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Published by vallimw, 2018-05-30 15:13:30

Revista CAASP Ed. 35

Revista CAASP Ed. 35

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Segundo o CNJ, 40% dos casos judiciais pendentes referem-se a execuções
fiscais e processos envolvendo bancos, companhias telefônicas e INSS. Essas
questões não poderiam ser solucionadas por agências reguladoras ou pela
própria administração pública?

Entendo perfeitamente possível que as execuções fiscais fossem processadas
em via administrativa até a ocorrência da eventual penhora. Depois da penhora
de bens do executado, aí sim a oposição de defesa por meio de embargos às
execuções fiscais deveria ser encaminhada ao Poder Judiciário. Existe projeto
de lei nesse sentido com o qual concordo perfeitamente. No que diz respeito
às questões envolvendo bancos, companhias telefônicas e INSS, entendo que
fomentar meios mais simplificados de solução de demandas, como os Juizados
Especiais e os Cejuscs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania),
seria a solução adequada para que esse grande volume de processos não
emperre o andamento do Poder Judiciário.

Como seria um mecanismo eficiente de aglutinação de processos? Seria nos
moldes da “class action” anglo-americana?

Infelizmente, a sistemática das ações coletivas, já de há muito disciplinada
no nosso ordenamento jurídico, não surtiu os efeitos esperados, no sentido
de solucionar o problema das demandas repetitivas. A aposta, agora, é no
microssistema de formação de precedentes vinculantes introduzido pelo novo
CPC, precisamente com o escopo de melhor gerir as demandas de massa, e, ao
mesmo tempo, equacionar a instabilidade jurisprudencial, de modo a alcançar
maior segurança jurídica e isonomia para os litigantes.

O modelo das class actions, adotado nos Estados Unidos, não me parece estar
em consonância com o sistema brasileiro. Nesse modelo, um representante
(que pode ser qualquer advogado) litiga em nome de todos os integrantes
de uma classe (grupo de pessoas que compartilham uma questão de fato
ou de direito comum), que, embora não atuem no feito, ficam vinculados ao
seu resultado (eficácia da coisa julgada), seja ele favorável ou desfavorável à
classe, a não ser que formulem requerimento expresso de exclusão (opt-out
mechanism). A adoção de sistema análogo no ordenamento brasileiro afigura-
se desnecessária, considerando que já há entes dotados de legitimidade para
ajuizar demandas coletivas (Ministério Público, Defensoria Pública, associações
etc.), bem como já se formou, como dito, um microssistema de precedentes
vinculantes, o que garante uniformidade ao menos no que toca às questões de
direito mais relevantes.

REVISTA DA CAASP 51 ESPECIAL

SAÚDE WEB

SAÚDE 52 REVISTA DA CAASP

MUITOS
MÉDICOS,
POUCA SAÚDE

O Brasil alcançou o seu ápice em número
de médicos. Em janeiro de 2018 eram

452.801 médicos em atividade no país, à
razão de 2,18 por mil habitantes, segundo o

estudo Demografia Médica no Brasil 2018,
divulgado em 20 de março, e produzido

pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP)
com apoio do Conselho Federal de Medicina

(CFM) e do Conselho Regional de Medicina
do Estado de São Paulo (Cremesp).

reportagem | KAROL PINHEIRO

REVISTA DA CAASP 53 SAÚDE

O que poderia ser motivo de orgulho de profissionais de saúde nos pequenos
tornou-se uma preocupação. É que o municípios, nas periferias das grandes
número, elevado, não significa que esses cidades e em várias unidades do Sistema
profissionais estejam bem distribuídos Único de Saúde (SUS), num país que tem
pelo território brasileiro. Na verdade, há investido maciçamente na formação de
imensas discrepâncias de distribuição médicos, são as históricas desigualdades
entre regiões, especialidades, qualidade do no interior do próprio sistema e as
atendimento e entre os sistemas público ambiguidades das políticas federais
e privado. Enquanto a cidade de Vitória, implantadas até aqui.
no Espírito Santo, tem 12 médicos por mil
habitantes, por exemplo, regiões do interior “A política que impulsionou a formação
do Nordeste têm menos de 1 médico por de novos médicos e especialistas permitiu
mil habitantes. Hoje, mais da metade dos que chegássemos ao número expressivo
médicos em atividade se concentra nas que temos hoje, mas ela foi seguida de
capitais, onde mora menos de um quarto um expressivo desfinanciamento do SUS
da nossa população. e de sua precarização, ao mesmo tempo
que foi ofertado ao setor privado políticas
Para o coordenador do estudo, Mário de incentivo para seu crescimento e
Scheffer, professor da Faculdade de desenvolvimento”, explica Scheffer.
Medicina da USP, o que explica a carência
A maior parte dos países da América

USP Imagens

Mario Scheffer: “A formação de novos médicos foi seguida pela precarização do SUS”
SAÚDE 54 REVISTA DA CAASP

Latina - com economias bem menores que emprego, ausência de plano de carreira,
a brasileira e alguns até em crise econômica falta de segurança e de condições dignas de
mais grave que a nossa, como a Argentina trabalho, além de inexistirem programas
- aplica mais em saúde que o Brasil. Aqui de educação continuada”, enumerou
são investidos por habitante 565 dólares Camarim, destacando: “É verdade que
por ano. Na Argentina, investem-se 980 em alguns setores privados o profissional
dólares. Economistas já afirmam que também sofre com desvalorização e planos
pode haver uma queda vertiginosa desses que não pagam bem, porém as condições
investimentos nos próximos anos se a de trabalho são melhores e mais seguras”.
emenda constitucional que congelou os
gastos com saúde e educação não for O estudo Demografia Médica
revertida e se a economia não voltar a entrevistou 4.601 médicos formados entre
crescer de forma sustentável. 2014 e 2015 e que se registraram em um
dos 27 Conselhos Regionais de Medicina.
O presidente do Cremesp, Lavínio 47% disseram que, caso as condições de
Nilton Camarim, listou à Revista da CAASP o trabalho, a remuneração e o número de
conjunto de problemas que tem afastado horas fossem equivalentes nos setores
os médicos do SUS e que, note-se, têm públicos e privados, optariam por trabalhar
como ser corrigidos - basta vontade no SUS. 12% escolheriam a rede privada, e
política. “Há precariedade dos vínculos de o restante mostrou-se indiferente.

REVISTA DA CAASP 55 SAÚDE

UM PROGRAMA a implementação do Mais Médicos e o seu
POSITIVO, MAS QUE impacto na cidade que ainda hoje tem o
NÃO BASTA pior Índice de Desenvolvimento Humano
do país, Melgaço, no Pará. “O que vi foram
A atenção básica à saúde desde sempre profissionais humanizados, que faziam
é um grave problema brasileiro. Em a mais inteligente forma de promoção à
2013, quando a então presidente Dilma saúde. Estavam próximos da comunidade,
Rousseff anunciou a criação do programa visitando as casas ou proferindo palestras
Mais Médicos, para tentar corrigir a má nas escolas, realizando um diagnóstico dos
distribuição de recursos humanos nessa problemas específicos daquela realidade
área, parte da categoria médica e da e propondo medidas de correção rápidas
população colocou-se contrária. Isso que ajudaram a prevenir doenças”, conta
porque o programa recrutava médicos Alice.
estrangeiros, principalmente cubanos,
para integrar as equipes que seriam Ela registrou em vídeo os oito dias em
enviadas aos diversos municípios do país que esteve na cidade, conhecendo seu
que careciam de profissionais de saúde. sistema de saúde – que contava com dois
médicos generalistas que se revezavam
A documentarista Alice Riff acompanhou quinzenalmente na cidade para atender
os 25 mil moradores, sendo que 70% deles
viviam na zona rural, longe da unidade
básica de saúde – e acompanhando o
trabalho das médicas cubanas Maribel
Herrera e Maribel Saborit.

Ismael Francisco (fotos públicas)

“O que vi foram profissionais humanizados”, disse Alice Riff sobre os cubanos do Mais Médicos.
SAÚDE 56 REVISTA DA CAASP

imagem do documentário “Em Melgaço faltava infraestrutura, O TCU, contudo, faz ressalvas ao
saneamento básico. Consequentemente, programa do Governo Federal. Cobra mais
faltava higiene. Isso atingia em cheio a transparência quanto às transferências
saúde da população, especialmente das de recursos à Opas (Organização Pan-
crianças, que frequentemente estavam Americana de Saúde), operadora financeira
com diarreia. Mas, ainda assim, as médicas do programa e encarregada de repassar o
cubanas garantiram a promoção da saúde, dinheiro para o governo cubano. O Tribunal
ensinando a comunidade a tratar a água recomenda ainda que haja substituição
antes do consumo e a lavar melhor os gradual do contingente de cubanos por
alimentos”, recorda. médicos brasileiros.

