerada, em
sentido amplo, como sinônimo de gnoseologia, parte integrante da filosofia
que estuda crítica e reflexivamente a origem, a natureza, o alcance, os limites e
o valor da faculdade humana de conhecimento e os critérios que condicionam
a sua validade e possibilidade. E a teoria do conhecimento em geral e não
apenas do saber científico; é a teoria do conhecim ento jurídico em todas as
suas modalidades: conceitos jurídicos, proposições, raciocínio jurídico etc.
Depreende-se daqui que a epistemologia difere da teoria do conhecimento ou
gnoseologia, visto que estuda o conhecimento na diversidade das ciências e
dos objetos, enquanto aquela o considera na unidade do espírito. Logo, a
epistemologia jurídica é a teoria da ciência do direito, um estudo sistemático
dos pressupostos, objeto, método, natureza e validade do conhecimento jurídi-
co-científico, verificando suas relações com as demais ciências, ou seja, sua
situação no quadro geral do conhecim ento3.

3. O vocábulo epistemologia advém do grego epistéme que significa ciência e logos, ou seja,
estudo; e o term o gnoseologia é oriundo do grego gnosis que indica conhecim ento. V. A. Franco
Montoro, Introdução, cit., v. 1, p. 130; A. L. Machado Neto, Teoria da ciência jurídica, cit., p. 4;

Natureza epistemológica da introdução à ciência do direito 7

Ante o exposto, fácil é concluir que a introdução à ciência do direito é
uma epistemologia jurídica, já que alude não ao direito, mas à ciência que
trata dos fenômenos jurídicos, de maneira a responder à questão sobre o que é
a ciência jurídica como uma introdução, a fim de que o estudante não a con-
funda com direito, que é seu objeto, o que levaria a uma inversão de conceitos,
comprometendo o nível teórico dos juristas.

O autor de uma obra sobre “introdução à ciência do direito” deve dar,
pelo menos, uma idéia do que seja a ciência jurídica, deixando claro que não
está tratando do direito, que é tarefa do jurista. O professor de introdução à
ciência do direito, situando-se na categoria intelectual de quase jusfilósofo,
ocupa-se, no dizende Ortega y Gasset, com algo que tem que ver com o direito,
mas que não se identifica com ele.

Quem trata do direito está elaborando ciência jurídica, mas quem se ocu­
pa com a ciência do direito está fazendo epistemologia. Daí o nítido teor
epistemológico da introdução à ciência do direito, que busca apresentar,
esquematicamente, os vários problemas ou questões que se apresentam à ciên­
cia jurídica.

b) Define e delimita, com precisão, os conceitos jurídicos fundamentais
que serão utilizados pelo jurista para a elaboração da ciência jurídica. Tais
conceitos básicos abrangem os de relação jurídica, fonte jurídica, direito obje­
tivo e subjetivo, direito público e privado, fato jurídico, sanção e interpretação,
integração, aplicação da norma no tempo e no espaço etc. Sem a determinação
desses conceitos, o jurista não poderá realizar sua tarefa intelectual. Este estu­
do, que é objeto da teoria geral do direito, segundo muitos autores, por ser
considerado o centro vital da introdução à ciência do direito, possui, indiscuti­
velmente, caráter epistemológico, por ser um conhecimento de natureza filo­
sófica.

c) Apresenta, sistematicamente, a evolução das escolas científico-jurídi-
cas que predominaram na história, para familiarizar o estudante com as cor­
rentes fundam entais do pensam ento jurídico4.

Miguel Reale, Filosofia do direito, 5. ed., São Paulo, Saraiva, v. 1, p. 40 e 160; Johannes Hessen,
Teoria del conocimiento, Buenos Aires, Losada, p. 21; André Lalande, Epistémologie e gnoséologie,
in Vocabulaire téchnique et critique de la philosophie, 4. ed., Paris, PUF, 1968, v. 2; A. Xavier Teles,
Introdução ao estudo da filosofia, Atica, 1965, p. 55; Victor F. Lenzen, Philosophy of science, in
Twentieth Century philosophy, New York, Ed. Runes, 1943, p. 109.

4. A. L. Machado Neto, Teoria da ciência jurídica, cit., p. 2-10; e Compêndio, cit., p. 3-9;
Miguel Reale, Lições preliminares, cit., p. 11; M. Helena Diniz, A ciência jurídica, Prefácio, 2. ed.,
São Paulo, Resenha Universitária, 1982, p. 11 e 12, nota 30; A. B. Alves da Silva, Introdução, cit., p.
2; Luiz Fernando Coelho, Teoria, cit., p. 6-12; Ortega y Gasset, Apuntes sobre el pensamiento, su
teurgia y su demiurgia, in Obras completas, 2. ed., Madrid, Revista de Occidente, 1951, v. 5, p. 525;
Carlos M ouchet e Ricardo Zorraquín Becu, Introducción, cit., p. 83.

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QUADRO SINÓTICO
NATUREZA EPISTEMOLÓGICA DA INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DO DIREITO

1. CONCEITO DE A introdução à ciência do direito é uma matéria que visa fornecer uma noção global da ciên­
INTRODUÇÃO À cia que trata do fenômeno jurídico, propiciando uma compreensão de conceitos jurídicos
CIÊNCIA DO DIREITO comuns a todos os ramos do direito e introduzindo 0 estudante e 0 jurista na terminologia
técnico-jurídica.
2. CARÁTER
PROPEDÊUTICO DA É uma enciclopédia, por conter conhecimentos científicos, abrangendo, além dos aspectos
INTRODUÇÃO À jurídicos, por vezes, até, os sociológicos e históricos, filosóficos, introdutórios ao estudo da
CIÊNCIA DO DSREITO ciência jurídica. É uma matéria essencialmente propedêutica ao ensino dos vários ramos
jurídicos, constituindo uma ponte entre 0 curso médio e 0 superior.
3. CARÁTER
EPISTEMOLÓGICO A introdução à ciência do direito não é ciência, por faltar-lhe unidade de objeto, mas é uma
DA INTRODUÇÃO À disciplina epistemológica por:
CIÊNCIA DO DIREITO a) dar uma visão sintética da ciência jurídica;
b) definir e delimitar, com precisão, os conceitos jurídicos fundamentais, que serão utilizados

pelo jurista na elaboração da ciência jurídica;
c) apresentar, de modo sintético, as escolas científico-jurídicas.



CAPÍTULO II

Ciência jurídica



1. NOÇÃO PRELIMINAR DE CONHECIMENTO E
CORRELAÇÃO ENTRE SUJEITO COGNOSCENTE
E OBJETO COGNOSCÍYEL

Este item é imprescindível para a compreensão cabal deste ensaio, pois,
para entendermos a ciência jurídica, é mister que esbocemos, sucintamente,
algumas noções fundamentais sobre o conhecimento, visto que ciência é co­
nhecimento.

Importa nessa ordem preliminar de considerações levantar a seguinte ques­
tão: o que é conhecimento?

Conhecer é trazer para o sujeito algo que se põe como objeto. “E a
operação im anente pela qual um sujeito pensante se representa um obje­
to” 1. C onsiste em levar para a co n sciên cia do sujeito cognoscente algo que
está fora dele. E o ato de pensar um objeto, ou seja, de torná-lo presente à
in telig ên cia2. O conhecim ento é a apreensão intelectual do objeto. E, na
m agistral lição de Goffredo Telles Jr., o renascim ento do objeto conhecido,
em novas condições de existência, dentro do sujeito conhecedor3. A presen­
ta-se, portanto, o conhecim ento com o uma transferência das propriedades
do objeto para o sujeito pensante. Esse renascim ento vai alterar de uma

1. Goffredo Telles Jr., Tratado da conseqüência, 2. ed., Bushatsky, 1962, p. 7; Palavras do
amigo aos estudantes de direito, São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2003, p. 97-130.

2. Goffredo Telles Jr., Tratado, cit., p. 7 e 8; Miguel Reale, Filosofia do direito, 5. ed., Saraiva, v.
1, p. 48. O sujeito é aquele que conhece. O termo objeto advém do latim ob e jectum — aquilo que se põe
diante de nós. “Objeto” é tudo aquilo de que se pode dizer alguma coisa. Ou, como dizem Romero e
Pucciarelli (Lógica, Buenos Aires, 1948, p. 16, § 2°): “Do ponto de vista formal, denomina-se objeto
tudo o que é capaz de admitir um predicado qualquer, tudo o que pode ser sujeito de um juízo. É, pois,
a noção mais geral possível, já que não importa que o mencionado objeto exista ou não: basta que dele
se possa pensar e dizer algo”. Sobre conhecimento, consulte Francisco Uchoa de Albuquerque e Fernanda
Maria Uchoa, Introdução ao estudo do direito, São Paulo, Saraiva, 1982, p. 1 e 2.

3. Goffredo Telles Jr., Tratado, cit., p. 7 e 8. Conhecimento para esse autor é “a tradução cerebral
de um objeto”. Salienta esse mestre que o vocábulo “conhecimento” decorre de “cognasri”, significan­
do “conascimentó'’ (v. O direito quântico, 5. ed., São Paulo, Max Limonad, 1980, p. 204 e 189 e s.).

14 Compêndio de introdução à ciência do direito

certa maneira o sujeito cognoscente, porque a coisa conhecida será sua
parte integ ran te4.

Sendo o conhecimento a representação do objeto dentro do sujeito
cognoscente, torna-se fácil evidenciar os liames que se estabelecem entre os
dois elem entos inseparáveis do binôm io sujeito e objeto5.

