13-07-2023 Meio: Imprensa País: Portugal Área: 2939,2cm² Âmbito: Interesse Geral Period.: Semanal Pág: 40-45,4 ID: 106180832 6 13 JULHO 2023 VISÃO 45 Perante o Ministério Público, Álvaro Sobrinho recusou-se a falar de clientes do banco (a lei angolana impede-o). O procurador José Ranito questionou-o sobre a sua atitude passiva, numa assembleia geral de acionistas de 3 de outubro de 2013, na qual, em resumo, foi identificado quase como o principal responsável pelo buraco do BES/Angola: “A leitura deste documento (ata), sugere que foram atribuídos créditos de 1,6 mil milhões de euros e que existem 300 milhões justificados, enquanto o resto desapareceu e o senhor doutor beneficiou destes movimentos. Estão a acusá-lo de desfalque (…) E não vemos uma reação do tipo ‘isto é inaceitável!’” “Não é verdade”, respondeu Álvaro Sobrinho, sem contudo partilhar mais detalhes. A resposta à dúvida do procurador poderá ser a que o próprio Álvaro Sobrinho deu, em fevereiro de 2019, numa entrevista à VISÃO: “Eram pessoas do Estado, chefes do serviço de inteligência de Angola! Acha que podia falar? Que podia contrapor? Fazer qualquer coisa que não calar-me?” Ainda assim, o procurador tentou, por outro caminho, obter uma resposta: “Última questão: porque acha da Silva, o gestor referiu não subscrever as “referências informativas pessoais” que Rui Guerra tinha feito a seu respeito, “deixando entender que este acionista, e mais nenhum, teve movimentos financeiros a si ligados durante a vida do BESA”. GARANTIA MADE IN PORTUGAL Mas foi a partir das atas que a comissão executiva preparou um “memorando” para ser levado ao conhecimento do então Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, solicitando a emissão de uma garantia soberana para cobrir as perdas registadas em finais de 2013. O que viria a acontecer a 31 de dezembro de 2013, com José Eduardo dos Santos, já depois de ter reunido com Ricardo Salgado e o advogado Daniel Proença de Carvalho, a assinar o despacho presidencial 7/2013, autorizando o ministro das Finanças a emitir uma “garantia autónoma” até 5,7 mil milhões de dólares. Dezenas de documentos apreendidos em Portugal – entre os quais, uma minuta do texto da garantia –, quer no BES quer na Abreu Advogados, levantaram uma forte suspeita de que o texto da tal garantia foi redigido em Lisboa, de modo a acautelar os interesses do BES, exposto ao buraco do banco angolano. Numa das várias inquirições a que foi sujeito, Rui Guerra foi confrontado com este dado, não o negando totalmente. “Não seria natural que o Estado angolano contratasse um escritório de advogados para o representar?”, questionou o procurador José Ranito, que ficou sem uma resposta clara. Também por responder ficaram outras perguntas como: se o que estava em causa no BES/Angola era uma fraude, como refere o memorando, por que motivo não seguiu uma denúncia para o procurador-geral de Angola? Rui Guerra respondeu que o objetivo passava por encontrar uma solução. Para o Ministério Público, a carta endereçada a José Eduardo dos Santos mais não foi do que uma ameaça velada: ou o Estado angolano cobria as perdas ou o caso seria revelado publicamente. Em outubro de 2014, Angola colocou um ponto final: acabou com o BESA e criou o Banco Económico. As suspeitas de crimes foram todas arquivadas. [email protected] que aconteceu este golpe de Estado no BESA que o depôs?” “Se eu fosse seu amigo e se pudéssemos estar em circunstâncias diferentes, provavelmente poderia confessar-lhe uma coisa”, devolveu Álvaro Sobrinho, finalizando, assim, o interrogatório: “Um dia, quem sabe, até podemos ser amigos depois disto tudo.” Quem esteve muito ativo durante as duas reuniões foi Rui Guerra, ora fazendo apresentações, ora tecendo considerações sobre a gestão de Sobrinho. Porém, um pormenor não passou despercebido ao MP: nas assembleias gerais, Rui Guerra apenas enfatizou um conjunto de operações, deixando de fora outras, como as transferências para a Savoices de Ricardo Salgado ou a ES Enterprises, o tal “saco azul” do BES. O gestor não soube responder com clareza à questão. Certo é que o seu nome figurava como um dos quadros do BES que recebiam complementos de ordenado pelo “saco azul”, com o nome de código “Tomix”. Já depois da AG, Álvaro Sobrinho teceu várias críticas ao teor das atas, sobretudo relativamente ao foco que as mesmas davam ao seu caso. Num email enviado a 14 de novembro de 2013 ao presidente da AG, João Gomes LEOPOLDINO DO NASCIMENTO General angolano que integrou o núcleo de José Eduardo dos Santos. Foi acionista do BESA através da Geni com 18% do capital. “KOPELIPA” Antigo homem de confiança de José Eduardo dos Santos, o general era acionista do BESA através da Portmil. João Lourenço afastou-o do círculo do poder angolano. Testemunha Em novembro de 2016, Eugénio Neto foi ouvido durante mais de três horas no Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Pediu ao MP para “contextualizar” os factos com o modo de vida angolano Página 48
13-07-2023 Meio: Imprensa País: Portugal Área: 2939,2cm² Âmbito: Interesse Geral Period.: Semanal Pág: 40-45,4 ID: 106180832 7 Como levar um banco à falência ...................................................................40 O testemunho do principal devedor do BESA é revelador sobre o funcionamento do banco que contribuiu com 3,5 mil milhões para o buraco do BES Página 49