Com o trabalho de medicina preventiva Hoje, 18.240 médicos participam do
desenvolvido pelas médicas estrangeiras, o programa Mais Médicos - 5.274 formados
hospital de Melgaço, que vivia superlotado, no Brasil (29%), 11.429 cubanos (62,6%)
registrou dias sem nem sequer uma e 1.537 com diplomas de outros países
internação. O documentário “Dr. (8,4%). As vagas do Mais Médicos são
Melgaço”, produzido por ela para o site preferencialmente oferecidas para médicos
jornalístico Diário do Centro do Mundo via brasileiros e, quando não preenchidas, são
financiamento coletivo, está disponível no ocupadas por estrangeiros.
Youtube para quem quiser assistir.
Mário Scheffer atesta a utilidade pública
Melgaço (PA), dona do pior IDH do país. do programa, mas emenda: “Só o Mais
Médicos não resolverá o problema da má
Lá se vão mais de quatro anos desde distribuição dos médicos e muito menos
que o Mais Médicos foi implantado e é fará a saúde pública do Brasil dar um
muito difícil contestar seu impacto positivo. novo salto, porque o médico é só uma
Auditoria do Tribunal de Contas da União, peça dessa grande engrenagem que é o
feita em 2017, confirma a eficácia da medida SUS, e nem tudo depende da sua vontade
que proporcionou assistência a mais de 63 de estar ou não em determinado local. O
milhões de pessoas. Segundo relatório do sistema público precisa dar-lhe atrativos
Tribunal, houve aumento de 33% na média sólidos para que ele migre e se mantenha
mensal de consultas, enquanto as demais no local”.
cidades, que não contam com o programa,
viram uma expansão de 14%. QUANTIDADE NÃO É
QUALIDADE
REVISTA DA CAASP 57 SAÚDE
A primeira Faculdade de Medicina do
Brasil foi fundada em 1808, na Bahia, logo
após a chegada da família real portuguesa
ao país. Até a proclamação da República
(1889), o ensino superior desenvolveu-se
muito lentamente no Brasil, mas de alguns
anos para cá as faculdades, entre as quais

as de medicina, cresceram exponencialmente. Anadem
Temos hoje 307 escolas médicas no
Brasil, particulares na maioria (179), com
mensalidades altíssimas – algumas chegam
a custar 15 mil reais por mês. Para efeitos de
comparação, a China, com os seus 1,3 bilhão
de habitantes, tem apenas 150 faculdades de
medicina.

Para o presidente da Sociedade Brasileira Canal: “Imaginou-se que aumentando o
de Direito Médico e Biotética, Raul Canal, o número de médicos resolveria-se a saúde”
incentivo à multiplicação descontrolada dos
cursos de medicina do país foi um equivoco. metropolitanas.
“Imaginou-se que aumentando o número
de médicos resolveriam-se os problemas da Há 13 anos o Cremesp (Conselho Regional
saúde. É o mesmo que acreditar que formando de Medicina do Estado de São Paulo) aplica um
milhares de chefes de cozinha na Etiópia se teste para os recém-formados em medicina
acabaria com a fome daquele país”, ironiza. no Estado de São Paulo. “Infelizmente, o
Canal projeta um cenário desagradável para índice de reprovação dos egressos sempre
os novos médicos caso nada seja feito para foi alto, o que revela a precarização do ensino
melhorar o sistema. “Em 2050, haverá no Brasil em nosso país, sobretudo em algumas escolas
1,2 milhão de médicos. Não haverá mercado
para todos. Uns estarão certamente dirigindo Raphael Montanaro - Alesp
Uber, enquanto os outros trabalharão por
honorários vis em condições profissionais
sub-humanas”, prevê.

Para piorar, o indiscriminado crescimento
dos cursos de graduação não veio
acompanhado de mais qualidade. Por isso,
sociedades médicas e alguns conselhos de
medicina vêm lutando para aprovar um exame
obrigatório para os médicos recém-formados,
algo como o Exame da OAB, mas o tema ainda
não encontrou consenso na categoria.

A população, de sua parte, parece Camarim: reprovação alta
aprovar a medida. Em 2015, uma pesquisa em exame do Cremesp.
encomendada pela Associação Paulista de
Medicina ao Datafolha ouviu 4.060 pessoas
de todas as regiões do Brasil e mostrou que
nove em cada 10 brasileiros desejam que os
médicos passem por um “exame de Ordem”
antes de ingressarem no mercado de trabalho.
A percepção de que a qualificação dos médicos
tem piorado ao longo dos anos foi maior entre
os entrevistados que moravam nas regiões

SAÚDE 58 REVISTA DA CAASP

médicas particulares. Excepcionalmente, na Segundo Camarim, se um exame nacional
última edição (2017) o índice de aprovação for aprovado, a ideia é aperfeiçoar sua
atingiu 64,6% dos participantes”, destacou realização, aplicando-o não somente ao
o presidente do Cremesp, Lavínio Nilton término da faculdade de medicina, mas
Camarim. também durante o curso , no segundo e no
quarto anos, para analisar e corrigir a tempo
No exame aplicado pelo Cremesp os as áreas em que os alunos apresentem mais
candidatos respondem a perguntas sobre dificuldade.
clínica médica, clínica cirúrgica, pediatria,
ginecologia, obstetrícia, saúde pública, Depois de flexibilizar as regras para a
epidemiologia, saúde mental, bioética e abertura de novas escolas de medicina, o
ciências básicas. O estudante tem que fazer a Ministério da Educação mudou em 2017 sua
prova, mas, mesmo que seja reprovado, não política e determinou o congelamento de
é impedido de se tornar médico, por força da todos os processos de abertura de novos
lei. cursos de medicina no país por um prazo

Divulgação de cinco anos. O órgão
afirma que empreenderá
um “amplo estudo” sobre o
ensino médico. De acordo
com o MEC, a medida
“visa à sustentabilidade da
política de formação médica
no Brasil, preservando a
qualidade do ensino”.

TANTOS
EXAMES
PARA QUÊ?

Nos últimos anos o exame do Cremesp Hoje, é raro sairmos
apontou que seis em cada 10 médicos de uma consulta médica
formados não estavam aptos para diagnosticar sem a prescrição de uma
e aplicar a conduta terapêutica adequada em batelada de exames, mesmo quando não
situações recorrentes, como interpretar uma apresentamos sintomas de alguma doença.
radiografia (80% erraram o tratamento de um É comum entre os beneficiários de plano de
paciente idoso) e um exame laboratorial de saúde a ideia de que, como eles pagam um
diabetes (78% erram o diagnóstico da doença). convênio médico, devem usufruir totalmente
O mesmo se deu para mamografia (78%) e a dos recursos disponíveis, mesmo que seja
suspeita de apendicite (40%). somente para justificar seu investimento.
Em 2016, foram realizados um total de
796,7 milhões de exames complementares
(aumento de 12% em relação a 2014), segundo

REVISTA DA CAASP 59 SAÚDE

o Mapa Assistencial da Agência Nacional de A prática, além de ética e moralmente
Saúde Suplementar (ANS). Hoje, os médicos condenável, abre brechas para crimes graves
de planos de saúde brasileiros já pedem como os vistos na “máfia das próteses”,
mais exames de tomografia e ressonância investigada já há dois anos pela Policia Federal,
magnética do que profissionais de países mais que além de compras superfaturadas indicou
desenvolvidos. cirurgias sem necessidade.

Algumas variáveis contribuem para esse A principal estratégia para minimizar esse
cenário de dependência tecnológica nos problema, entende a ANS (Agência Nacional
procedimentos diagnósticos. Destacam-se o de Saúde Suplementar), seria a discussão de
modelo de remuneração das operadoras de novos modelos de contrato entre prestadores
saúde aos hospitais, que não recebem pela de serviço e operadoras, em que o pagamento
qualidade da assistência, mas pela quantidade fosse feito por resolutividade e não por
de serviços que prestam as falhas na formação procedimento realizado. No formato almejado,
médica e a judicialização da saúde. os planos deveriam remunerar melhor
também os prestadores que investissem em
Quanto à remuneração, cabe resgatar ações de saúde preventiva.
reportagem de fevereiro de 2017 pelo jornal
Folha de S. Paulo, que conversou com 17 Na ponta da judicialização, Raul Canal,
médicos na condição de anonimato das presidente da Sociedade Brasileira de Direito
cidades do Rio de Janeiro, Porto Alegre e Médico e Biotética, observa que os médicos
Salvador e todos confirmaram a existência têm usado os exames como instrumento de
de programas de benefícios em hospitais defesa contra possíveis processos judiciais.
privados que premiam médicos pelo volume “Os médicos estão com medo. Então, é
de exames, cirurgias e internações que melhor pecar pelo excesso. Nunca vi um
realizam. médico condenado por ter pedido exames

Alina Souza (fotos públicas) a mais. Todavia, já vi
inúmeras condenações por
negligência, decorrente do
fato de o médico não haver
solicitado um exame que
poderia ter conduzido a um
diagnóstico mais preciso”,
diz.

Somente no Estado de

São Paulo, são ajuizados

4.500 novos processos

indenizatórios contra

médicos todos os anos. Em

tal cenário, como saber se

uma prescrição médica é

pertinente? Não se trata

de condenar o médico que

796,7 milhões de exames complementares foram feitos em 2016.

SAÚDE 60 REVISTA DA CAASP

Tânia Rêgo (fotos públicas) solicita determinado exame, mas de fazer médicas atuais.
com que haja um diálogo franco entre médico
e paciente, como nas antigas consultas dos Uma série de campanhas tem procurado
médicos de família, e exames desnecessários sensibilizar os profissionais de saúde para
não sejam solicitados. Na verdade, falta a velha a necessidade de tornar o diagnóstico mais
e boa anamnese nas aceleradas consultas humano e seguro, recomendando-lhes
atenção redobrada nos exames clínicos e
Protesto de médicos no Rio de Janeiro. físicos dos pacientes em vez da solicitação
imediata de uma extensa lista de exames.
Um projeto nesse sentido denomina-se
Choosing Wisely, chegou ao Brasil no fim de
2016 e tem apoio da FioCruz. A ideia é que
cada especialidade sinta-se à vontade para
aderir à campanha e contribuir com uma
lista com recomendações de procedimentos
que podem ser evitados ou substituídos. A
Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a
Sociedade Brasileira de Medicina de Família
e Comunidade (SBMFC) já formularam suas
recomendações e publicaram em seus
respectivos portais da internet.|

REVISTA DA CAASP 61 DICAS

DICAS

DICAS 62 REVISTA DA CAASP

COMO ESCOLHER
BEM A SUA
VIAGEM

reportagem | CARVALHO GIL

As agências de viagens estão movimentadas nestes
dias que antecedem as férias de julho, mas por clientes
de comportamentos opostos. Os que costumam planejar
a vida já estão contratando pacotes para o Natal e o
Reveillon. Já os demais — a imensa maioria — procuram
algum pacote que sobrou para Julho.