No conhecimento encontram-se frente a frente a consciência cognoscente
e o objeto conhecido. A dualidade de sujeito e objeto é uma relação dupla, ou
melhor, é uma correlação em que o sujeito é sujeito para o objeto e o objeto é
objeto para o sujeito, de modo que não se pode pensar um sem o outro. O
sujeito cognoscente tende para o objeto cognoscível. Esta tendência é a
intencionâlidade do conhecim ento, que consiste em sair de si, para o objeto, a
fim de captá-lo mediante um pensamento; o sujeito produz um pensamento do
objeto. O ato cognoscitivo refere-se a algo heterogêneo a si ou diferente de si.
Todo pensamento é apreensão de um objeto; pensar é dirigir a atenção da men­
te para algo. O objeto, por sua vez, produzirá uma modificação no sujeito
conhecedor que é o pensamento. Este, visto do sujeito, nada mais é senão a
m odificação que o sujeito produziu em si mesmo para apossar-se do objeto;
visto do objeto é, como já dissemos, a modificação que o objeto, ao entrar no
sujeito, produziu no seu pensam ento6.

Assim sendo, aquilo que o “eu” é, quando se torna sujeito cognoscente, o
é em relação ao objeto que conhece. A função do sujeito consiste em apreen­
der o objeto e esta apreensão apresenta-se como uma saída do sujeito de sua
própria esfera, invadindo a do objeto e captando as suas propriedades. O obje­
to captado conserva-se heterogêneo em relação ao sujeito, por ser transcen­
dente, pois existe em si, tendo suas propriedades, que não são aumentadas,
diminuídas ou modificadas pela atividade do sujeito que o quer conhecer. Mas,
na relação cognoscitiva, segundo os moldes kantianos, não é um “ser em si”,

4. Goffredo Telles Jr., O direito quântico, cit., p. 204. Oportuno é lembrar a esse respeito o
ensinam ento kantiano, segundo o qual com o conhecim ento do sujeito transferem -se ao objeto as
estruturas próprias do pensamento do conhecedor e se reduz o ser, que é o simples termo do “eu” que
conhece. O objeto não é mais do que um produto do sujeito, de sorte que a realidade fica aprisionada
às condições em que funcionou o pensamento. V. Manuel G. Morente, Fundamentos de filosofia —
lições prelim inares, trad. Guillermo de la Cruz Coronado, 4. ed., São Paulo, M estre Jou, 1970, p. 125.

5. Jaspers, Introdução ao pensam ento filosófico, Cultrix, p. 36; Joseph Maréchal, O ponto de
partida da metafísica, cad. V, sec. II, cap. 1, § 22, citado por Goffredo Telles Jr., O direito quântico,
cit., p. 204; N. Hartmann, Ontologia y fundam entos, México, 1954, p. 147; Miguel Reale (Sentido do
pensar no nosso tempo, RBF, fase. 100, p. 391) escreve: “O caráter intencional da consciência e a
correlação funcional subjetivo-objetiva são condições do conhecimento”.

6. Johannes Hessen, Teoria do conhecimento, 5. ed., Coimbra, Armênio Amado Ed., 1970, p. 26;
P. Stanislavs Ladusans, Fenomenologia da estrutura dinâmica do conhecimento, Anais do VIU Congres­
so Interamericano de Filosofia, v. 1, p. 379 e 380; Manuel G. Morente, Fundamentos de filosofia, p.
145-6 e 167; Miguel Reale, Sentido do pensar em nosso tempo, RBF, c it, fase. 100, p. 392-5.

Ciência jurídica 15

com o um a realidade transcendente; despoja-se desse caráter de existente por si
e em si e converte-se em um ser “para” ser conhecido, em um ser posto,
logicamente, pelo sujeito pensante como objeto de conhecimento. Aquilo que
o objeto a conhecer é, o é não “em si” m as em relação ao sujeito conhecedor7.
O objeto enquanto conhecido é uma imagem e não algo do mundo extramental.
Essa imagem não é uma cópia de um objeto, apesar de ser a tradução cerebral
desse objeto, não é idêntica a ele por ser m ais pobre em elem entos
determ inantes8. O sujeito cognoscente é sujeito apenas enquanto há objeto a
apreender e o objeto é somente objeto de conhecimento quando for apreendi­
do pelo sujeito. Logo, todo conhecimento envolve três ingredientes: o “eu”
que conhece; a atividade ou ato que se desprende desse “eu” e o objeto atingi­
do pela atividade9.

Nítida é a correlação entre o sujeito pensante e o objeto pensado. Esse
relacionamento intelectual entre ambos é o que chamamos de conhecimento.
H á dualidade de pensam ento e objeto10.

7. M anuel G. Morente, Fundamentos de filosofia, cit., p. 147-217, 143 e 244-63.
8. Goffredo Telles Jr. (O direito quântico, cit., p. 209-14, 217-74, 277-82) escreve: M esm o
quando o estímulo deixa de excitar um órgão sensório, perdura o conhecimento. Esse conhecimento é
a imagem, que é o que fica no cérebro, de uma sensação cessada. As sensações é que são objetos do
conhecimento. Os objetos do mundo exterior permaneceriam inacessíveis ao conhecimento, pois, ao
estimularem os órgãos dos sentidos, apenas produzem impulsos nervosos sempre iguais. Esta afirma­
ção não nega o mundo exterior, isto porque o conhecimento é efeito da ação dos objetos sobre os
órgãos dos sentidos; se assim não fosse não haveria explicação possível para a existência de sensa­
ções. Cada sensação é a tradução individualizada de um determinado objeto ou estímulo. A percepção
individualizada de um todo — de uma árvore, de um a música, p. ex. — resulta da conjugação de
sensações individualizadas das partes desse todo. Os órgãos dos sentidos ao serem impressionados
por um objeto do mundo exterior lançam, pelos nervos aferentes, um conjunto harmônico de impulsos
e não apenas um só impulso. Esses impulsos produzem, no cérebro, sensações reciprocam ente ajusta­
das, compondo a percepção do objeto que agiu como estímulo. A qualidade da sensação depende do
centro cerebral a que o impulso é levado. As imagens são interpretações dadas pelo cérebro a esses
impulsos. O cérebro não se limita a traduzir em sensações os impulsos nervosos, mas também ordena
as reações do organismo, em resposta aos estímulos que excitaram as células nervosas... A imagem
não é cópia de um objeto, isto porque toda cópia é cópia de um objeto já conhecido. Como copiar o
que não se conhece?... O objeto é para o sujeito sempre diferente, segundo os aspectos com que se
examina, pois muda de aspecto conforme o ângulo em que é visto, conforme a distância que o
separa do conhecedor etc. Observa, ainda, Jolivet (Curso de filosofia, Ed. Agir, 1965, v. 3) que,
deveras, a razão não é um a cera passiva onde as sensações se inscrevem, mas um órgão ativo que as
ordena, transformando a multiplicidade caótica dos fatos da experiência em ordenadas unidades do
pensam ento. A coisa em si (em oposição à coisa tal qual aparece) perm anece, de certo modo, uma
incógnita, segundo Kant. Admite esse filósofo a realidade do objeto independente do sujeito pensante.
As coisas em si ou noumenons são incognoscíveis.
9. Luiz Fernando Coelho, Teoria da ciência do direito, São Paulo, Saraiva, 1974, p. 14.
10. A dualidade entre sujeito pensante e objeto é universal. Se pensamos uma maçã mediante o
pensamento de uma maçã, ambas as coisas não se identificam; a maçã é doce e posso mordê-la, o
pensamento nem é doce, nem tem a possibilidade de ser mordido. Se penso um triângulo mediante o
pensamento de um triângulo, o triângulo possui três ângulos, mas o pensamento que lhe é correspon­
dente carece de ângulos (v. Carlos Cossio, Teoria egológica del derecho y el concepto jurídico de
libertad, 2. ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1964, p. 227).

16 Compêndio de introdução à ciência do direito

Cabe salientar ainda que o conhecimento de algo está condicionado pelo
sistema de referência daquele que conhece, logo, não há conhecimento abso­
luto, pois ele só pode ser relativo11.

Ao se relacionar um conhecimento a um sistema de referência, formula-
se um juízo, que é o ato mental pelo qual se afirma ou se nega uma idéia.
Impossível é o conhecimento sem esta operação de enunciar e combinar juízos
entre si, um a vez que o conhecim ento im plica sem pre um a coerência entre os
juízos que se enunciam e, além disso, só se poderia transm itir conhecimentos
m ediante ju íz o s12.

QUADRO SINÓTICO

NOÇÃO PRELIMINAR DE CONHECIMENTO E CORRELAÇÃO ENTRE
SUJEITO COGNOSCENTE E OBJETO COGNOSCÍVEL

1. CONCEITO DE Segundo GoffredoTelles Jr., conhecimento é o
CONHECIMENTO renascimento do objeto conhecido, em novas
condições de existência dentro do sujeito co­
2. CORRELAÇÃO ENTRE nhecedor.
SUJEITO E OBJETO
Nítida é a correlação entre sujeito pensante e
objeto pensado, por ser o conhecimento a re­
presentação do objeto dentro do sujeito
cognoscente, de modo que aquilo que o “eu” é,
quando se torna sujeito conhecedor, o é em
relação ao objeto que conhece, e aquilo que o
objeto a conhecer é, o ç não “em si” , mas em
relação ao sujeito pensante, isto é, converte-
se em um ser “para” ser conhecido, em um ser
posto, logicamente, pelo sujeito cognoscente
como objeto de conhecimento.

11. Goffredo Telles Jr. (O direito quântico, cit., p. 284-93) entende que o sistema de referência
é produto de muitas causas: do legado genético, aprendizagem, experiências etc. Cada homem possui
seu próprio universo cognitivo, mas seu sistema de referência pode não pertencer exclusivamente a
ele, por ser de uma comunidade inteira. Oriundos das mesmas contingências, é natural que os sistemas
de referência de pessoas de um mesmo grupo sejam semelhantes uns aos outros. Tais sistemas consti­
tuem um patrimônio cultural comum.

12. V. Ladusans, Fenomenologia, Anais do VIII Congresso Interamericano de Filosofia, cit., p.
386; Miguel Reale, Filosofia do direito, cit., v. 1, p. 54; Goffredo Telles Jr., O direito quântico, cit., p.
292 e 293. Sobre conhecimento e correlação entre sujeito cognoscente e objeto, consulte M. Helena
Diniz, A ciência jurídica, 2. ed., São Paulo, Resenha Universitária, 1982, p. 7, notas 21 te 22; p. 168-
72, nota 59.