A50 13-07-2023 Meio: Imprensa País: Portugal Área: 486cm² Âmbito: Interesse Geral Period.: Semanal Pág: 90 ID: 106180531 1 OPINIÃO Filipe Luís — Editor-executivo Modelo & detetives Há escritores – e esses são os que têm mais talento – que conseguem expressar sentimentos, perceções ou estados de alma praticamente universais, que nós sentimos, mas que nunca nos tinham ocorrido e que jamais conseguiríamos traduzir em palavras. Mal comparado, certas análises sobre a atualidade, se forem suficientemente certeiras, acabam por causar no público o mesmo efeito: “É verdade! Mas nunca tinha pensado nisso!” Ao equiparar o “reality show” da Comissão Parlamentar de Inquérito a um filme da série B, com os deputados no papel de “procuradores norte-americanos”, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, acertou no vinte: quem já viu esses filmes de tribunal, ou leu os livros de Erle Stanley Gardner, com o advogado-detetive Perry Mason, sabe do que estou a falar. Os deputados convenceram-se de que eram implacáveis “procuradores-investigadores”, ao estilo dos que viram em fitas norte-americanas, na sua juventude. E o modelo das comissões parlamentares de inquérito, que baseava o seu prestígio em grandes inquéritos bem-sucedidos, como os dos casos do BPN ou do BES, deu lugar a um desfile de “detetives” que tiraram o curso por correspondência, convencidos de que, ao apurarem contradições relacionadas com mais minuto, menos minuto, num telefonema ou numa mensagem de WhatsApp, estavam a resolver o caso. Concluindo, Pedro Adão e Silva está carregado de razão. Mas faltou, na análise do ex-comentador – que agora “atira” aos outros comentadores como se estes fossem talibãs a conspirar para derrubar a democracia… –, o outro lado das coisas. No reality show que o ministro, com um certo asco (justificado), identificou, faltou-lhe dizer que o enredo da história, ou seja, o papel do Governo no caso TAP, o comportamento dos seus membros, o amadorismo inaceitável, a incompetência, a impreparação, os casos de polícia e a arrogância, sempre inerente à estupidez, foram a substância principal de um inquérito que, depois, teve, nos deputados e na postura destes, o seu corolário lógico. No fundo, o papel, nalgumas fases, degradante, dos membros da CPI da TAP, só foi possível porque o objeto que estavam a investigar lhes dava todos os pretextos. A culpa deste “modelo” não é dos “detetives” da CPI mas dos prevaricadores do Governo. Atenção: é da natureza humana que os deputados que participam numa comissão parlamentar desta importância tentem capitalizar a sua imagem. Os observadores interiorizaram que foi graças ao papel de destaque em comissões de inquérito deste género – BANIF, BES, etc. – que parlamentares como Nuno Melo, Mariana Mortágua ou Cecília Meireles, e, já nesta CPI da TAP, Bernardo Blanco, da IL, conseguiram a notoriedade suficiente para se tornarem políticos de dimensão nacional. Portanto, a CPI da TAP serviria não para um esclarecimento, mas para um trampolim. Esta história tem um epílogo interessante, independentemente do texto do relatório final, que será votado hoje, quinta- -feira: um irritante entre um deputado do PS e o ministro que proferiu as polémicas declarações. Com efeito, António Lacerda Sales, ex-secretário de Estado da Saúde, presidente da CPI, puxou dos seus galões de deputado e lembrou que é o Governo que responde perante o Parlamento e não o contrário. Considerou as palavras de Adão e Silva uma “falta de respeito” e convidou-o a retratar-se. O caso é duplamente interessante: por um lado, Lacerda Sales, embalado nos elogios, à esquerda e à direita, pelo seu papel isento à frente da CPI, quer marcar uma diferença perante o “ditado” que a relatora da Comissão, a deputada socialista Ana Paula Bernardo, apresentou, à guisa de relatório preliminar. Por outro lado, ele próprio é o ex-governante que o atual ministro da Saúde não reconduziu – e Lacerda Sales acalentaria, possivelmente, legítimas expectativas de ascender a ministro. Ora, “já que me preferem como deputado, vou exercer o meu mandato”. Isto acontece ao mesmo tempo que, a propósito da demissão do secretário de Estado da Defesa, o próprio líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, sugere uma auditoria aos negócios da Defesa. Claro que – baixemos as expectativas... – isto não significa nenhum sinal de rebeldia da bancada do PS. Mas podemos estar perante uma inflexão da estratégia, para a segunda metade da legislatura, em que o Governo pretenderá suavizar – disfarçar?… – a alegada propensão para transformar a maioria absoluta numa ditadura da maioria. [email protected] GOLPE DE VISTA A VERGONHA DA JMJ Afinal, já não será inaugurado qualquer memorial em homenagem às vítimas da pedofilia na Igreja, durante a Jornada Mundial da Juventude, ou seja, o palco mediático maior para um retratamento da Igreja portuguesa vai ser desaproveitado. Independentemente de uma nova data que agora arranjem, o efeito do gesto já se perdeu. Bem sei que a palavra está um pouco proscrita, no vocabulário político dos nossos dias, mas deixem-me escrevê-la, com todas as letras: é uma VERGONHA! Página 50
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