“As pessoas deixam tudo para a última hora, já estamos
acostumados. Vão pagar um pouco mais por isso, mas
nem ligam. Descobriram que têm uma folga no orçamento
e decidiram viajar”, conta Ester Patriani, sócia de uma
agência de viagem no shopping Paulista, frequentado pela
classe média alta.

REVISTA DA CAASP 63 DICAS

No dia em que Ester recebeu a Arquivo Pessoal E.P preços menores por cada um dos itens,
reportagem, um dos funcionários tinha Reproduçãomas acabaria permanecendo os 25 dias
acabado de fechar um pacote com um em Orlando, o que, para muitos, é um
empresário que iria para a Rússia, ver um exagero, e a viagem não seria aquele
jogo da Copa do Mundo e depois daria uma evento inesquecível que se espera de um
esticada a Telavive, com a mulher, um casal passeio desses.
de filhos e o namorado da menina. Pagou
cerca de 150 mil reais. “Expliquei a ele que, depois de certo
tempo, não há mais o que fazer, e a viagem
Ester: às vezes ganha-se menos mas começa a ficar chata”, diz. “A mulher, que
preserva-se o cliente. estava ao lado, concordou comigo. Ela
disse ‘está vendo, eu falei para você: 25
No mesmo dia, um casal comprou dias é muita coisa’”, acrescenta.
um pacote para Orlando, para eles e três
filhos. Preço pago: 54 mil reais. Vão ficar Não é por bondade que o agente faz
no hotel Celebration, perto dos parques um aviso desse tipo. Viagem não é um
da Disney, durante duas semanas. É a serviço barato e, para o agente, é preciso
primeira viagem da família para a região de se empenhar para que o comprador goste
Orlando e o marido queria ficar 25 dias. O do pacote. Assim, aumenta a chance de ele
agente ponderou que o melhor era ficar 15 voltar.
e voltar em outra ocasião.
Um dos destinos com a melhor relação
“Eu sei que eu receberia mais se ele custo/benefício é Foz do Iguaçu. “Por
ficasse mais tempo, mas não seria bom mil reais, compra-se um pacote para lá.
para ele e, não sendo bom para ele, eu O passeio compreende cinco dias, com
poderia perder um cliente”, disse o agente.
É assim que funciona nas agências: quem Disney, em Orlando. Destino muito procurado.
está do outro lado da mesa atua como um
consultor, não apenas como um vendedor DICAS 64 REVISTA DA CAASP
de passagem.

Se comprasse as passagens aéreas, o
hotel e os ingressos para os parques da
Disney pela internet, talvez encontrasse

hotel e passagem aérea”, conta Alexandre Arquivo Pessoal A.L
Lucchesi, dono de três franquias de uma
das maiores operadores do Brasil. Reprodução Lucchesi: dono de três franquias de
operadoras.
A viagem para a cidade da tríplice
fronteira é barato em razão ao elevado Foz do Iguaçu, ótima relação custo/
número de voos e ao preço de hotéis abaixo benefício.
da média nacional, talvez pela oferta de
estabelecimentos no lado brasileiro e no
lado do Paraguai e Argentina — embora
ninguém vá para lá para ficar em Ciudad
del Este ou Puerto Iguazu.

Na cidade argentina, há muitos passeios
em restaurantes — a carne argentina é
insuperável. Já no Paraguai as compras são
pedida obrigatória. Mas a base do turista
brasileiro tem que ser Foz do Iguaçu. É
uma excelente opção para quem ainda não
decidiu o que fazer nas férias de julho —
boa e barata.

Mas atenção: mais do que cinco dias na
cidade das lindas cataratas pode ser tornar
um programa cheio de aborrecimento.

“Acaba o que fazer e a pessoa começa a
ver os defeitos: a torneira da pia do hotel
pinga, a porta do quarto range, faz barulho
na rua, o serviço do hotel é ruim. Tudo o
que era bom no começo passa a ser ruim.
Em viagens é assim: quando chega, é só
emoção, tudo é lindo, porque tudo está
fora da rotina, mas quando não há mais
o que fazer, bate a chateação”, diz Ester
Patriani.

Os agentes conhecem bem essa regra,
do tempo médio para cada passeio, mas
os critérios podem mudar dependendo
do perfil de quem quer fazer turismo. Por
exemplo, o produtor rural Ronaldo Marcola
poderia ficar um mês sem sair do hotel que
estaria muito satisfeito. Ao contrário da
mulher, Lina Llorente, ele tira férias só para
descansar.

REVISTA DA CAASP 65 DICAS

Reprodução

Chapada Diamantina, natureza e história juntas. deixaria para escolher o hotel quando
chegasse à cidade.
“Eu gosto muito de trilha”, conta Lina.
Os dois estiveram juntos na Chapada O agente de viagem insistiu para que ela
Diamantina, na Bahia. Acharam lindas as contratasse o hotel antes de decolar. “Você
montanhas, mas Ronaldo não quis andar vai se aborrecer, vai pagar mais caro e nem
pela mata. Ele visitou uma igreja histórica e sabe se o hotel é bom. Eu escolho para
o cemitério bizantino da cidade de Mucugê. você um lugar e, se você não gostar, volta e
“Muito bonito”, recorda. O cemitério tem reclama comigo. Mas tenho certeza de que
túmulos e mausoléus em formas góticas, vai gostar”, lembra Lina sobre a ocasião.
pontiagudas e pintados de branco.
“E eu gostei muito do atendimento”,
“É diferente de tudo que já vi, tem uma conta. É por isso que Lina evita comprar
atmosfera especial”, relata. Ele deixou a passagens e montar o pacote de viagem
cidade sem saber ao certo porque o local é pela internet. Ela teme eventuais
chamado de bizantino. Alguns atribuem aos consequências de tomar um serviço sem
sírios e libaneses que estiveram lá no Século trocar uma palavra com ninguém, e tem
XIX, na exploração de diamantes. Outros pavor da possibilidade de acabar tendo de
dão conta de que seria da semelhança com dormir em aeroporto, por cancelamento
as cúpulas brancas do Mar Egeu, feitas pela de voo ou algum erro do aplicativo.
civilização bizantina.
Este tipo de dano pode acontecer
Lina voltou lá outras vezes, com a filha e também com um pacote comprado em
uma amiga, para fazer as trilhas. Também uma agência. A diferença é que o cliente
fez trilhas em Porto Seguro, quando terá sempre alguém à disposição do outro
esteve com a filha. Ela saiu de São Paulo lado de uma linha de telefone para poder
para a viagem ao litoral sul da Bahia. Foi reclamar. E esse alguém vai se mexer para
à agência, como sempre faz, para comprar
a passagem. Com espírito aventureiro,

DICAS 66 REVISTA DA CAASP

resolver o problema. Gustavo é muito cauteloso ao
recomendar passeios, não apenas pelo
Gustavo Braga, dono de uma agência no preço, mas porque o que é bom para um
centro de São Paulo, oferece um serviço de pode não ser bom para outro. Mas arrisca
venda pela internet, mas recomenda que, dizer que, com a crise argentina, Buenos
tendo a oportunidade, o comprador esteja Aires passou a ser uma alternativa que deve
fisicamente na loja. Ele terá consultoria ser considerada por todos. “Ficou mais
de graça. “Já vi casos de pessoas que barato, e Buenos Aires não decepciona
chegaram na agência decididos a comprar nunca”, disse.
pacote em um resort em Porto de Galinhas
(Pernambuco), mas saiu de lá com viagem Ao lado de Santiago, capital do Chile,
de uma semana para Madri”, comenta. este é um dos passeios mais comprados
para as férias de julho na América do Sul.
E não é nenhum passeio empurrado. Alexandre ainda sugere o Peru e a Colômbia,
Pelo contrário. É que o cliente chegou principalmente Cartagena, mas avisa: Peru
lá certo de que, em Porto de Galinhas, é mais adequado para quem tem perfil
pagaria menos. Mas viu que, na época aventureiro. Machu Pichu é ideal para
em que queria viajar, as alternativas para quem gosta de andar e tem disposição e
Madri estavam mais baratas. E ele, que saúde para enfrentar as altitudes elevadas.
nunca havia viajado para a Europa, acabou
conhecendo a capital espanhola, com Para quem gosta de neve, Bariloche,
direito a assistir até a uma tourada. na Argentina, é incomparável. Tem neve

Reprodução

Madri, mais em conta que a pernambucana Porto de Galinhas.
REVISTA DA CAASP 67 DICAS

também no Chile, mas não a mesma estrutura Grande do Norte, é um passeio para ser
hoteleira de Bariloche. Com preço de América pesquisado. Assim como Foz do Iguaçu, tem
do Sul, tem-se a mesma sensação de estar na custo/benefício compensador.
Suíça ou em Aspen, nos Estados Unidos.
Na agência, sempre alguém explicará os
O visual é lindo, a Cordilheira dos Andes prós e os contras de cada cidade, inclusive na
apresenta, em certos pontos, um cenário de capital potiguar, mas nada que não possa ser
encher os olhos — e isso vale também para feito também pela internet. Nos destinos mais
o Chile. Portillo, no lado chileno dos Andes, a conhecidos, haverá sempre um blog com dicas
caminho da fronteira com a Argentina, oferece sobre o que fazer e os riscos a serem evitados.
um dos mais belos espetáculos de neve nesta Só vai dar mais trabalho.
época do ano.
“Pelo que vemos aqui, as pessoas com
Se a ideia é ficar mesmo no Brasil nas mais de 40 anos preferem o olho no olho, a
férias de julho e o frio é apreciado, Gramado e segurança de comprar em local físico”, acredita
Canela, no Rio Grande do Sul, são alternativas Ester Patriani, ela que também conhece muitos
a serem consideradas. Mas não há neve, lugares no mundo e cita a Disney como um
embora a temperatura dê a sensação de dos locais de sua preferência.
que, do lado de fora do hotel, estejam caindo
flocos brancos do céu. É romântico, ideal para Esteve em Orlando há pouco tempo com o
casais, embora em ambas as cidades existam filho Gabriel e conta que, enquanto o jovem
atrações também para crianças. se divertia nos brinquedos radicais, ela não
se envergonhava de aproveitar as atrações
Para quem não quer sair do Brasil e não destinadas a crianças. A zootécnica Lina
suporta o frio, a cidade de Natal, no Rio concorda: os mais maduros gostam de sair

Reprodução

Canela, no Rio Grande do Sul. Clima “europeu”.