2. CONHECIMENTO CIENTÍFICO

A. CARACTERES E CONCEITO

Chegados a essa altura, cremos que não soaria como um despropósito
respondermos à indagação: o que é ciência?

Antes de iniciarmos nosso estudo sobre o tema, ouçamos, pela sua oportu­
nidade e sabedoria, a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr.13, que evidencia que o
vocábulo “ciência” não é unívoco, se bem que com ele se designe um tipo espe­
cífico de conhecimento; mas não há um critério único que determine a extensão,
a natureza e os caracteres deste conhecimento, isto porque os vários critérios têm
fundamentos filosóficos que extravasam a prática científica e, além disso, as
modernas disputas sobre tal termo estão intimamente ligadas à metodologia.

Entendemos que, na acepção vulgar, “ciência” indica conhecimento, por
razões etimológicas, já que deriva da palavra latina scientia, oriunda de scire,
ou seja, saber. Mas, no sentido filosófico, só merece tal denominação, como
veremos logo mais, aquele complexo de conhecimentos certos, ordenados e
conexos entre si14. A ciência é, portanto, constituída de um conjunto de enunci­
ados que tem por escopo a transmissão adequada de informações verídicas
sobre o que existe, existiu ou existirá. Tais enunciados são constatações. Logo,
o conhecimento científico é aquele que procura dar às suas constatações um
caráter estritamente descritivo, genérico, comprovado e sistematizado. Consti­
tui um corpo sistemático de enunciados verdadeiros. Como não se limita ape­
nas a constatar o que existiu e o que existe, mas também o que existirá, o
conhecimento científico possui um manifesto sentido operacional, constituin­
do um sistema de previsões prováveis e seguras, bem como de reprodução e
inferência nos fenômenos que descreve'

1.3. Direito, retórica e comunicação, São Paulo, Saraiva, 1973, p. 1.59 e 160.
14. Alves da Silva, Introdução à ciência do direito, São Paulo, Ed. Salesianas, 1940, p. 5.
Consulte Yulo Brandão, O problema do conhecim ento.e a sua exata posição, RBF, fase. 105, p. 92-8.
15. Tércio Sam paio Ferraz Jr., A ciência do direito, São Paulo, Atlas, 1977, p. 10 e 1 1;
Charles W. Morris, Language and behavior, New York, 1955, cap. V.

18 Compêndio de introdução à ciência do direito

À vista disso, tentaremos ensaiar algumas de suas características pri­
mordiais.

Em oposição ao saber vulgar, que faz constatações da linguagem coti­
diana, a ciência é um saber metodicamente fundado, demonstrado e sistemati­
zado. A sistem aticidade é o principal argum ento para afirmar a cientificidade16.

O conhecimento científico não é um saber que se receba pronto e acaba­
do; é, isto sim, um saber obtido e elaborado deliberadamente, com consciência
dos fins a que se propõe e dos meios para efetivá-lo, visando sua justificação
com o saber verdadeiro ou certo 57. Para tanto, procura dar um a explicação
satisfatória da realidade, fundamentada em rigorosas comprovações ou demons­
trações.

O conhecimento vulgar, por sua vez, não decorre de uma atividade deli­
berada; é mesmo anterior a uma reflexão do pensamento sobre si mesmo e
sobre os métodos cognitivos. É, em regra, assistemático, pois as noções que o
integram derivam da experiência da vida cotidiana: de ver atuar, da leitura
acidental, de ouvir etc. São exemplos de saber vulgar a verificação de que ao
dia sucede a noite, de que o fogo queim a, de que o relógio marca as horas etc.
Enfim, são idéias que se vão depositando por aluvião, sem que nada as ordene.
E um saber parcial ou fragmentário, casuísta, desordenado ou não metódico,
pois não estabelece, entre as noções que o constituem, conexões, nem mesmo
hierarquias lógicas. Tais conteúdos do conhecimento vulgar ou comum não
contam com outra garantia de verdade, senão o fato de serem geralmente acei­
tos, porque não se procura verificar a exatidão das observações em que se
baseiam, desconhecendo, assim, as verdadeiras causas que os explicam e as
regras que os regem; e tampouco se invoca a correção lógica do pensamento
de que provieram 18.

O método é a garantia de veracidade de um conhecimento. Método é a
direção ordenada do pensamento na elaboração da ciência. Logo, a ciência
requer uma atividade ordenada segundo princípios próprios e regras peculia­
res. É ele que guia a investigação científica, provando que o resultado de suas
pesquisas é verdadeiro. Não se deve confundir método com técnica, pois o

16. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Direito, retórica e comunicação, cit., p. 160 e 161, e A ciência
do direito, cit., p. 10; C. W. Morris, Language, cit.; Elyana Barbosa, O que constitui a ciência, o
método ou o objeto?, RBF, fase. 94, p. 153-7.

17. Expressivas são, sobre o assunto, as palavras de Miguel Reale (Lições preliminares de
direito, Bushatsky, 1973, p. 101): “Todo conhecimento científico pressupõe uma ordenação intencio­
nal da inteligência e da vontade, capaz de permitir ao investigador alcançar um resultado dotado pelo
menos de relativa certeza” .

18. V. Júlio Luis Moreno, Los supuestos filosóficos de la ciência jurídica, Montevideo, 1963,
p. 17-9; Romero y Pucciarelli, Lógica, cit., Buenos Aires, 1948, p. 127; Liard, Lógica, Buenos Aires,
1943, p. 269; A. Torré, Introducción al derecho, 6. ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1972, p. 40-3.

Ciência jurídica 19

saber científico pode utilizar diversas técnicas, mas só pode ter um método.
“M étodo é o conjunto de princípios de avaliação da evidência, cânones para
julgar a adequação das explicações propostas, critérios para selecionar hipóte­
ses, ao passo que técnica é o conjunto dos instrumentos, variáveis conforme os
objetos e temas. O problema do método, portanto, diz respeito à própria defini­
ção de enunciado verdadeiro19.”

Ensina Tércio Sam paio Ferraz Jr. que, quanto ao método e objeto, as
ciências podem ser naturais e humanas. O método de abordagem, na ciência
da natureza, ao estudar os fenômenos naturais, refere-se à possibilidade de
explicá-los, isto é, constatar a existência de ligações constantes entre fatos,
deles deduzindo que os fenômenos estudados daí derivam. Já, ao estudar os
fenômenos humanòs, se acresce à explicação o ato de compreender, isto é, o
cientista tem por objetivo reproduzir, intuitivamente, o sentido dos fenômenos,
valorando-os. Logo, a ciência humana é explicativa e compreensiva à medida
que se reconhece a conduta humana; não tem apenas o sentido que lhe damos,
mas também o sentido que ela própria se dá; exige um método próprio que faz
repousar sua validade na validade das valorações que revelam aquele sentido.
Tal método compreensivo pode ser valorativo, como pretendem Gunnar Myrdall,
Hans Freyer, Miguel Reale, ou conter “neutralidade axiológica”, como prefe­
rem, dentre outros, M ax W eber20 e Kelsen.

A ciência é, portanto, uma ordem de constatações verdadeiras, logicamente
relacionadas entre si, apresentando a coerência interna do pensam ento consigo
mesmo, com seu objeto e com as diversas operações implicadas na tarefa
cognoscitiva. O conhecimento científico pretende ser um saber coerente. O
fato de que cada noção que o integra possa encontrar seu lugar no sistema e se
adequar logicamente às demais é a prova de que seus enunciados são verdadei­
ros. Se houver alguma incompatibilidade lógica entre as idéias de um mesmo
sistema científico, duvidosas se tornam as referidas idéias, os fundamentos do
sistema e até mesmo o próprio sistema. Da sistematização, como mais adiante
veremos, decorre a justificação do saber científico.

19. Tércio Sampaio Ferraz Jr., A ciência do direito, cit., p. 11, e Direito, retórica e comunica­
ção, cit., p. 161; Ernest Nagel (Ciência: natureza e objetivo) apud Morgenbesser, Filosofia da ciên­
cia, São Paulo, Cultrix, 1967, p. 19.

20. Tércio Sampaio Ferraz Jr., A ciência do direito, cit., p. 11 e 12; Gaston Granger, A razão, São
Paulo, Dífel, 1962, n. 85; Elyana Barbosa, O que constitui a ciência, RBF, cit., p. 157; Emildo Stein,
Metalinguagem e compreensão nas ciências humanas, in Filosofia-I, Anais do VIII Congresso Interamericano
de Filosofia e V da Sociedade Interamericana de Filosofia, 1974, p. 293-307. A. L. Machado Neto, As
ciências humanas e a neutralidade científica, RBF, fase. 57, p. 19-52; Gunnar Myrdall ( Value in social
theory, Routledge and Kegan Paul, 1958, p. 54) escreve: “A desinterested social science is, from this view-
point, pure nonsense. It never existed, and it will never exist. We can strive to make our thinking rational in
spite of this, but only by facing the valuations, not by evading them”, logo da impossibilidade lógico-
sociológica de existir uma ciência social desinteressada, Myrdall conclui a negação da neutralidade cientí­
fica; Hans Freyer, La sociologia, ciência de la realidad, Buenos Aires, Losada, 1944.

20 Compêndio de introdução à ciência do direito

Estas considerações sublinham a importância do método para a ciência,
já que só ele é que possibilita fundamentar a certeza e a validade desse saber,
por dem onstrar que os enunciados científicos são verdadeiros21.

Cada ciência tem seu objeto, pois, “para que haja ciência, é essencial a
unicidade epistem ológica, isto é, unidade de objeto”22. Logo, é um saber m eto­
dicamente fundado sobre um objeto. O conhecimento científico, portanto, está
condicionado pelo ser e pela estrutura do objeto, pois visa transmitir um enun­
ciado verdadeiro; assim sendo, deve ter por escopo a sua coincidência com
aquilo a que se propõe conhecer. Essa relação de mútua dependência entre a
ciência e seu objeto é condição da fecundidade da tarefa científica23.

Não se julgue que o objeto de uma ciência seja algo que o cientista encon­
tre determinado de modo rígido antes de dar início a sua tarefa cognoscitiva;
pelo contrário, é ele, em grande parte, um produto de sua livre eleição. Ele elege
com relativa liberdade o objeto com que há de se ocupar, escolhendo, ainda, o
prisma sob o qual há de considerá-lo. A investigação científica não inventa seu
objeto, ela o descobre tal como ele se mostra sob uma certa perspectiva. Em
outras palavras, a ciência escolhe, dentro dos limites da multiplicidade de estru­
turas do objeto a conhecer, o ponto de vista que tomará sobre ele24.

A determ inação do objeto e da form a pela qual será exam inado25 pressu­
põe uma reflexão sobre as finalidades cognoscitivas, que se aspira conseguir,
sobre o tipo de conhecim ento que se deseja obter26.

21. Júlio L. Moreno, Los supuestos filosóficos, cit., p. 19, 21, 27 e 28; Jaspers, Esencia y valor de
la ciência, Rev. Universidad National del Litoral, Santa Fé, Imprenta de la Universidad, 1939, n. 5, p.
161; Jolivet, Curso defilosofia, cit., p. 77; Lalande, Épistémologie e gnoséologie, in Vocabulaire táchnique
et critique de la philosophie, 4. ed., Paris, PUF, 1968, v. 2, p. 735 e s.; Hessen, Tratado de filosofia,
Buenos Aires, Ed. Sudamericana, 1957, t. 1, p. 392; Lastra, Que es el derecho?, L.a Plata, Ed. Platense,
1972, p. 87; Van Acker, Curso de filosofia do direito, Revista da PUCSP, 3*4(65-6): 122, 1968; Juan A.
Nuno, Metodologia científica: el problema del conocimiento, in Filosofia-Í, Anais do VIU Congresso
Interamericano de Filosofia e V da Sociedade lnteramericana de Filosofia, cit., p. 425-32.

22. Machado Neto, Teoria da ciência jurídica, São Paulo, Saraiva, 1975, p. 3.
23. J. L. Moreno, Los supuestos filosóficos, cit., p. 31 e 33.
24. J. L. Moreno, Los supuestos filosóficos, cit, p. 33-8; Goffredo Telles Jr. (O direito quàntico,
cit., p. 266-88) pondera que o ato de escolha não é um ato de liberdade, depende do patrimônio
genético, do confronto de uma informação, provinda do mundo exterior, com todo o cabedal de apren­
dizagem já armazenado pelo agente.
25. J. L. Moreno (Los supuestos filosóficos, cit., p. 34) observa que um mesmo objeto da
experiência pode ser considerado sob vários pontos de vista e cada um deles pode converter-se em
tema de uma ciência distinta.
26. A. Franco Montoro (introdução à ciêitcia do direito, 3. ed., Livr. Martins Ed., v. 1. p. 76)
esclarece, em poucas linhas, quais são os fins perseguidos pela ciência. O objetivo de toda ciência é
conhecer, mas os objetivos finais são diferentes. A ciência teórica tem por finalidade o próprio conhe­
cimento. A prática ou normativa é a que conhece para dirigir a ação, e nas p. 82 e 83 apresenta as três
acepções de ciência: a latíssima, segundo a qual ciência é o conhecimento certo pelas causas, aplica-
se neste sentido a todos os conhecimentos demonstrados, abrangendo tanto as ciências teóricas como
as práticas; a estrita, que se refere apenas às ciências teóricas ou puras (naturais, culturais, formais e
metafísicas); e a estritíssima, apenas às teóricas de tipo natural e matemático.

Ciência jurídica 21

A operação pela qual se constitui o objeto deve ser, obviamente, governada
pelo método, que, por sua vez, fixará as bases de sistematização da ciência27.

Importa acentuar que o fim e o objeto do conhecimento científico se su­
põem e se determinam reciprocamente, de modo que a ciência pode ser conside­
rada como sendo a “síntese dialética do objeto e do fim, porque é o fim do
conhecimento o que faz do objeto um objeto do conhecimento e o determina sob
um certo prisma; e a finalidade é o fim de conhecer esse objeto”28.

A ciência é um saber condicionado por seu objeto e objetivo. Mas esse
condicionam ento não im plica marcos definitivos, dentro dos quais se deve
desenvolver o labor científico. A ciência não é um conhecimento acabado de
seu objeto, mas o processo de investigação em que o objeto vai sendo conhe­
c i d o 29.

Todavia, isto não indica que a investigação científica seja auto-sufici-
ente e completa. É ela limitada, em razão de sua natureza teorética; por ela a
ciência aparece como saber do que é ou do que deve ser, sendo seu campo de
ação a experiência em que o ser se manifesta. Conseqüentemente, limitará
sua indagação, se for ciência natural, ao que a realidade é, sem qualquer
pretensão de verificar o que deve ser axiologicamente. A ciência natural é
teoria e, enquanto tal, seu fim é o conhecim ento do dado e não sua valoração.
Já a ciência humana, ao estudar seu objeto, pode reproduzir, como vimos
alhures, o seu sentido, valorando-o. A ciência natural ou humana não pode
conhecer nada fora do objeto, nem dar o fundamento último a seus métodos,
nem mesmo justificar as noções prim eiras que estão na base de suas constru­
ções e a sua atitude cognoscitiva. Realmente, a ciência é o conhecimento de
seu objeto e não dos modos de conhecê-lo; ela não conhece seu método; ela
apenas o pressupõe e nele tem seu ponto de apoio, por ser ele uma garantia
para o pensar científico30.

Sinteticamente podemos dizer que a ciência é um complexo de enuncia­
dos verdadeiros, rigorosamente fundados e demonstrados, com um sentido li­
mitado, dirigido a um determinado objeto.

Para que haja ciência, deve haver as seguintes notas: caráter metódico,
sistemático, certo, fundamentado ou demonstrado, limitado ou condicionado a
um certo setor do objeto.

27. J. L. Moreno, Los supuestos filosóficos. cit., p. 38.
28. J. L. Moreno, Los supuestos filosóficos, cit., p. 41.
29. J. L. Moreno. Los supuestos filosóficos, cit., p. 41. Diz Hessen(Tratado de filosofia,cit., p.
389) que “por ciência costuma-se entender ora o processo deinvestigação ou conhecimento, ora o
resultado desse processo”.
30. J. L. Moreno, Los supuestos filosóficos, cit., p. 23 e 24; Miguel Reale, Filosofia do direito,
cit., v. 1, P- 50.

S IS B I/ U F U

267653

22 Compêndio de introdução à ciência do direito

Um conhecimento que não reúna as características próprias da investiga­
ção científica não é ciência, é matéria opinável, isto é, uma questão de opinião31.

B. FUNDAMENTAÇÃO FILO SÓ FICA

A apreciação que pretendemos fazer neste livro será restrita à colocação
do assunto sob o seu aspecto filosófico.

A fundamentação filosófica da ciência, como já pudemos apontar, é tare­
fa da filosofia da ciência, ou melhor, da epistemologia. Isto é assim porque
nenhum ramo da ciência pode viver sem filosofia, porque é nela que o cientista
vai buscar as linhas mestras que orientam e norteiam o saber científico. Todas
as ciências estão em estreito contato com a filosofia, uma vez que possuem
princípios gerais, axiomas e supostos que não entram no objeto que investi­
gam 32, daí a necessidade de uma consideração filosófica que permita justificá-
los. Dentro desse teor de idéias, parece-nos útil salientar que uma explicação
científica não é filosófica e vice-versa. Os problemas científicos não são idên­
ticos aos da filosofia. Deveras, o encadeamento dos fenômenos, como a ciên­
cia os visa descobrir, deixa intacta a questão da natureza profunda de seu obje­
to, de seu método, de seus pressupostos. Uma explicação crítica sobre o co­
nhecimento de seu método, de seu objeto de estudo, de seus pressupostos ou
postulados, não nos saberia dar a ciência. Tudo isso, portanto, é tarefa da teoria
da ciência, ou seja, da epistem ologia33.

C. CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS

As ciências podem ser, sob diversos critérios, submetidas a uma classifi­
cação.

31. É a opinião a que se referem Schreier e Garcia Máynez. Exemplificativamente, é nesse
sentido que se diz que o advogado tem um saber vulgar da medicina, mas não conhecimento científi­
co. Enfim, é o conhecimento de um objeto que tem uma pessoa sem preparo especial sobre ele e
derivado da experiência da vida prática. V., sobre os caracteres da ciência, o que dizem: Lastra, Que es
el derecho?, cit., p. 107-38, 98, 100-4; A. Torré, Introducción al derecho, cit., p. 44; Lourival Vdanova,
Sobre o conceito do direito, Recife, Imprensa Oficial, 1947, p. 9; Francisco Uchoa de Albuquerque e
Fernanda Maria Uchoa, Introdução, cit., p. 2-4.

32. José M. Vilanova, Filosofia del derecho y fenomenología existencial, Buenos Aires, Cooperadora
de Derecho y Ciências Sociales, 1973, p. 50; Van Acker, Introdução à filosofia — lógica, São Paulo,
Saraiva, 1932, p. 7; Francisco Uchoa de Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Introdução, cit., p. 4-13.

33. Erik Wolf (El carácter problemático y necesario de la ciência del derecho, Buenos Aires,
Abeledo-Perrot, 1962, p. 61) transcreve o seguinte texto de Bierling (Jurístische Prínzipienlehre,
1894): “La filosofia del derecho es cosa de filósofos... nada más dudoso que cuando un jurista, en su
carácter de tal, quiere escribir una filosofia del derecho” . V., ainda, Milton Vargas, Sobre a demarcação
entre filosofia e ciência, in Filosofia-I, Anais do VIII Congresso Interamericano de Filosofia e V da
Sociedade Interamericana de Filosofia, cit., p. 309-15; Karl Popper, Conjectures and refutations] the
growth o f scientific knowledge, London, Routledge and Kegan Paul, 1962; e Yulo Brandão, Digressão
em tom o de um problema de sempre: a filosofia como fundamento, RBF, fase. 58, p. 207-25.