DICAS 68 REVISTA DA CAASP

bem orientados pelos agentes. investir nisso. Alexandre Lucchesi conhece
muitos lugares no mundo. Visitou vinhedos na
A advogada Isabel Cristina sempre Espanha, aproveitou o que pôde de Barcelona
compra pacotes em agência. “Prefiro. É mais e até se divertiu em uma das maiores
personalizado. Além do que, me sinto segura, montanhas russas do mundo. Mas o que o
tanto na compra, como se tiver que fazer marcou mesmo foi uma viagem à China.
alguma reclamação ou ter suporte durante a
viagem”, declara. “Foi uma quebra de paradigma. Fui viajar
pensando que ia encontrar só aquelas
Para ela, a agência a ajudou na realização da construções chinesas, como vemos nos filmes,
viagem da sua vida. Foi a Foz do Iguaçu, com a aquelas arquiteturas, aquelas plantações de
família. Gostou das cataratas e do parque das arroz, mas, para minha surpresa, vi um país
aves. Ficou cinco dias e planeja voltar. extremamente desenvolvido, com arranha-
céus, com estradas, com tecnologia, um povo
Arquivo pessoal I.C educado, muito respeitoso. Foi minha melhor
experiência de viagem”, diz.

O mundo parece pequeno, é uma bola que
faz o viajante voltar sempre ao mesmo lugar
se seguir na linha reta. Mas há culturas muito
diferentes, que moldam as atrações turísticas.
Se se aprofundar nessa viagem, nem todo
tempo de vida será suficiente para conhecer
uma pequena parte. Mas tem que começar
por algum lugar.

Pode ser perto de São Paulo, como Campos
de Jordão, o litoral norte ou o interior. Você
pode fazer isso sozinho, com a ajuda da
família. Mas será sempre mais produtivo e
menos arriscado se você tiver um consultor
para ajudá-lo e esse profissional está sempre
à disposição em uma agência de viagem.

Isabel elogia o suporte obtido na Quem sabe você não chega lá querendo
agência. ir para o Nordeste e acabe comprando um
pacote para a Europa. O consultor vai ajudar
Os mais jovens, entretanto, se arriscam. você a descobrir quem você é neste universo
E não se pode dizer que não consigam fazer de viagens. Neste mundo, só não vale ficar em
bons passeios comprando toda a viagem casa, sentado no sofá, protelando sonhos.|
pelos sites. No turismo, nem tudo é linear,
mas todos têm um desejo quando decidem O Clube de Serviços da CAASP congrega
várias agências de viagem, todas a oferecer
condições especiais aos advogados. Consulte
em www.caasp.org.br

REVISTA DA CAASP 69 DICAS

PERFIL Agnelo José de Castro Moura é um dos
relatores veteranos de uma das cinco
“NOSSA Câmaras de Benefícios da CAASP, em que
ENTIDADE se afere a real necessidade dos pedidos
DE CLASSE É de auxílio pecuniário feitos à entidade
INSUPERÁVEL” assistencial.

Moura tem quase uma década de
serviços ininterruptos prestados à
advocacia, especialmente para a parte
mais carente da classe, sem receber
qualquer remuneração.

Esse advogado chegou à CAASP em
2009, mas conhecia a entidade de classe
desde os bancos da faculdade. Na década

PERFIL 70 REVISTA DA CAASP

Karol Pinheiro de 70, Walter Maria Laudísio (que viria a As inovações no setor de Benefícios
ser presidente da Caixa de 1991 até 1994) não se restringiram apenas à dinâmica,
era assistente de Jorge Lauro Celidônio, mas também ao estatuto que o rege.
que, por sua vez, era professor de Moura Adaptando-se às demandas do novo
no curso de Direito da PUC de São milênio, hoje a CAASP disponibiliza para
Paulo. “Walter já estava engajado com as pleito da advocacia carente 11 tipos
questões da classe e falava da CAASP para diferentes de benefícios pecuniários -
todo mundo. Naquela época, a entidade Auxílios Creche, Educação, Extraordinário,
não tinha toda a grandeza que tem hoje, Família, Mensal, Funeral, Hospitalar,
mas já me despertava o interesse”, conta. Maternidade, Medicamento, Mensal,
Natalidade e Odontológico.
Também pela PUC-SP, cursou Economia
e Ciências Sociais. Não chegou a concluir Segundo Moura, dois destes recebem
nenhuma das duas graduações, mas foi recorrentes pedidos e, por isso, são
no curso de Ciências Sociais que conheceu primordiais. Trata-se do auxílio mensal e
sua esposa, Neusa Maria, com quem se do auxílio-medicamento.
casou em 1976 e teve duas filhas,Fabiana,
39, e Priscila, 38. “São nestas duas categorias que
chegam os casos mais angustiantes, de
De fato a Caixa de Assistência dos pessoas que um dia tiveram tudo e, num
Advogados de São Paulo deu um salto determinado momento da vida, perderam
na estrutura e na prestação de serviços à todo o centro do seu mundo”, explica.
advocacia nos últimos 20 anos. Emocionado, continua: “A gente se coloca
no lugar do outro e percebe o quão
Hoje, a CAASP tem parcerias com importante é essa ajuda. Tem vezes que
empresas dos mais diversos segmentos a vontade é conceder até um valor maior,
que oferecem serviços e produtos com mas estatutariamente temos um limite
pagamento facilitado e descontos, venda a orçamentário a seguir”.
preço de custo de livros e medicamentos e
a total descentralização da estrutura física, A benevolência deste relator, contudo,
com 37 sedes regionais e uma unidade não impede que ele seja rigoroso ao julgar
instalada em cada subseção da OAB-SP no os pedidos, em respeito à boa aplicação
Estado de São Paulo. dos recursos da advocacia.

No que tange ao setor de Benefícios, “É por isso que eu tenho orgulho de
Moura detalha as transformações que pertencer à OAB-SP, porque, dentre as
viu nos últimos dez anos. “Quando entrei, entidades de classe, a Ordem é a única
cada relator tinha um volume monstruoso que atende os seus pares nos momentos
de processos à mão, pelo menos uma mais difíceis. Enquanto entidade de classe,
dúzia. A gente recebia direto no escritório, ela é insuperável”, destaca.
porque não tinha como carregar tudo
aquilo. Hoje, cada relator tem cinco Agnelo José de Castro Moura engajou-se
processos e eles são digitais. Tudo muito mais efetivamente nos assuntos da classe
mais moderno e organizado.” em 2006, aos 55 anos. Quando o colega
Marcelo Sampaio Soares (atual presidente
REVISTA DA CAASP 71 PERFIL

da OABPrev-SP) o encorajou. De lá para cá, trabalhou no Tribunal de Ética e Disciplina (TED),
ao lado de Rubens Approbato Machado e Ives Granda Martins, entre outras comissões da
entidade. Foi também secretário-geral da Subseção da OAB-SP de Pinheiros, onde também
foi diretor de esportes. “A OAB-SP vicia”, diz.

Na CAASP, além de relator na 4º Câmara de Benefícios, presidida pelo diretor da Caixa
Célio Luiz Bitencourt, foi o idealizador da “Quinta-Nobre”, inciativa de 2013 no campo do lazer
e da cultura que levou ao auditório da sede da entidade nomes como o violonista e cantor
José Domingos, o trio “Choro das Cordas” e o grupo Beatles 4Ever, cover da mitológica banda
britânica.

Aos 67 anos, Castro Moura segue trabalhando, apesar do ritmo e volume de trabalho hoje
ser mais ameno que no passado, daí sua dedicação à CAASP e ao esporte. Ele é presidente
do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Beisebol e Softbol.

Depois de 10 anos de dedicação à Caixa de Assistência, hoje Moura pensa em passar
o bastão. “Chega o momento em que temos que dar espaço para os outros”, afirma. O
advogado vive atualmente na cidade de Atibaia e uma vez por mês ajusta seus compromissos
de agenda e se desloca até São Paulo para ir à CAASP.

“Penso que deveria haver um rodízio, quem sabe cinco anos para cada relator?”, propõe.
É que para ele o trabalho voluntário na relatoria da CAASP traz benefícios não só para quem
recebe a ajuda da entidade, mas para os próprios advogados relatores. “Temos a oportunidade
de fazer uma coisa boa, de aprendermos a ter um pouco mais de humanidade, de sentir”,
reflete.|

PERFIL 72 REVISTA DA CAASP

REVISTA DA CAASP 73 CINEMA

Reprodução

CINEMA

Althea Flynt, sob medida para Courtney Love.