Ciência jurídica 23

Augusto C om te34 classificou as ciências em abstratas, tam bém designa­
das teóricas ou gerais, e concretas, consideradas particulares ou especiais, par­
tindo de três critérios: a) o da dependência dogm ática, que consiste em agru­
par as ciências, de modo que cada uma delas se baseie na antecedente, prepa­
rando a conseqüente; b) o da sucessão histórica., que indica a ordem cronoló­
gica de formação das ciências, partindo das mais antigas às mais recentes; e c)
o da generalidade decrescente e da complexidade crescente de cada ciência,
que procede partindo da mais geral para a menos geral e da menos complexa
para a mais complexa.

As ciências abstratas são as que estudam as leis gerais que norteiam os
fenômenos da natureza, e apenas a elas se aplicam os critérios supra-arrolados.
Abrangem:

1. M atemática, ciência do núm ero e da grandeza, a mais simples e uni­
versal. Realmente, é a menos complexa, porque só se refere às relações de
quantidade, e a mais geral, porque se estende a todos os fenômenos.

2. Astronomia, física celeste, ou mecânica universal, ciência que estuda
as massas materiais que existem no universo.

3. Física, ciência que se ocupa dos fenôm enos físicos, ou seja, das forças
da natureza.

4. Química, ou físico-química, ciência que tem por objeto a constituição
dos corpos particulares.

5. Biologia, ou física biológica, ciência que estuda os fatos biológicos, isto
é, os seres vivos ou os corpos muito complexos que se apresentam com vida.

6. Sociologia, ou física social, ciência das relações sociais. Esta ciência é
a mais complexa de todas, visto que o fato social abarca relações matemáticas,
mecânicas, físicas, químicas e biológicas, e a menos geral, por se aplicar tão-
somente à vida social do homem.

Infere-se desta classificação que todas as ciências são do tipo físico-natu-
ral, devendo ser estudadas com o rigor e a precisão dos métodos matemáticos.

Augusto Comte não chegou a classificar as ciências concretas por enten­
der que não se prestavam a uma discriminação perfeita, por não apresentarem as
condições de irredutibilidade e de indivisibilidade das abstratas. Ás ciências con­
cretas, para esse filósofo, são as que aplicam as leis gerais aos seres naturais,
realmente existentes. A biologia é ciência abstrata, explica ele, porque investiga
e descobre as leis da vida, ao passo que a botânica e a zoologia são concretas,
dependentes da biologia, visto que têm por escopo descrever o modo de existên­
cia de cada corpo vivo. Igualmente, a geografia, a geologia e a mineralogia são

34. Augusto Comte, Cours de philosophie positive. Paris, 1949.

24 Compêndio de introdução à ciência do direito

ciências concretas em relaçao à física e à química, das quais derivam. A ciência
do direito e a economia são ciências concretas, oriundas da sociologia.

W ilhelm Dilthey35, adotando o critério dicotômico, inspirado na classifi­
cação de ciência de Ampère, tendo em vista o seu objeto de estudo, distingue:

1) Ciências da natureza, que se ocupam dos fenômenos físico-naturais,
empregando o método da explicação. Explicar, ensina-nos Miguel Reale, con­
siste em ordenar os fatos segundo nexos ou laços objetivos e neutros de causa­
lidade ou funcionalidade.

2) Ciências do espírito, tam bém designadas por ciências humanas,
noológicas ou culturais, como prefere Rickert, que se subdividem em:

a) ciências do espírito subjetivo, ou psicológicas, que estudam o espírito
humano no próprio sujeito, isto é, têm por objeto o mundo do pensamento;

b) ciências do espírito objetivo, que consideram o espírito humano nos
objetos ou nos produtos culturais, isto é, descrevem e analisam a realidade
histórica e social, produto das ações humanas. Constituem as ciências cultu­
rais propriamente ditas, históricas, morais, sociais e jurídicas. O método de
estudo das ciências culturais é o da compreensão. Compreender é, na lição de
Miguel Reale, ordenar os fatos sociais segundo suas conexões de sentido, isto
é, finalisticamente, segundo uma ordem de valores. Na ciência humana, o ci­
entista, por mais que pretenda ser cientificamente neutro, não vê os fatos soci­
ais apenas em seus possíveis enlaces causais, porque há sempre uma tomada
de posição perante os fatos, que se resolve num ato valorativo. Logo, pode e
deve existir objetividade no estudo dos fatos sociais, mas é impossível uma
atitude comparável à “neutralidade avalorativa” de um analista em seu labora­
tório ante uma reação química. Daí a célebre afirmação de Wilhelm Dilthey: “a
natureza se explica, enquanto que a cultura se com preent de”.

A mais fam osa das classificações da ciência é a de Aristóteles36, que aqui
reproduzimos com as alterações feitas pelo pensamento científico e filosófico
ulterior.

A classificação aristotélica, baseada no critério da função de cada ciên­
cia, subdivide-se em:

1) Ciência teórica ou especulativa, que tem por finalidade o próprio co­
nhecimento. A ciência teórica conhece por conhecer, limitando-se a ver a rea­

35. Introduction à l ’étude des sciences humaines. Paris, 1942, cap. 2; Introducción a las ciências
del espírita, México, Fondo de Cultura Econômica, 1944, p. 69. V. Miguel Reale (Lições prelim ina­
res, cit., p. 86) sobre a distinção entre explicação e compreensão. Sobre Eduardo Spranger, discípulo
de Dilthey, consulte Juan Roura-Parella, Spranger v las ciências del espíritu, México, Ed. Minerva.
1944, p. 240.

36. M etafísica, 1025, b, 25; W. D. Ross, Aristote, Paris, Payot, 1930, p. 34 e 91; G. Vico,
Scienza nova, Padova, CEDAM, 1953; Miguel Reale, Filosofia do direito, cit., cap. 17.

Ciência jurídica 25

lidade, reproduzindo-a como existe. Tem sempre em vista a verdade. As ciên­
cias teóricas, por sua vez, subdividem-se, conforme o grau de abstração de
cada uma delas, em:

a) ciências físicas ou naturais, que abrangem não só as ciências naturais,
propriamente ditas, que se referem aos seres da natureza, considerados em sua
realidade qualitativa e quantitativa, fazendo abstração das diferenças individu­
ais, levando em conta apenas as propriedades comuns a todos os seres da m es­
ma espécie, mas também as ciências culturais, que se ocupam da natureza
transformada e aperfeiçoada pelo homem;

b) ciências matemáticas ou form ais, atinentes ao mundo das quantida­
des, principalmente ao número (aritmética) e à extensão (geometria). Abstra­
em as diferenças individuais e as qualidades sensíveis, para considerar tão-
somente a quantidade de ser, isto é, a pura relação quantitativa;

c) ciências metafísicas, relativas ao ser enquanto ser, ocupando-se com
noções de causa e efeito, essência e existência, substância e acidente, matéria
e forma etc. Fazem abstração das diferenças individuais das qualidades sensí­
veis, dos aspectos quantitativos ou formais, para considerarem apenas o “ser”
em si mesmo. São também chamadas ontológicas.

2) Ciência prática, que tem por objeto o conhecimento, para que ele sir­
va de guia à ação ou ao com portam ento. As ciências práticas podem ser:

a) ciências morais ou ativas, que visam dar normas ao agir, procurando
dirigir a atividade interna e pessoal do hom em , buscando atingir o benr,

b) ciências artísticas, factivas ou produtivas, que têm por fim dar normas
ao fazer, dirigindo a produção de coisas exteriores. Abrangem as artísticas
propriamente ditas, que almejam a produção do belo (música, escultura, pintu­
ra etc.), e as técnicas, que têm por finalidade a produção do útil (engenharia,
medicina, arquitetura). Portanto, a arte considera as coisas exteriores, sob o
aspecto da beleza, e a técnica, sob o da utilidade37.

Como se vê, há várias classificações de ciência, cada qual observando
certo critério, pois cada filósofo defende sua tábua classificatória sob o prisma
que lhe for mais conveniente.

37. Sobre a classificação das ciências, v.: A. Franco Montoro, Introdução, cit., v. I. p. 65-85: L.
van Acker, Introdução à filosofia — lógica, cit., p. 28 e s.; Fausto E. Vallado Berrõn, Teoria general del
derecho, México, Universidad Nacional Autônoma de México, 1972, p. 228-33: Francisco Uchoa de
Albuquerque e Fernanda Maria Uchoa, Introdução, cit., p. 14-7; Abelardo Torré, introducción al derecho,
cit., p. 46 e s. Para Luis Mendizãbal y Martin (citado por Miguel Sancho Izquierdo, Princípios de
derecho natural como introducción al estúdio del derecho, 5. ed., Zaragoza, 1955, p. 25 e 26) as ciências
podem ser: a) teológicas, se versarem sobre Deus e as coisas divinas; b) ideais, relativas a conceitos de
razão pura; c) físico-nciturais, que estudam o mundo inorgânico e orgânico, sendo, nesta última hipótese,
ciência biológica; d) antropológicas, se ocupam do homem como ser vivo (ciência biológica), como ser
inteligente (ciências psicológicas) e como ser livre (ciências morais) (Princípios morales básicos, in
Tratado elemental de filosofia de la Universidad de Lovaina, t. 1). Luiz Fernando Coelho classifica as
ciências jurídicas em diretas, indiretas e complementares (Aulas de introdução, cit., p. 33-64).

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3. CARÁTER PROBLEMÁTICO DO TEMA “CIÊNCIA
JURÍDICA”

Importa, numa ordem preliminar de considerações, levantar a seguinte
indagação: que é a ciência jurídica?

Sobre essa questão encontramos todas as respostas possíveis e imagináveis,
porque o termo “ciência” não é unívoco e porque há uma surpreendente
pluralidade de concepções epistemológico-jurídicas que pretendem dar uma
visão da ciência jurídica, cada qual sob um critério diferente. A ciência do
direito distingue-se pelo seu método e também pelo seu objeto.