CLIQUE AQUI PARA VER O TRAILER DESTE FILME

idioma: inglês
CINEMA 74 REVISTA DA CAASP

A PORNOGRAFIA
CONTRA A HIPOCRISIA

Sim, “O povo contra Larry Flynt” (1996,
EUA / Canadá) constitui um libelo contra
a supressão da liberdade de expressão,
constatação demasiado óbvia. Trata-se da
biografia do editor da provocativa “Hustler”,
lendária revista erótica americana, uma
espécie de “Playboy” vulgar e bem mais
apimentada - mas o filme é maior que uma
mera biografia. É o romance entre Larry e
Althea, cujo desfecho é ao mesmo tempo
trágico e triunfante? É também isso, longe
de ser só isso.

REVISTA DA CAASP 75 CINEMA

O diretor checo Milos Forman, morto Reprodução
em abril último aos 86 anos, entende da
arte da crítica social. São de sua lavra “Um apelações, fianças. Contra ele, os moralistas
estranho no ninho”, uma patada no sistema de sempre: políticos conservadores,
manicomial americano, de 1975, Oscar de fanáticos religiosos, supremacistas brancos
Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator – foi um destes últimos que o baleou e o
(Jack Nicholson), e “Hair”, de 1979, que se deixou para sempre em cadeira de rodas.
tornou emblema da contracultura. Em “O
povo contra Larry Flynt”, Forman lança a Estaria Larry Flynt do lado certo, se é que
pornografia contra a hipocrisia. esse lado existe? É o próprio Milos Forman
quem responde: “Me acusaram de mostrar
Larry Flynt era um prato cheio para um Larry Flynt glorificado.Eu não glorifiquei
Forman. Debochado, desregrado, Larry Flynt – eu o mostrei como uma pessoa
promíscuo e ambicioso, na interpretação ambígua. Eu não saberia dizer se ele usou
de Woody Harrelson ganhou humor e a Primeira Emenda para defender o direito
sarcasmo. Courtney Love conferiu um à livre expressão ou se para defender o
perfil, digamos, lisérgico-apaixonado a
Althea, sua mulher, morta pela Aids. O
roteiro dessa obra que mescla protesto
político, biografia e história de amor não
se perde em pormenores: a trama avança
ligeira, sem paralelismos, como foi de fato
a vida de Flynt.

“Hustler” nasceu como catálogo de
bordel, e como um verdadeiro bordel
impresso levou Larry Flynt à fama, à fortuna
e aos processos. Sua vida foi uma sucessão
de julgamentos, prisões, condicionais,

Reprodução

Mordaça mais do que simbólica. Qual o limite da liberdade de expressão?
CINEMA 76 REVISTA DA CAASP

direito de continuar ganhando dinheiro Reprodução
com a pornografia. Provavelmente ele
também não saberia dizer. Provavelmente WEB O diretor Milos Forman, um dos grandes, morreu em
foi por causa das duas coisas ao mesmo abril.
tempo. Ora, Oskar Schindler era um
benfeitor da humanidade, que salvou Decididamente, Larry Flynt não segue as
centenas de vidas, ou era um nazista orientações do seu advogado e amigo Alan
que se aproveitou de centenas de vidas Isaacman (Edward Norton). As brigas entre
de judeus para ganhar dinheiro para si eles e a intempestividade de Flynt não são
próprio? Eu não sei, provavelmente ele foi bastantes, contudo, para que Isaacman
as duas coisas ao mesmo tempo, de uma
maneira ambígua, porque é assim que Flynt, o verdadeiro em sua cadeira de rodas de ouro.
são as pessoas”.
deixe-o na poeira. No julgamento que
Forman brilha ao mostrar pornografia encerra o braço jurídico da história, na
de modo elegante. Sutil, não ofende Suprema Corte, Flynt finalmente aceita
quando filma vulgaridades. E prova ser um seguir a estratégia desenhada pelo
mestre das imagens com o triste, dramático advogado, e vence o processo contra o
balé terminal do romance Larry-Althea, reverendo Jerry Fawell, líder de um grupo
contando para tanto com a total entrega denominado “Maioria Moral”, que havia
de Woody Harrelson e Courtney Love. sido objeto de uma charge nada edificante
Histriônico mas nunca caricato, Harrelson, na “Hustler”.
para muitos, deveria ter ganho o Oscar
de Melhor Ator, para o qual foi indicado.
Sobre Love, pode-se dizer, no mínimo, que
a viúva de Court Cobain ganhou um papel
sob medida.

Potencializado em sua revolta contra o
moralismo hipócrita após ficar paraplégico
e sexualmente impotente, Flynt torna-se
ainda mais assustador para as “pessoas
de bem”. Nesse ponto, são hilárias as
situações a que submete seu advogado em
pleno tribunal, ora por insanidade, ora por
excesso de sinceridade. Em determinada
sessão judicial, Flynt surge à frente do
juiz vestindo um capacete de guerra. O
juiz solicita-lhe tirar a peça da cabeça, por
proibida no local. O réu argumenta: “É por
segurança”. O juiz: “O Estado o protege”. E
Flynt: “Nunca se sabe, meritíssimo”.

Em outro momento, Flynt aparece
sentado, juiz à frente, vestindo uma
camiseta adornada com a frase: Fuck this
court.

REVISTA DA CAASP 77 CINEMA

A Primeira Emenda da Constituição dos sexuais. Atualmente, Flynt pode ser visto
Estados Unidos da América, que estabelece a sobre uma cadeira de rodas de ouro (ou
liberdade de expressão como valor absoluto interpretando, anos antes, um juiz de Direito
da sociedade americana, é a base legal em certo filme de Milos Forman...).
incontestável em “O povo contra Larry Flynt”.
Dentre os “cidadãos de bem” que o
Sempre provocador, mas nunca hipócrita, perseguiram, o mais emblemático deles,
Larry Flynt perdeu a capacidade de por em o banqueiro Charles Keating, porta-voz da
prática sua luxúria, da qual se orgulhava. luta “contra aqueles que querem destruir a
Também ficou sem Althea, um amor além alma do nosso país”, foi condenado em 72
da carne que se sobrepôs às extravagâncias processos por extorsão.| (PHA)

LITERATURA 78 REVISTA DA CAASP

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REVISTA DAwCidAeAxSdPobrasil79 BEYOND: Registro ANVISA: 10332480087.
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Apple Inc., registrada nos EUA e em outros países.
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LITERATURA

DE OLHOS BEM
ABERTOS

Canção de ninar
Leila Slimani

Editora Planeta do Brasil
192 páginas

Vivian Schlesinger*

LITERATURA 80 REVISTA DA CAASP

O assassinato de um bebê é sempre exemplares, tornando Slimani a autora mais
imperdoável. É o tipo de notícia que paralisa lida na França. A curiosidade mórbida é
quem ouve, mas estranhamente, também sem dúvida um fator que explica o sucesso,
tem o poder de aguçar em nós o que temos mas, após a leitura, o que fica é o profundo
de pior: a curiosidade mórbida. Quem fez desespero dos personagens, todos eles,
isso? Como foi capaz? O que leva alguém antes e depois do fato, anunciado desde
a cometer o crime mais antinatural que a capa. Trata-se de um thriller psicológico
existe? Canção de ninar, de Leïla Slimani, de extrema sutileza, as palavras sopesadas
é uma tentativa de responder a essas com precisão, não para resguardar até o
perguntas da forma mais convincente - a final o nome de quem cometeu o indizível
ficção. - isso é dito na primeira linha do romance
-, mas para explorar todas as possíveis
Na semana em que foi lançado o razões para essa barbárie.
romance dessa franco-marroquina de 36
anos virou febre nacional. Pouco tempo Em uma frase, é um romance de suspense
depois foi agraciado com o Prix Goncourt, o sobre Louise, uma babá perfeita que tem
mais prestigioso prêmio literário na França. um surto e assassina as duas crianças que
Segundo o presidente do júri, “em geral lhe foram confiadas. Logo após o início
a Academia Goncourt reconhece livros do romance, quando é revelado o crime
do passado. Este ano, elegemos um livro e quem o cometeu, a narrativa volta no
que fala do presente, do dia-a-dia e seus tempo, ao momento em que o casal decide
problemas, como a questão de delegar contratar uma babá. A mãe, advogada
autoridade e amor a uma pessoa de fora brilhante, está entediada por dedicar todo
da família. Muitos irão se reconhecer neste seu tempo às crianças. Na realidade, esse
livro”. tédio traduz algo muito mais profundo
e inexpugnável para a mulher desde o
Afirmação profética: em menos de Século XX: como lidar com a culpa por não
um ano, venderem-se mais de 600 mil
perseguir seu sonho pessoal
Reprodução de carreira e sucesso ou
de fazê-lo, mas para isso
ter de abandonar os filhos
diariamente? Slimani define
isso de forma cristalina,
quando o narrador fala por
Myriam:

“Percebeu que jamais
poderia viver sem o sentimento
de estar incompleta, de fazer
as coisas mal, de sacrificar
uma parte de sua vida em
função da outra. Tinha feito
um drama ao se recusar a
renunciar ao sonho dessa

Leila Slimani: escritora franco-marroquina virou febre nacional na
França.

REVISTA DA CAASP 81 LITERATURA

maternidade ideal. Teimando em achar que Louise agradecida. A babá é como aquelas
tudo era possível, que ela alcançaria todos figuras no fundo do palco que se movimentam
os seus objetivos, que ela não ficaria nem pelo cenário no escuro. Ela levanta um sofá,
amarga, nem esgotada. Não faria o papel empurra uma coluna de papelão ou uma
nem de mártir, nem de Mãe Coragem.” parede com apenas uma mão... Ela é Vishnu,
a divindade nutridora, ciumenta e protetora;
Paul, o pai, é produtor musical e tem a loba em cujo seio eles bebem, a fonte
uma carreira bastante promissora, o infalível da sua felicidade familiar.”
que incomoda a esposa também. Sabem
perfeitamente o que querem da babá: a Mila e Adam, respectivamente de 4 anos
faixa etária, a etnia, as referências. Louise os e 8 ou 9 meses de idade, são encontrados
impressiona muito e consegue o emprego. pela mãe, mortalmente feridos, e
imediatamente falecem. Mas não são
Quando a babá é contratada, seus apresentados como inocentes idealizados,
direitos e obrigações são bem definidos, são seres complexos, completos, que
com a contrapartida justa de obrigações e navegam os caprichos dos adultos, nunca
direitos dos patrões. Em poucas semanas longe do limite entre perigo e segurança.
Louise já toma conta de tudo, crianças e Exibem uma clareza que deixa os adultos
adultos. O que poderia ser mais perfeito perplexos. Mila chega ao ponto de se olhar
do que chegar em casa e encontrar as no espelho enquanto chora. Detalhes
crianças banhadas, alimentadas e felizes, como esse é que distinguem esse livro de
e ainda a mesa posta para um jantar um policial sangrento qualquer.
gourmet, a cozinha brilhando? Serpente
enrodilhando a presa, enquanto a presa LITERATURA 82 REVISTA DA CAASP
sorri. Tudo funciona muito bem. De fato,
tão bem que as fronteiras começam a ser
borradas. Por um lado Louise está disposta
a dar tudo de si para essa família, mas
isso mascara seu desespero para escapar
de um passado difícil. Por outro, Myriam
e Paul estão decididos a terceirizar seu
sonho de paternidade e confiam a Louise
o que possuem de mais caro, mas nada
sabem sobre ela, nunca conversam com
ela. Nada é simples aqui.

Enquanto uma personagem pouco a
pouco perde o contato com a realidade,
acreditando que Myriam terá mais um
bebê e com isso seu emprego estará
assegurado, a outra só enxerga o conforto
e a facilidade que a babá lhe proporciona.
Slimani espalha pistas aqui e ali das escuras
entranhas de Louise, mas se o leitor é capaz
de decifrá-las, Myriam não é:

“Myriam se permite o luxo de se mimar.
A cada dia, abandona mais deveres a uma

Reprodução As neuroses estão distribuídas essas pessoas sob um mesmo teto irá gerar
generosamente entre as personagens, tensão, e a corda acaba arrebentando do
mas, de longe, a mais neurótica é Louise. Da lado mais fraco, o das crianças. Quando
figura que parece um passarinho, quando Myriam chega em casa, a cada noite, seus
se apresenta para a entrevista de emprego, problemas estão todos resolvidos. Já para
à maníaca capaz de um ato obsceno Louise, a cada noite quando sai da casa
como o que comete, são dezenas de dos patrões seus problemas começam.
micropassos. É uma mulher de meia-idade, O caminho de casa é perfeita metáfora
viúva herdeira de dívidas impagáveis e órfã para o trajeto entre uma vida e outra. O
de filha que não vê há anos. O motif que domingo todo em casa é um inferno para
se repete, aludindo à imagem que projeta, Louise. É nessas horas que o narrador
é a gola claudine, que completa a (falsa) relata o passado de perdas e nocautes
impressão de equilíbrio, de serenidade, de dessa mulher. As janelas que ela limpa
ingenuidade - afinal, é a gola da roupa das obsessivamente mostram mais do seu
bonecas. interior do que do exterior. Ela mesma é
um buraco negro de tal gravidade que irá
A distância entre a residência dos pais, sugar até a luz da família de Myriam e Paul.
Myriam e Paul, no décimo arrondissement
em Paris, um bairro de classe média alta, Clarice Lispector, em sua crônica “Por
até a decadência do bairro onde mora detrás da devoção”, menciona que quanto
Louise, já é uma indicação de que colocar maior a dedicação de uma empregada
doméstica, maior o ódio que nutre por sua
A Paris de “Canção de Ninar”. patroa. Mas Louise é mais complicada do
que isso. Ela mesma não sabe a diferença
entre um abraço carinhoso e um abraço
sufocante.

A relação assimétrica entre as duas
mulheres de diferentes degraus na escala
social é construída à medida que as duas se
observam e se invejam, ambas acreditando
que a outra é livre para escolher seus
caminhos, o que não é verdade nem para
Louise nem para Myriam. Como apontou
Estelle Lenartowicz, no L’Express, Canção
de ninar “é o retrato de um casal até agora
inexplorado na literatura: a complexidade
e ambiguidade que envolvem uma mãe e
a babá”. Nada é simples nesse romance. A
babá vampiriza o espaço da família de tal
modo que não é possível saber se ela é
ingênua ou perversa.

REVISTA DA CAASP 83 LITERATURA

Leïla Slimani aprendeu bem cedo sucesso, que Slimani revelou seu talento.
que as aparências enganam. Nasceu no Sob a tutela de Laclavetine, purificou
Marrocos, onde sua família estava bem seu estilo ignorando o pensamento dos
estabelecida. Seu pai estudou em Paris e personagens e concentrando-se em seus
ao voltar, foi ministro de economia por dois atos.
anos e depois presidente do maior banco
marroquino. Em 1993 foi despedido e Publicou um livro de contos, dois
preso por meses em meio a um escândalo romances e três livros de ensaios, além
financeiro. Acabou morrendo de câncer de diversas novelas. A linguagem direta,
em 2004, quando Leïla tinha 22 anos - ela tcheckoviana, a escolha corajosa de temas
afirma que seu pai morreu de desgosto. tabu, os personagens que se rendem por
Alguns anos mais tarde foi postumamente uma paixão, seja o erotismo, seja o poder
inocentado de todas as acusações. - todas essas marcas têm se aprofundado
em sua obra, sem perderem o alcance.
Nesse meio tempo, Leïla formou- Seus livros recebem prêmios da crítica mais
se em Literatura na Sorbonne, onde exigente, mas ao mesmo tempo vendem
devorou os grandes autores russos, Stefan muito bem em lugares como Wal-Mart.
Zweig e Milan Kundera. Trabalhou em As ideias surgem de notícias impactantes,
cinema, cursou Administração, casou-se e mas seus romances não são históricos,
trabalhou como jornalista correspondente desprendem-se da realidade na primeira
no Marrocos e na Tunísia. Foi apenas página.
quando começou um curso de escrita com
Jean-Marie Laclavetine, renomado editor A ideia para Canção de ninar surgiu
na Gallimard, ele mesmo um romancista de quando Slimani soube do caso de Yoselin

WEB

Milan Kundera, um dos escritores que influenciaram Slimani em seu período na Sorbonne.
LITERATURA 84 REVISTA DA CAASP

Ortega, da República Dominicana, que WEB
assassinou duas crianças enquanto
trabalhava como babá nos Estados Unidos. “Beckett escrreve em francês e consideramos
Em ambos os casos, os pais tinham uma isso romântico...”
relação amistosa com a funcionária. No
romance, em uma mistura de conveniência norte-africana. Quer poder escrever sobre
e generosidade, Paul e Myriam levam qualquer lugar, tempo, personalidade,
Louise em viagem de férias com eles. Nessa ou seja, um horizonte muito mais amplo.
repentina intimidade surgem situações Mediante a acusação de trair suas origens
incômodas. Louise não sabe nadar, e por abraçar os valores do Iluminismo,
Paul decide ensiná-la. O contato próximo respondeu, “cresci com valores que não
dos corpos gera uma tensão com a qual refletiam necessariamente os do país
nenhum dos dois sabe lidar. Fica patente onde vivia”. E foi além: “Beckett escreve em
a falta de desenvoltura social de Louise, a francês e consideramos isso romântico,
falta de maturidade de Paul, e a ignorância mas quando nós, os norte-africanos,
- ou pior, a indiferença - de Myriam sobre escrevemos em francês, dizem que somos
tudo isso. vítimas do colonialismo, que somos
traidores!”
Myriam, como a autora, vem de um
país do norte da África e é provavelmente Slimani interessa-se por muitas
muçulmana, mas a questão das etnias questões, inclusive as que afligem o
é bastante sutil no romance. Os patrões indivíduo. Recusa-se a aceitar os valores
não querem uma babá muçulmana, para tradicionais e despóticos da Sharia,
evitar que a religião possa ser usada segundo a qual a mulher tem menos
para derrubar barreiras. Contratam direitos do que os animais domésticos:
uma “ariana”. Slimani declarou em uma “Vamos parar de nos escondermos atrás
entrevista que propositadamente escolheu de um pseudo-respeito pelas culturas, em
uma personagem branca fazendo o um relativismo repulsivo que nada mais é
trabalho normalmente reservado aos do que uma máscara para nossa covardia,
imigrantes africanos - uma humilhação. O nosso cinismo e impotência. Eu, nascida
ponto central não é a identidade da babá, muçulmana, marroquina e francesa, digo a
mas sim o fato de que se sujeita a um vocês: Sharia me dá náuseas”.
trabalho mal aceito em seu meio, portanto
mais uma humilhação. Com a mesma coragem, Slimani utiliza
técnicas aprendidas com outros autores,
A patroa é uma criatura pós-identitária,
a decoração da casa exibe tapetes persas
ao lado de gravuras do Japão. Essa
ausência de identidade étnica é literária
e ideológica. Literária, porque Slimani
acredita que a literatura precisa de tempo
para digerir os fatos, e como os conflitos
étnicos, particularmente na Europa no
momento estão em pauta, incluí-los no
romance poderia limitar seu escopo. Mas
também ideológica, porque Slimani recusa-
se a ser identificada exclusivamente como