A determinação do objeto é o problema central da especulação jurídico-
científica. A ciência do direito, como todo conhecimento, pressupõe um obje­
to. O objeto de conhecim ento é, em sua origem , com o nos diz José M. Vila-
nova38, a coisa descircunstancializada pela atividade teorética. E aquilo “a que a
Ciência tende ou que ela conhece”39.

Seria impossível compreender a pesquisa jurídico-científica sem consi­
derar o ponto capital: qual é o objeto em torno do qual desenvolve o jurista o
seu estudo?

À primeira vista esta indagação parece ser das mais simples, porque o
único objeto da Jurisprudência40 é o conhecim ento do direito, mas, na verdade,
traz em seu bojo grande complexidade.

38. Filosofia del derecho, cit., p. 22, 86 e 100.
39. Gilles, Pensée form ei le et sciences de 1'homme (prefácio), 1967.
40. Verifica Miguel Reale (Lições preliminares, cit., p. 62) que “a Ciência do Direito durante
muito tempo teve o nome de Jurisprudência, que era a designação dada pelos jurisconsultos romanos.
Atualmente possui uma acepção estrita para indicar a doutrina que se vai firmando através de uma
sucessão convergente e coincidente de decisões judiciais ou de resoluções administrativas. Pensamos
que tudo deve ser feito para manter a acepção clássica dessa palavra, tão densa de significado, que põe
em realce uma das virtudes primordiais que deve ter o jurista: a prudência, o cauteloso senso de
medida das coisas hum anas”. A. Franco M ontoro (Introdução, cit., v. 2, p. 90) vislumbra três signifi­
cações da palavra “jurisprudência” — pode indicar a “ciência do direito”, em sentido am plíssim o;
pode referir-se ao conjunto de sentenças, em sentido amplo, abrangendo tanto a jurisprudência unifor­
me como a contraditória; e, em sentido estrito, é apenas o conjunto de sentenças uniformes. É na

28 Compêndio de introdução à ciência do direito

Comprova essa assertiva o fato de haver quem julgue necessário, para
que o jurista possa conhecer o direito, que se capte o que o direito é, que se
elucide qual é a sua essência, isto é, qual é o “ser” do objeto. Só depois dessa
reflexão de cunho nitidamente ontológico é que se poderá conhecer este obje­
to: o direito. Para tanto, a ontologia jurídica deve partir dos fenôm enos que
sejam indicativos do objeto “direito”, para determinar seus elementos essenci­
ais, que, por sua vez, serão estudados pelos juristas41.

O conhecim ento jurídico supõe a determ inação do conceito do direito42.
“O conceito tem a função lógica de um ‘a priori’, é um esquem a prévio, um
ponto de vista anterior, munido do qual o pensamento se dirige à realidade,
desprezando seus vários setores e somente fixando aquele que corresponde às
linhas ideais delineadas pelo conceito”43.

Sendo esse conceito um suposto da ciência jurídica, ela jamais poderá
determiná-lo. A definição essencial do “direito” é tarefa que ultrapassa a sua
competência. Trata-se de problema supracientífico ou jusfilosófico, pois a ques­

primeira acepção que empregamos neste item esse vocábulo. Consulte também Luiz Fernando Coe­
lho, Teoria, cit., p. 19 e 51; Ricardo A. Guibourg, Instrucciones para el uso de la ciência del derecho,
Revista Abrafi de Filosofia Jurídica e Social, n. 1, p. 20-5.

41. Júlio Luis Moreno, Los supuestos filosóficos, cit., p. 54; Lourival Vilanova (Sobre o con­
ceito do direito, cit., p. 76 e 88) assevera que a questão gnoseológica não elimina o aspecto ontológico,
mas o implica como fundamento necessário. Goffredo Telles Jr. (Tratado, cit., p. 325) diz: “De grande
valor é a definição na investigação científica; ela demarca o objeto a estudar”. A filosofia do direito
compreende três temas fundamentais: 1) o problema da essência do direito (ontologia ju ríd ica ), in­
vestigando o que é o direito, para chegar a defmi-lo e precisar seu conceito; 2) o problema do conhe­
cimento do direito (epistemologia jurídica), que no sentido estrito é a teoria da ciência jurídica, pois
tem a incumbência de estudar os pressupostos, os caracteres do objeto, o método do saber jurídico-
científico, sua posição no quadro das ciências e suas relações com as ciêhcias afins. A epistemologia
jurídica é considerada em sentido amplo como sinônimo de gnoseologia jurídica, que estuda crítica e
reflexivamente a origem, a natureza, os limites e a veracidade do conhecimento jurídico-científico e
os critérios de possibilidade e de validade do saber jurídico; 3) o problema da justiça e dos valores do
direito (axiologia jurídica), indicando as finalidades do direito. V. A. Franco Montoro, Introdução,
cit., v. 1, p. 130-2; Machado Neto, Teoria da ciência jurídica, cit., p. 4; Johannes Hessen, Filosofia
dos valores, 3. ed., Coimbra, Armênio Amado Ed., 1967, p. 19; Carlos Mouchet e Ricardo Z. Becu,
Introducción al derecho, 7. ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1970, p. 75; Luis Cabral de Moncada,
Direito positivo e ciência do direito, Porto Alegre, Fabris, 2003.

42. Emst von Beling, La science du droit, sa fonction et ses limites, in Recue.il d ’études stir les
sources du droit, en honneurde Geny, t. 2, p. 150; Del Vecchio, Filosofia del derecho, p. 267 e s.; Stammler,
Economia y derecho según la concepción materialista de la historia, Madrid, 1929, p. 102 e s.

43. Lourival Vilanova, Sobre o conceito do direito, cit., p. 28 e 29. Não se trata de formular
uma definição nominal do direito, que consiste em dizer o que uma palavra significa. Nem convém
empregar uma definição real descritiva, que é utilizada, em regra, nas ciências naturais, pois é aquela
que à falta dos caracteres essenciais enumera os exteriores mais marcantes de uma coisa, para permitir
distingui-la de todas as outras; nem uma definição acidental que revela tão-somente um elemento
acidental, próprio do definido, mas contingente. A definição que se deve buscar é a real-essencial, que
consiste em dizer o que a coisa é, desvendando as essências das próprias coisas que essa palavra
designa (v. Régis Jolivet, Curso de filosofia, cit., p. 36).

Ciência jurídica 29

tão do “ser” do direito constitui campo próprio das indagações da ontologia
j u r í d i c a 44.

Contudo a ontologia jurídica, ao executar sua missão, encontrará, em seu
caminho, intrincadas dificuldades que desafiam a argúcia dos pensadores45.

O grande problema consiste em encontrar uma definição única, concisa e
universal, que abranja as inúmeras manifestações em que se pode apresentar o
direito46 e que o purifique de notas contingentes, que velam sua verdadeira nature­
za, assinalando as essências47 que fazem dele uma realidade diversa das demais.

Com o nos ensina, com clarividência, Lourival Vilanova48, o conceito,
para ser universal, há de abstrair todo conteúdo, pois o único caminho possí­
vel será não reter no esquema conceituai o conteúdo, que é variável, contin­
gente, heterogêneo, determinado hic et nunc, mas sim as essências, que são
permanentes e homogêneas. Ante a multiplicidade do dado, o conceito deve
conter apenas a nota comum, a essência que se encontra em toda multiplicidade.

No entanto, não há entre os autores um certo consenso sobre o conceito do
direito; impossível foi que se pusessem de acordo sobre uma fórmula única.
Realmente, o direito tem escapado aos marcos de qualquer definição universal;
dada a variedade de elementos e particularidades que apresenta, não é fácil dis­
cernir o mínimo necessário de notas sobre as quais se deve fundar seu conceito.

Isto é assim porque a palavra direito não é unívoca nem equívoca49, mas
análoga, pois designa realidades conexas ou relacionadas entre si. Deveras,
esse termo ora se aplica à “norma”, ora à “autorização” dada pela norma de ter
ou de fazer o que ela não proíbe, ora à “qualidade do justo” etc., exigindo
tantos conceitos quantas forem as realidades a que se refere. Em virtude disso,
impossível seria dar ao direito uma única definição.

Mas, devido ao princípio metódico da divisão do trabalho, há necessi­
dade de se decompor analiticamente o direito, que é objeto de várias ciências

44. Para Hegel, o problema do conceito é uma questão filosófica (ontológica) e não lógica ou
gnoseológica (Filosofia del derecho, p. 37 e 45-62; Lci phénoménologie de 1'esprit e Filosofia de la
historia universal, p. 86-100). Del Vecchio (Lezioni di filosofia del diritto, 9. ed., Milano, Giuffrè.
1953, p. 2) escreve: “La definizione del diritto in genere è una indagine che trascende la competenza
de ogni singola scienza giuridica ed è invece il primo compito delia Filosofia del Diritto'’.

45. V. as observações de Manuel G. Morente, Fundamentos de filosofia, cit., p. 1 19.
46. Alexandre Volansky, Essai d ’une définition expressive du droit basée sur l ’idée de bonne
fo i — étucle de doctrine juridique, Paris, Librairie de Jurisprudence Ancienne el Moderne/Édouard
Duchemin, 1930, Ia parte, cap. 2, sec. Ia, § l e, n. 29 e s., p. 65 e s.
47. V. Fausto E. Vallado Berrõn, Teoria general del derecho, cit., p. 7; Morente, Fundamentos
de filosofia, cit., p. 76 e 96.
48. Sobre o conceito do direito, cit., p. 64-7.
49. Termo unívoco é o que se aplica a uma só realidade e equívoco o que designa duas ou mais
realidades desconexas (Goffredo Telles Jr., Tratado, cit., p. 329-31; A. Franco M ontoro, Introdução,
cit., v. 1, p. 35-8).

30 Compêndio de introdução à ciência do direito

— sociologia jurídica, história do direito, jurisprudência — constituindo as­
sim o aspecto em que será abordado50.

Não se julgue que o prisma sob o qual a ciência jurídica há de considerar
seu objeto seja algo que o jurista já encontre determ inado51, pois a escolha da
perspectiva em que se vai conhecer está condicionada, como vimos, pelo siste­
ma de referência daquele que conhece o objeto52 e pressupõe uma reflexão
sobre as finalidades cognoscitivas que ele aspira conseguir e sobre o tipo de
conhecim ento que pretende obter53.

Tem a ciência jurídica uma atitude teórica ou prática? Ou ambas ao mes­
mo tempo? Teria uma função crítica?

Este é outro problema a solucionar: o caráter teórico, prático ou crítico da
jurisprudência depende da posição e do objeto de cada autor ou cientista do
direito54.

A ciência jurídica é considerada ora como scientia, pelo seu aspecto teó­
rico, ora com o a rs, pela sua função prática55. Outros ainda dão ao problem a
um a solução eclética56.

Fácil é evidenciar os liames que se estabelecem entre o sujeito e o objeto,
pois o sujeito cognoscente (jurista) tende para o objeto (direito).

E o critério filosófico adotado pelo jurista que determina seu objeto. Essa
operação pela qual se constitui o objeto deve ser, obviamente, governada pelo
m étodo51, que fixará as bases de sistem atização da ciência jurídica.

50. Lourival Vilanova, Sobre o conceito cio clirelto, c it, p. 40, 50 e 57.
51. J. L. Moreno, Los supuestos filosóficos, cit., p. 33 e 38.
52. Goffredo Telles Jr., O direito quântico, cit., p. 284-93.
53. J. L. Moreno, Los supuestos filosóficos, cit., p. 34.
54. Miguel Reale (Filosofia do direito, cit., v. 2, p. 336) explica: a obra do jurista persegue três
propósitos fundamentais: a) científico ou teorético, mediante a análise e sistematização dos preceitos
jurídicos vigentes, podendo encontrar princípios gerais; b) prático, pela exposição do ordenamento
jurídico e interpretação das normas jurídicas, para facilitar a tarefa de aplicar o direito; c) crítico, quando
se afastado comentário e sistematização para julgar sua justiça ou conveniência e sua adequação aos fins
a que o direito deve perseguir, emitindo juízo de valor sobre o conteúdo de uma ordem jurídica.
55. No Digesto, p. ex., encontramos jurisprudentia est divinarum atque humanaram rerum
notitia iusti atque iniusti scientia (Inst. 1, I);ju s est ars boni et aequi (Celso, 1D, 1, 1).
56. V. as observações de A. Torré, Introducción al derecho, cit., p. 55; Van Acker, Curso de
filosofia do direito, Revista cia PUCSP, cit., 34 (65-6): 185, 1968; A. Franco Montoro, Introdução,
cit., v. 1, p. 82 e 83; Theodor Viehweg, Argumentação jurídica e modelo sistemático na história — a
Era M oderna, trad. Tércio Sam paio F erraz Jr. (esse trabalho com o título de D ie Juridlsche
Argumentation in der Geschichte II — die Neuzeit foi apresentado no Congresso Mundial de Filosofia
do Direito e Social, em Bruxelas, em 1971).
57. A palavra método é formada pela justaposição de dois vocábulos gregos: meta e odos. Meta,
com o significado de fim, objeto que tende a uma atividade, através de, mediante. Odos eqüivale a
caminho, trâmite. O composto método quer dizer caminho para, o meio para o fim, ou seja, é o caminho
ordenado que conduz a ciência aos enunciados verdadeiros. Sobre a noção de método e sua importância
para a ciência, consulte: José Lois Estevez, Investigación científica y su propedeutica en el derecho.

Ciência jurídica 31

A ciência do direito é uma inquietude ante o problemático. Assim sendo,
esse problema só pode ser por ela solucionado se se eleger um caminho que
possibilite ao sujeito pensador idéias firmes sobre o objeto de sua análise. Ve­
rifica Tércio Sam paio Ferraz Jr. que há grandes debates sobre o método da
ciência jurídica. Dentre eles ressaltam-se três posições: a) a que insiste na
“historicidade” do método e vê a ciência do direito como uma atividade m etó­
dica, que consiste em pôr em relevo o relacionamento espácio-temporal do fe­
nômeno jurídico, buscando neste relacionamento o seu “sentido”; b) a que de­
fende uma concepção analítica, reduzindo a atividade metódica do jurista ao
relacionamento do direito com as suas condições lógicas; e c) a que, evitando
posições historicistas, tenta um relacionamento do direito com as condições
em píricas a ele súbjacentes, na busca de “estruturas funcionais”58. É im pres­
cindível que a pesquisa jurídico-científica adote um método apropriado, por­
que a segurança e a validade do resultado do pensamento científico dele advém.

O cientista está autorizado a escolher seu itinerário, mas isto em função
do ponto de vista sob o qual estudará seu objeto. Deve descobrir a rota exata
que conduza aos fins que persegue. O sucesso de uma investigação científica
depende do método adotado. Sem um método que dê coerência e sentido à
operatividade científica, as tentativas de conhecer desembocam em experim en­
tos sem consistência59.

De que modo deve conduzir-se o pensamento do jurista para obter o co­
nhecimento científico-jurídico? Pode-se empregar no campo do direito um
método análogo ao adotado para conhecer um fenômeno físico-natural? Qual

Caracas, 1970, t. 1, p. 74; A. Franco Montoro, Os princípios fundam entais do método no direito, Livr.
M artins Ed., 1942, p. 40; Sanchez Roman, Estúdios de derecho civil; Ram on Badenes Gasset,
Metodologia del dereclw, Barcelona, Bosch, 1959, p. 17-35; Miguel Reale, Lições prelim inares, cit.,
p. 10; K. Jaspers, Esencia y valor de la ciência, Re v. Universidad Nacional del Litoral, cit., p. 161; J.
Hessen, Tratado defilosofia, cit., p. 392; Lastra, Que es el derecho?, cit., p. 87; Bonnecase, Introduction
à 1’étude du droit, 2. ed., Paris, Sirey, 1931, p. 271; Goblot, Le vocabulaire philosophique, 5. ed.,
1920; Heidegger, Ser e tempo, p. 24, 109 e 146; Stein, A questão do método na filosofia — um estudo
do modelo heideggeríano, Livr. Duas Cidades, 1973. Duas são as espécies de método, sendo que a
nota diferenciadora encontra-se no ponto de partida do conhecimento: a) discursivo, quando o espíri­
to marcha por etapas mediante um procedimento escalonado de verificações mediatas ou indiretas; a
indução é o argumento que conclui pelo particular, por intermédio de enumeração de casos particula­
res. Na indução generalizadora o espírito procede do particular para o geral, constituindo um processo
de descoberta de verdades gerais. E na indução analógica o pensamento percorre um ou mais casos
particulares para chegar ao particular; a dedução é a argumentação que conclui por intermédio de um
elemento total; b) intuitivo, quando a apreensão do objeto se efetua de modo direto e imediato; é o que
se projeta sobre o objeto sem que nada se interponha entre o sujeito que conhece e o objeto qué se
procura conhecer (Torré, Introducción al derecho, cit., p. 441; José Cretella Jr., Curso de filosofia do
direito, Bushatsky, 1967, p. 51; M. Helena Diniz, Conceito de norma jurídica como problema de
essência, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, p. 9 e 10).

58. Luiz Fernando Coelho, Teoria, cit., p. 72; Valdour, Les méthodes en science sociale, Paris,
A. Rousseau, 1927, p. 12; Tércio Sampaio Ferraz Jr., A ciência do direito, cit., p. 15.

59. V. José Salgado Martins, O método no direito, Revista da Faculdade de Porto Alegre, T.903
e s., 1951, ano 3.

32 Compêndio de introdução à ciência do direito

o método adequado ao estudo do direito? O método científico por si só conduz
a um resultado seguro?

A finalidade de sistematização tem sido negada por alguns autores, como,
por exemplo, Esser, e defendida com veemência por outros, dentre eles Kelsen,
Engisch, Larenz, Coing, Giovanni, Legaz y Lacambra, M iguel Reale60.

Cabe-lhe, sem dúvida, como verem os, a tarefa de sistem atizar o
ordenamento jurídico.

Há, ainda, quem duvide da viabilidade de um conhecimento científico do
direito, negando a cientificidade da Jurisprudência. Existe ou não possibilida­
de de se submeter o direito a qualquer conhecimento científico? É a Jurispru­
dência uma ciência?

Para uns61, adeptos do ceticismo científico-jurídico, o direito é insuscetível
de conhecimento de ordem sistemática, afirmando com isso que a ciência jutidi-

60. ílans Kelsen, Teoria pura do direito, 2. ed., Coim bra, Armênio Amado Ed., 1962, v. Le 2;
Engisch, Introdução ao pensam ento jurídico, 2. ed., Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1964; Larenz,
M etodologia de Ia ciência del derecho, Barcelona, Ed. Ariel, 1966, p. 35; Coing. Fundamentos de Ia
filosofia del derecho, Barcelona, 1961; Giovanni, Dal sistema sopra al sistema, RIFD, 1965, v. 1 e 2,
p. 71 e s.; Legaz y Lacambra, Filosofia del derecho, 3. ed., Barcelona, Bosch, 1972, p. 87; Miguel
Reale, Filosofia do direito, cit., v. 1, P- 57.