REVISTA DA CAASP 85 LITERATURA

mas redesenhadas segundo sua caligrafia. crueldade a mais aos detalhes do dia-a-dia:
O bebê está morto. Com esta frase ela abre
o romance. O termo poder de parada Adam agita os bracinhos para Louise
(stopping power) define a capacidade que cada manhã, quando ela chega; Mila
um projétil de determinado calibre tem tem momentos de cumplicidade infantil
para deter um alvo. O poder de parada com Louise. E nada pode deter o que já
dessa frase é maior do que qualquer aconteceu. Nessa tragédia em marcha-
frase de abertura de Hemingway, o papa a-ré, o leitor avança alerta, ávido por
das frases curtas de grande calibre. O desacelerar os sinais bizarros e venenosos
leitor sabe imediatamente que precisa que prenunciam a catástrofe, mas é em
ler rápido para não ser atingido, quase vão. Brilhante.
como uma fuga dessa frase arrasadora.
O único meio de vencer o medo dessas Em outubro, Slimani aceitou um cargo
palavras é pela leitura, a crença de que não remunerado como “representante
nas páginas seguintes algo virá salvar, pessoal de Emmanuel Macron nos países
alguma ternura, alguma misericórdia. Só de idioma francês” para revitalizar a
que não. O narrador é frio e preciso, não imagem do idioma (e portanto da França)
poupa o destino dos personagens (nem no exterior. Sorte da França, claro. Para
a sensibilidade do leitor); revela pouco a nós, leitores, a sorte é que podemos ler
pouco que Louise obsessivamente busca seus livros, sofrer com seus personagens,
uma segunda chance para sua maternidade e ao terminar, podemos fingir que é tudo
falida ao começar nesta casa, mas também ficção.|
fica claro que é impossível, e a pressão
aumenta. *Vivian Schlesinger é escritora e
tradutora.
O narrador é cirúrgico na dissecção
dos tumores que crescem das decepções
entre empregadores e funcionária. O leitor
vislumbra gradativamente a tragédia que,
apesar de consumada na primeira página,
continua a parecer impossível. Saber como
termina antes de começar dá um toque de

WEB

Yoselin Ortega: caso real de babá que assassinou duas crianças.
LITERATURA 86 REVISTA DA CAASP

NOTÍCIAS Arquivo CAASP

GRATUITA, CAMPANHA DE
SAÚDE BUCAL VAI DE 4 A 29

DE JUNHO

A CAASP realiza de 4 a 29 de junho
a Campanha de Saúde Bucal 2018. Para
participar, basta telefonar para qualquer
uma das clínicas odontológicas da Caixa
de Assistência dos Advogados de São
Paulo e marcar a visita. A participação é
gratuita para advogados, estagiários e
dependentes. Os pacientes receberão
cuidados profiláticos e orientação sobre
higienização bucal. As crianças de até 12
anos receberão aplicação tópica de flúor.
“As condutas profiláticas que fazem parte
da campanha podem evitar problemas
graves no futuro”, afirma o vice-presidente
da Caixa de Assistência, Arnor Gomes da
Silva Júnior.

Os endereços e telefones dos
consultórios odontológicos da CAASP estão
em www.caasp.org.br. Para o segundo
semestre está prevista a segunda etapa da
Campanha de Saúde Bucal, a ser realizada
em clínicas odontológicas referenciadas,
nas cidades em que a CAASP não conta
com clínica própria.|

REVISTA DA CAASP 87 NOTÍCIAS

AUMENTA PARTICIPAÇÃO NA Arquivo CAASP NOTÍCIAS
CAMPANHA CONTRA GRIPE
NOTÍCIAS 88 REVISTA DA CAASP
A Campanha CAASP de Vacinação
contra Gripe 2018 superou a edição de
2017 em número de participantes. Neste
ano, 40 mil pessoas fora vacinadas, entre
advogados, estagiários e dependentes, em
todo o Estado de São Paulo. No ano passado,
32.427 pessoas foram imunizadas. Iniciada
em 23 de abril, a campanha estendeu-se
até 25 de maio e percorreu as subseções da
OAB-SP em todo o Estado. O público-alvo
compôs-se de advogados, estagiários e seus
dependentes diretos. O preço cobrado, R$
65,00, equivale a um terço do que se cobra
em média nas clínicas particulares de
vacinação. Os advogados com mais de 65
anos vacinaram-se gratuitamente.

“A vacina é indispensável para
que não sejamos surpreendidos pela
gripe, uma doença que prejudica a rotina
de trabalho e pode trazer consequências
graves”, diz o presidente da CAASP, Braz
Martins Neto. “A Caixa continua a privilegiar
a medicina preventiva, subsidiando ações
como esta, que são na verdade a forma
mais barata e eficaz de se cuidar da saúde”,
salienta o vice-presidente da entidade,
Arnor Gomes da Silva Júnior. “Realizamos
um intenso trabalho de divulgação, de
modo a alcançarmos um número maior
de colegas em todo o Estado”, observa o
diretor Jairo Haber.|

NOTÍCIAS

CRESCE A VENDA DE LIVROS entidade, entre as quais a oferta dos
NA CAASP SHOP produtos de livraria e farmácia de que a
classe necessita”, afirma o secretário-geral
As compras na loja virtual da Caixa da da CAASP, Rodrigo Ferreira de Souza de
Assistência dos Advogados de São Paulo, a Figueiredo Lyra, responsável pelo setor.|
CAASP Shop (www.caaspshop.com.br), têm
acompanhado, em geral, o desempenho
do comércio virtual no país, o qual não
está imune às oscilações da economia. As
aquisições de medicamentos e livros via
CAASP Shop alcançaram seu nível mais alto
em 2014, antes da recessão econômica,
quando 181.952 itens foram vendidos. Esse
total caiu para 153.858 no ápice da crise
recessiva brasileira, mas voltou a subir,
tendo alcançado as marcas de 178.262
itens vendidos em 2016 e 159.748 em 2017.

Em 2018, chama a atenção o aumento
da venda de livros em março (11,70%) e abril
(26,68%) em relação aos mesmos meses de
2017. Em abril de 2017, 566 volumes foram
adquiridos na CAASP Shop; em abril de
2018, adquiriram-se 717 volumes.

“Estamos sempre atentos ao
caminhar da modernidade. Nossa intenção
é prestar serviços de qualidade e cada vez
melhores aos advogados – esse preceito
vale em todas as áreas de atuação da

REVISTA DA CAASP 89 NOTÍCIAS

UMA CENTENA DE NOTÍCIAS WEB
ADVOGADOS PARTICIPA DO
ABERTO DE TÊNIS OAB-CAASP NOTÍCIAS 90 REVISTA DA CAASP

NA CAPITAL

Cem advogados mostraram sua
aptidão esportiva na edição paulistana
do Torneio Aberto de Tênis OAB-CAASP,
realizado nos dias 17, 18, 24 e 25 de março
nas quadras de saibro do Clube Hípico
de Santo Amaro. Foram premiados os
melhores em sete categorias: “Até 39 anos”,
“40 a 49 anos”, “50 a 59 anos”, “Acima de
60 anos”, “Feminino” e “Duplas A” e “Duplas
B”.

“A CAASP mais uma vez levou
aos advogados e aos seus familiares, a
mensagem de que o esporte é também
saúde preventiva”, observou o diretor da
CAASP responsável pelo Departamento
de Esportes e Lazer, Célio Luiz Bitencourt,
ao lado do diretor-tesoureiro da entidade
Joge Eluf Neto, que prestigiou as finais. O
vice-presidente da OAB-SP, Fábio Romeu
Canton Filho, também esteve presente.
“É uma satisfação grande ver que esse
torneio deu muito certo e que a advocacia
tem interesse na pratica esportiva e na
prevenção à saúde que ela é capaz de
proporcionar”, endossou Canton. Também
compareceu às finais do torneio Pedro
Luiz Monteiro da Silva, tabelião substituto
do 10º Tabelião de Notas de São Paulo,
que patrocina neste ano a competição dos
advogados.