61. Erik Wolf (El carácter problemático, cit.) e Bobbio (Teoria delia scienza giuridica, Torino,
Giappichelli, 1950, p. 53) citam os que assim pensam, dentre eles Chamberlain (Grundlagen des
neunzehnten jahrhunderts, 1890), que afirma: “A jurisprudência é uma técnica...”; Nussbaum (Ueber
aufgabe und Wesen der Jurisprudenz, Z eitfü r Sozialwiss, v. 9, lasc. 17), para quem a ciência jurídica não
é uma verdadeira ciência, mas é uma técnica, por estudar normas apenas sob o ponto de vista formal e
não como fatos determinados pela vida espiritual da sociedade; Max Rumpf (Volk und Recht, 1910, p. 93
e s.) que pondera que a ciência do direito não é ciência, nem técnica, mas uma organização; Franz W.
Jerusalem (Kritik der Rechtswissenscliaft, 1948, p. 53), para quem “a jurisprudência carece de liberdade
de pensamento (necessária a toda ciência autêntica) porque está ligada à autoridade da teoria predomi­
nante”; Max Salomon (Grundlegung zur Rechtsphilosophie, 1925, p. 54) flue diz que “a jurisprudência
não é ciência, porque o objeto de seu estudo varia a todo momento”; e principalmente Julius Herman
von Kirchmann, como se pode ver em sua obra La jurisprudência no es ciência (Madrid, Instituto de
Estúdios Políticos, 1949). Von Kirchmann, na obra Die Wertlosigkeit der Jurisprudenz ais Wissenschafl
(A falta de valor da jurisprudência como ciência), 1848, na p. 37 da edição de G. Neesse, de 1938,
escreveu: “bastariam três palavras retificadoras do legislador e bibliotecas inteiras se transformam em
papel sem valor”. Sobre Von Kirchmann, v. Theodor Sternberger, J. H. von Kirchmann, 1908; Dorantes,
íQ u ê es el derecho?, México, UTEHA, 1962, p. 12-5; e Vincenzo Palazzolo, La filosofia de! diritlo de
Julius Binder. Milano, Giuffrè, 1947, p. 51-7, 126-31. Theodor Viehweg (Ideologie und Rechtsdomalik,
in Ideologie und Recht, Frankfurt, Ed. Maihofer, 1968, p. 90-6) entende que a ciência do direito não é
ciência, porque a cientificidade, apesar de se fundar na possibilidade de objetivação, deve pressupor uma
referência à atividade intencional da subjetividade e a jurisprudência, embora ligada ao mundo real, não
se volta à subjetividade. A cientificidade exigiria uma neutralidade axiológica, em conseqüência da
dessubjetivação da metodologia, visto que o método axiológico requer uma relação dialógica a um
sujeito. A cientilicidade requer a eliminação da dialogicidade, logo a possibilidade de uma cientifização
da jurisprudência levaria a sua desideologização. Nesse mesmo teor de idéias v. Ballweg, Science, prudence
et philosophie du droit, ARSP, 5Z(4):550-3, 1965, e Rechtswissenscliaft und Jurisprudenz, Basee, 1970.
As concepções de Viehweg e Ottrnar Ballweg, aqui apontadas, foram abordadas por Tércio Sampaio
F enaz Jr. (Algumas observações em tomo da cientificidade do direito, segundo Miguel Reale, RBF, fase.
74, p. 228-30, 1969.) Interessante é o estudo de Cláudia Lima Marques: A crise científica do direito na pós-
modemidade e seus reflexos na pesquisa, Arq. Minist. Justiça, Brasília, J0(189):49-64, jan./jun. 1998.

Ciência jurídica 33

ca não é, na realidade, uma ciência, baseados na tese de que o seu objeto (o
direito) modifica-se no tempo e no espaço, e essa mutabilidade impede ao jurista
a exatidão na construção científica, ao passo que o naturalista tem diante de si
um objeto permanente ou invariável, que lhe permite fazer longas lucubrações,
verificações, experiências e corrigir os erros que, porventura, tiver cometido.

Para outros, que constituem a maioria, a Jurisprudência é um a ciência62,
pois não há por que negar sua cientificidade, visto que contém todas aquelas
notas peculiares ao conhecimento científico. A Jurisprudência possui caráter
científico, por se tratar de conhecimento sistemático, metodicamente obtido e
demonstrado, dirigido a um objeto determinado, que é separado por abstração
dos demais fenômenos. A sistematicidade é um forte argumento para afirmar a
cientificidade do conhecim ento jurídico63.

É mister salientar que a ciência jurídica só veio consolidar-se no século
XIX. Inúm eras são as concepções epistem ológico-jurídicas atinentes à
cientificidade da Jurisprudência, todas elas peculiares ao pensam ento
jusfilosóficQ do século passado e do atual64.

Verifica-se, portanto, que há discrepâncias irredutíveis a respeito do tema
em questão, impossibilitando pronunciamentos definitivos sobre os proble­
mas levantados. Ante a impossibilidade de se captar com exatidão o objeto de
investigação da ciência jurídica e de se eleger o seu método adequado, por
não haver um “equilíbrio epistem ológico”63 na abordagem científica do direi­
to, a investigação jurídico-científica torna-se difícil, pois “toda e qualquer
solução do problema envolve uma decisão metacientífica, cujas raízes filosó­

62. P. ex.: Heinrich Rickert, Ciência cultural y ciência natural, Buenos Aires, Espasa-Calpe,
1943; Wundt, Introdução às ciências do espírito\ Recaséns Siches, Tratado general de filosofia del
derecho, 3. ed., México, Porrúa, 1965; Larenz, M etodologia, cit.; M. G. Morente, Fundamentos de
filosofia, cit.; Miguel Reale, Lições preliminares, cit.; Machado Neto, Teoria da ciência jurídica, cit.;
A. Torré, Introducción, cit.; Luiz Fernando Coelho, Teoria, cit. Observa Tércio Sampaio Ferraz Jr. (A
ciência do direito, cit., p. 13) que: A grande maioria dos juristas costuma falar que as suas investiga­
ções nos diversos ramos jurídicos têm um caráter científico, sem se preocupar muito com as justifica­
ções requeridas pelo prisma proposto ou suposto. Assim, continua o eminente jusfilósofo, se percor­
rermos os tratados de direito civil, direito comercial, direito penal e outros, podemos assinalar duas
preocupações que revelam um aparente comum acordo sobre a existência de uma ciência do direito,
nas suas diversas ramificações, e sobre sua especificidade: Ia) definir cada um destes ramos como
partes de uma ‘‘ciência unitária do direito”; e 2a) distinguir a “ciência do direito” , propriamente dita,
de outras com as quais mantém relações, em geral, de subsidiariedade, p. ex., ciência do direito penal
e criminologia; psicologia forense, sociologia criminal. Fala-se em ciência dogmática do direito, para
distingui-la da psicologia, da história e outras.

63. Tércio Sampaio Ferraz Jr., A ciência do direito, cit., p. 13. Convém repetir que a expressão
“ciência jurídica” é empregada para designar a jurisprudência, isto é, o ramo especial do conhecimento
que trata do fenômeno jurídico, sob um ponto de vista único, idêntico a si mesmo e que não se confunde
com o das demais ciências que se ocupam do direito (Luiz Fernando Coelho, Teoria, cit., p. 19 e 51).

64. Cossio, Teoria de la verdad jurídica, Buenos Aires, Losada, 1964, p. 22, e Las actitudes
filosóficas de la ciência del derecho, Buenos Aires, Ca Ley, 1956; Machado Neto, Teoria da ciência
jurídica, cit., p. 80 e 85-118.

65. Granger, A razão, cit., p. 83.

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34 Compêndio de introdução à ciência do direito

ficas não se escondem ”66. A crise da ciência do direito consiste, exatamente,
nessa grande inexatidão, daí a aporia do conhecimento científico-jurídico, que
persistirá enquanto os juristas não se puserem de acordo sobre o objeto e méto­
do de sua ciência.

A apreciação, que pretendemos fazer nesta obra, será restrita a uma refle­
xão filosófica. É a epistemologia jurídica que se ocupa da ciência do direito,
estudando os seus pressupostos, analisando os fundamentos em que repousam
os princípios que informam sua atividade, bem como a delimitação de seu
objeto temático, procurando verificar, ainda, quais os métodos, ou melhor, os
meios lógicos que dão garantia de validade aos resultados teóricos alcançados.
De maneira que não é o teórico do direito, ou seja, o jurista, quem vai estabe­
lecer as condições de certeza ou de verdade dos juízos formulados, fixando os
requisitos de coerência, mas sim o epistemólogo. Por isso nosso ensaio situa-
se no âmbito da epistemologia jurídica que fundamenta filosoficamente a ci­
ência do direito67, já que, no dizer de Van Acker, “sem jusfilosofia a ciência
jurídica é cega; sem ciência jurídica a jusfilosofia é vã”68.

QUADRO SINÓTICO
CARÁTER PROBLEMÁTICO DO TEMA CIÊNCIA JURÍDICA

PROBLEMAS delimitação do termo “ciência” da ciência do direito
EPISTEMOLÓGICOS - determinação do objeto da especulação jurídi-
DA CIÊNCIA JURÍDICA co-científica
especificidade do método da ciência jurídica
reflexão sobre o caráter teórico, prático ou crítico
da jurisprudência
distinção entre ciência do direito e outras ciências
que têm por objeto o estudo dos fenômenos jurí­
dicos
considerações sobre a “cientificidade” ou “não-
cientificidade” da jurisprudência
fundamentação doutrinária da cientificidade do

conhecimento jurídico

66. Tércio Sampaio Fenaz Jr., A ciência do direito, cit., p. 16.
67. J. M. Vilanova, Filosofia del derecho, cit., p. 50; Van Acker, introdução à filosofia —
lógica, cit., p. 7; A. B. Alves da Silva, Introdução, cit., p. 143; Miguel Reale, O direito como experi­
ência — introdução à epistemologia jurídica, São Paulo, Saraiva, 1968, p. 87; Bobbio, Teoria delia
scienza giurídica, cit., p. 6; Machado Neto, Teoria da ciência jurídica, c it, p. 168. Sobre a problem á­
tica do tema ciência jurídica, consulte: Antonio H ernández Gil, Problemas epistemológicos de la
ciência jurídica, Madrid, Ed. Civitas, 1976; Maria Helena Diniz, A ciência jurídica, c it , p. 1-11.
68. Leonardo van Acker, Experiência e epistemologia jurídica, RBF, 19(14): 154, 1969. Karl
Jaspers (Filosofia de la existencia, Madrid, 1958, p. 23) escreve: “Sin filosofia la ciência no se comprende
a sí misma”; B. Mantilla Pineda, La crisis de las ciências del derecho, in Filosofia-II, Anais do VIII
Congresso Interamericano de Filosofia e V da Sociedade Interamerícana de Filosofia, cit., p. 409-14.


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