Ao torneio da Capital seguiram-se
edições em Piracicaba, Mogi Mirim e São
José do Rio Preto.|

NOTÍCIAS a responsável jurídica do MIS, Karoline
Bueno, e a assistente institucional, Daniele
MUSEU DA IMAGEM E DO Dantas.
SOM INTEGRA O CLUBE DE
Há três categorias de benefícios
SERVIÇOS DA CAASP do programa +MIS: +Próximo (R$ 100,00
por ano; R$ 80,00 para advogados ou
A CAASP acaba de firmar parceria com dependentes), +Parceiro (R$ 300,00
o MIS - Museu da Imagem e do Som A por ano; R$ 240,00 para advogados ou
CAASP acaba de firmar parceria com o dependentes) e +Especial (R$ 600,00
MIS - Museu da Imagem e do Som de por ano; R$ 480,00 para advogados ou
São Paulo, garantindo mais uma opção dependentes). Cada faixa tem direito a
cultural de alto nível para os advogados. uma série de benefícios específicos, tais
Os profissionais inscritos na OAB-SP terão como descontos nos cursos e na loja MIS,
desconto de 20% no programa +MIS da prioridade na compra de ingressos e meia-
instituição - localizada no bairro paulistano entrada na programação, visitas guiadas e
dos Jardins-, e apreciarem em condições estacionamento gratuito.
muito especiais toda a sua programação
audiovisual, além de ganharem diferenciais Para tornar-se sócio do MIS, basta
no cinema Caixa Belas Artes, nos cursos o advogado acessar a área do Clube de
da Universidade Belas Artes, nas peças do Serviços no site da entidade (www.caasp.
Teatro Folha, nos pratos da Lanchonete org.br), fazer seu login para ter acesso
da Cidade e do Tubaína Bar, nos serviços ao código promocional. De posse desse
do estúdio de beleza Jacques Janine, nos código, o advogado deve se dirigir ao site do
produtos da Fnac e outros. museu (www.mis-sp.org.br) para finalizar
sua assinatura. Quem preferir, também
Os dirigentes do MIS Isa Castro pode ir diretamente ao MIS, na Avenida
(diretora cultural) e Jacques Kann (diretor Europa, 158, portando a Carteira da OAB,
de Gestão e Finanças) receberam no onde será direcionado ao atendimento e
dia 16 de maio, no prédio localizado na procederá à filiação. Afiliado, o advogado
Avenida Europa, os diretores da CAASP receberá um cartão personalizado de
Adib Kassouf Sad, responsável pelo Clube acesso ao museu.|
de Serviços da Caixa, e o diretor-tesoureiro
Jorge Eluf Neto para formalização da WEB
parceria. Também participaram da reunião

REVISTA DA CAASP 91 NOTÍCIAS

NOTÍCIAS

GRANERO TRANSPORTES
OFERECE DESCONTO AOS

ADVOGADOS

Qual a primeira marca que vem à José Luis da Conceição Para usufruir da parceria basta o
cabeça quando o assunto é transporte advogado acessar www.granero.com.br,
para mudanças? Há 51 anos, é a Granero selecionar o estado e a cidade de origem
Transportes. Pois agora os advogados têm da sua mudança, entrar em contato
a oportunidade de usufruir dos serviços da por telefone, e-mail ou whatsapp com a
transportadora referência no segmento, Granero. O atendente orientará sobre
com benefícios exclusivos, graças ao todos os procedimentos, incluindo, o
convênio firmado pelo Clube de Serviços da encaminhamento de cópias digitalizadas
CAASP. São 12% de desconto sobre o preço da Carteira de Ordem para garantir os
de tabela, parcelamento em até quatro benefícios da parceria.|
vezes no cartão, e um serviço de içamento
de móveis de grande porte grátis para a NOTÍCIAS 92 REVISTA DA CAASP
advocacia. Os benefícios da parceria valem
tanto para mudanças dentro da mesma
cidade quanto para qualquer outra cidade
do Brasil.

O diretor da CAASP Adib Kassouf Sad
recebeu no dia 8 de maio, na sede da Caixa
de Assistência, os dirigentes da Granero
Transportes para firmar o contrato de
parceria (foto). Estavam presentes Júlio
Pires, diretor de Relações Institucionais,
Daniela Acaui de Carvalho, diretora
Jurídica, e o sócio-diretor Eduardo Granero.
Também participou advogada Andréia
Viccari.

PALAVRA
DO
LEITOR

INSEGURANÇA PÚBLICA

Venho parabenizar a Revista da CAASP e especialmente os jornalistas Paulo Henrique Arantes,
Joaquim de Carvalho e Karol Pinheiro pela excelente matéria “Flagrantes de Insegurança
Pública”. Texto claro, instigante, de muita qualidade, e as entrevistas e os dados apresentados
são fundamentais para entendermos as diversas interfaces do tema. Talvez a melhor matéria
que já li sobre segurança pública no Brasil.
[ Filipe Jordão Monteiro ]

CARO LEITOR

Envie sua manifestação, opinião, crítica
ou elogio para:
[ [email protected] ]

REVISTA DA CAASP 93 PALAVRA DO LEITOR

Arquivo OAB-SP

OPINIÃO
RODRIGO ROCHA

MONTEIRO DE
CASTRO

OPINIÃO 94 REVISTA DA CAASP

A DEFESA DAS PRERROGATIVAS DO
ADVOGADO COMO INSTRUMENTO DE
REALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO

Rodrigo Rocha Monteiro de Castro*

Fundada, principalmente, na proteção às garantias fundamentais
do povo brasileiro, a Constituição Federal de 1988 (“CF” ou “Constituição”)
– que, hoje, vige e opera como a lei maior no ordenamento pátrio –
representou, à época de sua edição, uma vitória da democracia e dos
direitos humanos.

Marcando a ruptura com o período ditatorial – caracterizado
pela supressão, em alguns casos, e pela violação, noutros, de direitos
individuais –, a CF deu início a uma nova fase no país, a partir da qual a
liberdade, a vida, a igualdade, a segurança e a propriedade se tornaram,
de maneira expressa, bens de grande valia, tutelados pelo Estado. A
preocupação em ampliar a proteção a esses direitos, que tanto foram
ignorados no passado recente do nosso país, conferiu à Constituição
a alcunha de “cidadã”, reforçando a lógica da primazia da dignidade da
pessoa humana.

Nessa ordem de ideias, e com vistas a conferir funcionalidade
sistêmica ao ordenamento, o constituinte definiu o Advogado como
elemento indispensável à administração da justiça, sendo ele inviolável
por seus atos e manifestações praticados no exercício da profissão, nos
termos do artigo 133 da CF¹.

O reconhecimento de sua indispensabilidade à justiça, já no texto
constitucional, evidencia, portanto, a importância da figura do Advogado
no Estado Democrático de Direito, que serve à sociedade na condição
de instrumento para a efetivação dos direitos e garantias fundamentais.

A fim de fornecer aos Advogados o arcabouço necessário para o
exercício de suas funções, o Estatuto da Advocacia, instituído pela Lei
nº 8.906/94 – editada poucos anos depois da promulgação da CF –,
definiu uma série de prerrogativas da profissão. Essas prerrogativas
objetivam, também, de forma mediata, permitir ao Advogado se tornar,
efetivamente, um elemento indispensável à administração da justiça.
Assim, privilegiam-se os preceitos democráticos vigentes no nosso

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo
inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites
da lei.

REVISTA DA CAASP 95 OPINIÃO

ordenamento e, por consequência, o próprio texto constitucional.

O Estatuto da Advocacia, a partir do seu artigo 6º, em especial
no artigo 7º, listou os vários direitos do Advogado. O respeito e a
observância desses diretos são essenciais à democracia. Cite-se, por
exemplo, (i) a liberdade, em todo território nacional, do exercício da
profissão, (ii) a inviolabilidade do seu local e dos seus instrumentos de
trabalho, bem como de sua correspondência – desde que relacionada
às atividades profissionais –, (iii) o livre acesso a sessões de julgamento,
audiências, assembleias e reuniões, com vistas à defesa de seus clientes,
(iv) o uso da palavra, sempre que entender necessária, (v) a imunidade
profissional, no que toca às suas manifestações, externadas no exercício
da profissão, e (vi) a ausência de hierarquia ou subordinação entre
advogados, magistrados e membros do Ministério Público.

Percebe-se, assim, que as prerrogativas advocatícias possibilitam
não só a materialização do princípio democrático – que é sua finalidade
última –, mas, também, garante a ampla defesa e o acesso à justiça; o
que, sem dúvidas, opera em favor de toda a coletividade.

O Advogado, para exercer o seu múnus, depende da inviolabilidade
de seus direitos especiais, sem os quais, por conseguinte, não há
democracia.

Por esse motivo, não se pode ignorar a gravidade de ataques ou
ameaças às prerrogativas do Advogado. São condutas lesivas, as quais,
por atentarem contra condições indispensáveis à justiça, põem em
xeque a segurança do ordenamento e de todos os jurisdicionados.

Afinal, os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos se
perfazem ou são defendidos, no mais das vezes, por meio dos Advogados.
Se eles, operadores do direito, não gozarem de direitos especiais que lhe
permitam exercer plenamente a sua profissão, ou, até mesmo, tiverem
tais direitos desprotegidos e/ou violados, não conseguirão atender
à finalidade que lhes foi atribuída pela Constituição: ser instrumento
indispensável à administração da justiça.

São, assim, não apenas reprováveis, como também condenáveis
todos aqueles atos praticados com o objetivo de desmerecer, prejudicar
ou impedir o exercício regular da advocacia, dado que tais condutas
atingem, conforme explicado, a sociedade em sua inteireza. Isto porque,
sem o advogado, como a própria CF reconheceu – e o fez de forma
expressa, deve-se destacar –, a justiça não se manifesta completa. Em um
cenário no qual a justiça não consegue ser completa, consequentemente,
não se pode falar em democracia.

Democracia e justiça são ideias que caminham lado a lado; e o

OPINIÃO 96 REVISTA DA CAASP

Advogado, com prerrogativas definidas e defendidas, é o amálgama que
conecta uma à outra.

Há de se ter em mente, portanto, que o Advogado detém a função
precípua de defender direitos e garantias fundamentais – os quais,
ressalte-se, pertencem à coletividade –, e, para conseguir exercer o seu
múnus, precisa das suas prerrogativas legais. Atentar contra o Advogado
é o mesmo que atentar contra os interesses sociais, por consequência.

Daí a necessidade de se intensificar a defesa das prerrogativas
advocatícias, sem as quais a estabilidade do sistema democrático ruiria
de modo irreversível.

A advocacia deve ser respeitada, deve ser defendida e deve ser
protegida. Deve ser livre. Livre para defender a cidadania, a dignidade, a
liberdade e tantos outros bens tão caros ao povo brasileiro.|

Rodrigo Rocha Monteiro de Castro, advogado, é presidente do
Movimento de Defesa da Advocacia – MDA

REVISTA DA CAASP 97

OPINIÃO 98 REVISTA DA CAASP


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